Meditação de Natal – 2011

Há muitos anos costumamos nos reunir no mês de dezembro para celebrar. Celebrar o Natal, o nascimento de Jesus, mas também a nossa amizade. Quando começamos, éramos jovens. Como disse uma amiga do grupo, temos o privilégio de envelhecer juntos!

Celina Monteiro *

 

Meditacao-de-natalPosso dizer que a origem do grupo foi a missa de meio dia nos domingos, na igreja dos dominicanos no início da década de 60, que costumávamos frequentar com as crianças mais velhas. De início não conhecíamos ninguém, mas era uma missa realmente comunitária em que todos pareciam se sentir em família.

Nessa época não tínhamos carro e, ao final da missa, íamos esperar o bonde que passava pela rua da Consolação onde morávamos. Um dia – será que chovia? – uma kombi parou junto de nós para nos oferecer carona. Era um casal com duas meninas mais ou menos da idade das nossas. Foi o início de uma amizade duradoura, preciosa!

Logo descobrimos afinidades e interesses comuns, e outras pessoas com ideais semelhantes, foram se agregando a nós. No momento, às vésperas do golpe de 64 e das mudanças na Igreja trazidas pelo concílio Vaticano II, o elemento catalisador entre nós foi o desejo de um Brasil mais justo, com menos desigualdades.

Fizemos parte de alguns movimentos da Igreja católica, com reuniões mensais e regulamentos próprios, mas acabamos por nos tornar independentes, formando nosso próprio grupo. O número de participantes variou ao longo dos anos, alguns deixaram o grupo, outros vieram, sempre a partir do mesmo núcleo. Outros morreram… Hoje somos quatorze, a maioria com mais de 80 anos.

O que nos mantém unidos? Creio que é a busca de sentido para a vida, a busca de Deus.

Somos muito diferentes entre nós, e também nessa busca temos trilhado caminhos diversos. Mas acho que posso dizer que a inspiração, o traço de união, está na vida de Jesus.

Uma ocasião em que eu acompanhava um dos amigos, hospitalizado em estado terminal, a acompanhante da doente do quarto vizinho me disse, um dia, interrogativa e admirada ao mesmo tempo: “Mas afinal, vocês não são parentes, o que é que une vocês dessa maneira?”

Não me lembro o que respondi, mas acho que posso afirmar que o que ela via em nós, era o mesmo que fazia aqueles que observavam os primeiros cristãos dizerem: “Vede como eles se amam”!

Abaixo o a Meditação que escrevi para o último encontro deste grupo, em 8 de dezembro do ano que finda.

Advento, tempo de espera:

Estamos no Advento, tempo de espera do nascimento de Jesus.

A espera de uma criança é sempre um tempo de preparativos para a chegada do bebê, de expectativas e emoções novas compartilhadas na família e com pessoas amigas.

Como teria sido esse tempo para Maria e José?

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Maria deve ter se ocupado em preparar com carinho o enxoval do bebê; José, carpinteiro, certamente caprichou em fazer um bercinho para recebê-lo. Os vizinhos, provavelmente, fizeram suas ofertas, presentes de pobres, mas sinais de solidariedade e afeto.

E eis que, justamente quando estava chegando a hora, veio o decreto de Cesar que obrigou o casal a deixar o aconchego de seu lar para empreender a viagem de Nazaré a Belém. Viagem sem conforto, de gente pobre, para uma cidade hostil, em que não conheciam ninguém.

E foi aí que nasceu Jesus!

Maria “envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura porque não havia lugar para eles na estalagem” (Lc.2,7).

Certamente não faltou a Jesus recém-nascido o calor do amor de Maria e José e, para compensar a ausência da vizinhança, vieram pastores e reis trazendo suas ofertas.

Mas não haviam terminado ainda os imprevistos obrigando a deslocamentos, agora para proteger a vida do menino ameaçada por Herodes. E desta vez a viagem é longa, para uma terra estrangeira e por tempo indeterminado, tendo que atravessar um deserto para chegar da Palestina ao Egito! (Mat. 2,13-15).

Como Maria reagiu a esses acontecimentos?

S. Lucas nos diz que Maria “guardava todas essas coisas em seu coração” (Lc 2,19 e 51). Guardava-as em seu coração, em sua memória e, ao longo da vida, na medida em que recordava, aquilo que não pudera compreender, que lhe parecera obscuro, ia adquirindo sentido.

A infância é uma idade frágil, a criança depende em tudo dos pais, precisa de sua proteção para sobreviver.

Também a velhice é frágil e requer proteção. Mas aí cessam as semelhanças.

A criança depende dos mais velhos, os velhos dos mais novos. Enquanto a criança caminha para a independência, o velho tende a se tornar cada vez mais dependente. A criança tem pouco passado, quase não tem memória, seu presente se projeta para o futuro; cada dia que passa ela adquire novas aptidões, tudo para ela é novidade na vida, está sempre aumentando seu círculo de relações. O presente do velho se volta para o passado e recordações desse passado emergem em sua memória. Adquiriu muita experiência, mas, com o passar do tempo, sofre perdas em suas capacidades, em suas relações.

Como reagir a essas contingências, às mudanças (inesperadas) que surgem em nossas vidas e que abalam nossa segurança?

Maiores ou menores todos nós temos sofrido perdas ultimamente: em nossos corpos, na família, entre os amigos. Esse é o nosso presente. O futuro? Não sabemos. Mas podemos, sem nostalgia, olhar para o passado e descobrir nele o quanto ganhamos vivendo, e como podemos encontrar nele uma explicação para nosso presente e ajuda para esperar o futuro.

Podemos, por exemplo, nos lembrar do que vivemos juntos, o quanto aprendemos uns com os outros – cada qual com seu carisma – partilhando alegrias e tristezas, preocupações, ajuda mútua, momentos sérios e brincadeiras, degustações e muito mais. E, sobretudo, compartilhando a busca de sentido para nossas vidas, a busca de Deus!

As lembranças ocorrem como flashes, uma leva à outra. Não podemos nos lembrar de tudo, nossa memória é seletiva. Mas o que aflora é justamente aquilo que, a exemplo de Maria, guardamos em nosso coração, aquilo que é realmente significativo, que dá sentido a nossa vida e nos revela nossa identidade: é isso que eu sou!

Cabe a nós aceitar com serenidade e confiança as mudanças que o envelhecimento nos impõe e dar graças a Deus pelo dom da memória e pela vida, tão bela, e que se renova a cada criança que nasce.

* Celina Monteiro, 84 anos, profª aposentada, é pesquisadora-sênior do Grupo de Estudos da Memória (GEM) do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE-PUCSP).

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