Organizada pelo Conselho Econômico, Social e Ambiental (CESE), a Convenção Cidadã sobre o fim da vida reuniu 184 cidadãos, sorteados aleatoriamente, ilustrando a diversidade da sociedade francesa.
Além de manifestações contra a reforma da previdência – que aumenta a idade de aposentadoria em dois anos e imposta pelo governo -, os franceses estão preocupadíssimos com a qualidade do fim da vida, a ponto de realizarem uma convenção cidadã para discutir a questão, e contarem com uma assistência ativa à morte, sob condições dignas.
Trata-se de uma questão que consideramos fundamental e que a Gerontologia, na perspectiva social, deveria fazer urgentemente aqui no Brasil. Afinal, em um país que não resolveu a desigualdade social, como ficará o suporte ao fim da vida? Este é um “território espinhoso” que nós, estudiosos do envelhecimento, deveríamos percorrê-lo a fim de preparar a qualidade e dignidade da vida e da morte.
Vamos nos inspirar em sociedades que antes de envelhecerem resolveram questões estruturais e hoje estão preocupadas com o fim da vida?
A missão que os cidadãos franceses escolhidos aleatoriamente tinham que responder à questão colocada pela Primeira-Ministra era: “O quadro de apoio ao fim de vida está adaptado às diferentes situações encontradas ou deve-se introduzir alguma alteração?”
Para tal, os cidadãos reuniram-se na CESE durante nove sessões de três dias, entre dezembro de 2022 e abril de 2023, ou seja, um total de 27 dias dedicados à escutar vários especialistas, franceses e internacionais, em diferentes domínios – jurídico, médico, religioso, filosófico -, deliberar, debater e votar propostas, sempre com o objetivo de preservar as nuances das opiniões, em torno deste complexo tema, que é pessoal e coletivo ao mesmo tempo.
Ao final, os cidadãos da Convenção francesa concordam com a seguinte constatação:
O atual quadro de apoio ao fim de vida não está adaptado às diferentes situações encontradas
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Duas razões principais: por um lado, o acesso desigual ao apoio ao fim de vida e, por outro, a ausência de respostas satisfatórias a determinadas situações de fim de vida, nomeadamente no caso de sofrimento físico ou mental refractário.
Perante esta constatação, os cidadãos têm uma convicção: melhorar o apoio ao fim de vida.
– desenvolvendo o apoio domiciliar,
– garantindo os orçamentos necessários à efetivação deste apoio,
– dando suporte a uma melhor formação dos profissionais de saúde em cuidados paliativos,
– fortalecendo o acesso aos cuidados paliativos para todos, em todos os lugares,
– informando melhor todos os cidadãos e intensificando os esforços de pesquisa e desenvolvimento para melhor gerenciar o sofrimento e desenvolver remédios futuros,
– melhorando a organização do percurso de cuidados de fim de vida.
O acesso à assistência ativa à morte deve ser livre
Ao final de animados e respeitosos debates, a Convenção de Cidadãos se posicionou majoritariamente (75,6% dos votos) a favor da assistência ativa à morte, modalidade mais adequada para respeitar a liberdade de escolha dos cidadãos, suprindo as deficiências da quadro legal em vigor, em particular os limites da sedação profunda e contínua e pôr fim às situações de hipocrisia observadas.
A Convenção de Cidadãos traz à tona uma posição majoritária: a da necessidade de implementar tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia, na medida em que o suicídio assistido ou a eutanásia isoladamente não respondem a todas as situações.
Para alguns membros da Convenção, o suicídio assistido deveria prevalecer e a eutanásia deveria permanecer uma exceção (28,2%). Para outros, o suicídio assistido e a eutanásia deveriam ser oferecidos “como opção” (39,9%).
Um quarto dos cidadãos opôs-se à abertura da assistência ativa à morte.
Cerca de um quarto dos cidadãos (23,2%) manifestou-se contra a abertura da assistência ativa à morte. Esses cidadãos destacaram em particular o desconhecimento e a fraca aplicação da lei Claeys-Leonetti de 2016, favorecendo em primeiro lugar uma aplicação plena e completa do quadro atual. Sublinharam também os riscos de abusos que a abertura da assistência ativa à morte pode representar para pessoas vulneráveis (pessoas dependentes, pessoas com deficiência ou com dificuldades de discernimento, etc.), bem como riscos de desestabilização do nosso sistema de saúde, face de forte relutância por parte de alguns profissionais de saúde.
Situações que dão acesso à assistência ativa à morte…
A vontade do paciente, que deve ser respeitada em todos os casos, é o pré-requisito para qualquer acesso à assistência ativa à morte. Os principais critérios trabalhados foram: discernimento, incurabilidade, prognóstico vital, sofrimento (refratário, físico, psicológico, existencial), idade.
Para os cidadãos, o discernimento deve ser sistematicamente levado em conta e analisado, a fim de garantir a vontade livre e informada do paciente. Esse discernimento pode ser expresso direta ou indiretamente, por meio de diretivas antecipadas ou da pessoa de confiança.
Sobre a questão da idade, e em particular sobre o acesso à assistência ativa à morte de menores, os debates não foram conclusivos. Entre os argumentos levantados, os defensores do acesso dos menores consideram que eles enfrentam situações médicas insolúveis, como o resto da população. Outros acreditam que o testamento é mais complexo de determinar quando se trata de menores, cujas vontades devem ser conciliadas com as de seus representantes legais.
Na questão da condição médica dos pacientes, os critérios de incurabilidade, sofrimento refratário e sofrimento físico são considerados prioritários. A questão do prognóstico vital também é levantada.
Para a corrente que defende o chamado acesso universal (sem outra condição senão a vontade do paciente – 21,7%), o acesso à assistência ativa à morte é objeto de processo e suporte, sem levar em conta as condições médicas. Esta forma igualitária e universal de pensar a assistência ativa à morte poderia permitir responder a todas as situações.
… incluindo condições de acesso, salvaguardas e mecanismos de controle
Numa abertura à assistência ativa à morte, os cidadãos propuseram métodos para a concretização destes percursos:
– A escuta do pedido, que deve garantir que a vontade expressa seja livre e informada,
– Apoio médico e psicológico completo, incluindo uma avaliação do discernimento da pessoa,
– Validação sujeita a procedimento colegial e multidisciplinar,
– Uma realização supervisionada pela classe médica (mesmo no caso de suicídio assistido) em local escolhido pela pessoa (uma estrutura médica, casa, uma ILPI…) e respeitando a cláusula de consciência dos profissionais de saúde,
– Uma comissão de acompanhamento e controle para assegurar o cumprimento do procedimento definido.
Por último, 78% dos cidadãos consideram que os cuidadores devem poder fazer valer uma cláusula de consciência para não participarem no procedimento de realização do ato. Se esta cláusula for exercida, o paciente deverá ser encaminhado para outro profissional.
Fonte: lecese
Foto destaque: Cese