Como sociedade precisamos reconhecer que estamos todos de luto. São inúmeros lutos diante das perdas: pela morte de milhões de pessoas ao redor do planeta, pais, mães, filhos, irmãos, entes queridos, amigos de uma vida inteira...
Nazaré Jacobucci (*)
“O que há em mim é sobretudo cansaço – Não disto, nem daquilo, nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço”. (Poesias de Álvaro de Campos – Fernando Pessoa)
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Nestes tempos angustiantes de pandemia, tempos de notícias difíceis, iniciamos a segunda quinzena de abril com 3,034,587 de pessoas mortas em decorrência de complicações da COVID-19, tempo de experenciarmos perdas irreparáveis, perdas reais e simbólicas, perdas inimagináveis que nos levam a vivenciar sentimentos difusos e, muitas vezes, inomináveis. Após um ano de pandemia, estamos todos extenuados fisicamente, psiquicamente e emocionalmente. Estamos todos exaustos!
Recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) denominou esse estado de exaustação que vivemos de Fadiga Pandêmica. Essa fadiga se deve ao cansaço proveniente do esgotamento gerado pela hipervigilância e pelo medo de um vírus que ninguém vê, mas todos sabemos que está aí, como explica Laura Rojas Marcos, doutora em psicologia clínica em entrevista ao Jornal El País. Basta olhar os dados.
Segundo Laura, o Escritório do Censo dos Estados Unidos faz um levantamento semanal sobre a saúde mental dos norte-americanos. No fim de novembro, 69% dos entrevistados confessaram sofrer frequentemente sintomas de nervosismo, ansiedade ou a sensação de se encontrar no limite. No começo da pandemia, esta cifra se situava apenas em 25%.
A fadiga pandêmica ocorre por diversos motivos. Um deles é consequência da excessiva vigilância contra o vírus, o que estressa nosso sistema hormonal e endócrino de maneira constante, tornando-nos mais vulneráveis a certos transtornos, como a ansiedade e a depressão, segundo Javier Álvarez Cáceres, psicólogo e especialista em ansiedade. E, claro, um outro motivo que contribui significativamente para a nossa exaustão mental é o excesso de más notícias que invadem nosso cotidiano a todo momento.
Com efeito, eu penso que esta fadiga pandêmica começou a se acentuar quando foi decretada a 2ª onda de contaminações ao redor do mundo. O medo da morte, de si próprio e dos entes queridos tomou proporções inimagináveis e diante de tantas mortes e perdas adentramos para um estado de luto coletivo. Penso ser impossível não ser impactado por tantas perdas que se abatem sobre as pessoas à nossa volta. Esta é uma difícil constatação, mas como sociedade precisamos reconhecer que estamos todos de luto. O luto diante das perdas são inúmeros: luto pela morte de milhões de pessoas ao redor do planeta, pais, mães, filhos, irmãos, entes queridos, amigos de uma vida inteira; luto por projetos de vida interrompidos; pelo trabalho perdido e/ou a falência de um negócio a muito pensado; pelo curso que ia fazer fora de seu país; pela convivência com avós, avôs e pelos almoços em família cessados; pela convivência com os amigos da escola e com os professores. Enfim, as perdas são inumeráveis e esses lutos necessitarão de um longo tempo para serem assimilados e compreendidos.
Assim como num processo de luto individual, o luto coletivo também necessita ser expresso, acolhido e validado. Tenho observado ao longo dessa pandemia, mesmo que lentamente, um movimento de validação e amparo da dor do outro. Li recentemente um post de autoria desconhecida, mas que praticamente viralizou nas mídias sociais, e que dizia: “sejam pacientes e gentis com as pessoas: quase ninguém está bem”. Esse post expressa com sensibilidade e exatidão o estado de nós. O post, em sua simplicidade, “autoriza” uma sociedade caracterizada por uma positividade, muitas vezes, forçada e tóxica a sentir tristeza pelas próprias dores e pela dor do outro. Há uma validação para expressarmos as nossas dores, as nossas tristezas e nossos choros. Parece que finalmente não precisamos silenciar um dos processos psíquicos mais genuínos que um ser humano é capaz de vivenciar, o luto.
Não obstante, o momento de luto coletivo também nos permite uma profunda reflexão sobre nossas vidas. Segundo Jane Murray, ser tocado pela dor ao nosso redor em tal momento pode ajudar a nos preparamos para momentos em nossas próprias vidas que são inevitáveis, o de vivenciarmos a morte de alguém que amamos. Perdas de todos os tipos podem fornecer uma perspectiva diferente sobre a vida e nos levar a reavaliar o que realmente importa. Também nos permite avaliar nossa própria mortalidade. Por isso, aproveite este momento de recolhimento para promover uma profunda reflexão sobre a sua vida, e se o que nela contém faz sentido.
Referências
Jericó, P. Como driblar a fadiga pandêmica com práticas para o cuidado pessoal. Jan. 2021. Jornal El País [online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/
Murray, J. How moments of national or collective grief can help us process personal loss. Marie Curie [online]. Mar. 202. Disponível em: https://www.mariecurie.org.uk/blog/how-national-and-collective-grief-help-us-with-personal-loss/289893
Worldometers [online]. Coronavirus Death Toll. Abr. 2021. Disponível em: https://www.worldometers.info/coronavirus/coronavirus-death-toll/
(*)Nazaré Jacobucci – Mestranda em Cuidados Paliativos na Fac. de Medicina da Universidade de Lisboa. Psicóloga Especialista em Perdas e Luto e Psicologia Hospitalar. Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC). Blog: http://www.perdaseluto.com
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