Mesmo sem qualquer lógica, torna-se a fotografia de muitas décadas, com personagens sobreviventes das “casualidades”, ausências e rugas. Por não ser feita de dores, ciúmes, angústias, mágoas ou sofrimentos, há sempre a liberdade.
Nunca havia encontrado, no mais tenebroso dos meus desesperos, medos e coragem, uma razão para te esquecer. Mesmo sem nunca termos nos encontrado, há anos as nossas células resistiam a uma longa distância temporal e física. Os neurônios, ainda aguardam impulsos nervosos de uma grande emoção. Guardam uma memória tátil. Não sabia, não podia nem queria mais te esquecer, pois estava num sistema hermético. Tudo poderia ter acontecido dentro da racionalidade equilibrada, que faz um ser humano sensato. Felizmente, não sou. Talvez por viver sob a lucidez de uma paixão.
Assim, nesta condição, não existe razoabilidade nem coerência ao que construímos e somos numa única vida. Provavelmente levaremos a outras, talvez esteja somente no nosso imaginário e desejo a permissão para tornar-se possível esta exigência: reencontrar na próxima reencarnação. Uma paixão, o motivo para conseguirmos voltar outra vez juntos. Acho supereficiente, pois, a paixão, somente ela, mesmo injustificável, poderá exaltar, superar a sorte, impor a liberdade e vencer a morte.
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As paixões nos libertam, apreendem, consomem nossa lógica, nos guiam a becos e ruas sem saída, ao excesso de luz, a máxima do prazer e ao paraíso, para nos tornarmos sobreviventes de nossas próprias tragédias e, assim, seguimos por décadas, impregnados de um estranho prazer, e, desta maneira, sobrevivemos e renascemos. Tudo acontece por acaso, nem tão por acaso. O risco e a previsibilidade, também. É sentimento fluido, logo, escapa a pressão da solidão e das longas distâncias. Talvez, por isso, não gesta somente no nosso imaginário e, mesmo sem compreensão, compartilha. Diferente de outros, requintados e caprichosos sentimentos, que aprisionam e fortalecem o egoísmo, a submissão e a dor.
Quando ficamos quase sem respirar, por ânsia e desejos, sintomas frequentes dos irresponsáveis e desregrados apaixonados, ela, a paixão, ressurge, cria outra história para nos fazer emergir e superar a solidão, as longas esperas, os caóticos e infinitos desencontros. Paixão! Sempre “abusada”, jamais abusiva. Reacende a toques corporais, palavras, olhares e sussurros. Poderá ser libertina por uma noite, mas deixando sempre as possibilidades de viver dezenas, centenas de outras noites.
Tudo faz para não submeter-se a insensatez dos melindres e as dores da finitude de um sentimento. Mais um pouco de esforço para continuar a inverter a matemática do tempo, a geometria das ruas e a lógica irracional do tempo para um único encontro. Logo, consegue também ser superior às lágrimas, e viver prazerosamente a cada uma das regras involuntariamente quebradas. Segue assim, eterna, sem promessas e sem ódio por nunca “te amar”.
Paixão mora no coração, na nossa alma, nos nossos corpos, mais ainda no rebolado do que, “involuntariamente” se faz quando se sobem provocantes, de salto alto, os degraus de uma escada. Por muitas vezes, abrigam-se na nudez de um atrevido decote, nas palavras de carinho, também nas perversas, ácidas, soltas e incompreensíveis. Na capacidade de ativar, no mínimo, três dos nossos cinco sentidos. É o nosso romance de cabeceira e nós, como o personagem principal, sempre. Poesia da insanidade e da inteligência para, sem uma única pretensão, ser imortal. Crônica da irracionalidade para brincar com o a vida, esnobar a morte. Mesmo sem qualquer lógica, torna-se a fotografia de muitas décadas, com personagens sobreviventes das “casualidades”, ausências e rugas. Por não ser feita de dores, ciúmes, angústias, mágoas ou sofrimentos, há sempre a liberdade.
Ela, a paixão, existe na surpresa, na casualidade de horas até em avos de segundos do último fotograma de uma rua sem qualquer vazio, fotografada. Hora de guardar o equipamento, parar de fotografar. O cotidiano não inspirava nada poético, novo ou instigante. Os mesmos vendedores circulavam em silêncio pelas calçadas da praça, seguiam e, um a um, desapareciam ao final da rua, já sem qualquer sombra. Nada servia. Somente o desejo de continuar a fotografar transformava-se em energia e incentivo para voltar no dia seguinte. Cheguei com o mesmo sentimento ao final da rua e involuntariamente obedecia ao fluxo das pessoas que pareciam ir a nenhum lugar.
Resolvi parar no café. Eles, como os vinhos, já me fizeram mudar de ideia sobre muitas opiniões sedimentadas. Verificava lentamente os fotogramas, fingia haver algo novo. Encontrei teu olhar! Certamente aqueles olhos não faziam parte da multidão em fuga, solitária. Eles, através da minha lente 70-200, encontraram os meus. Eles estão aqui, no meu fotograma, agora gravados em pixels. Não! Está ao meu lado, na mesa vizinha.
Ainda em silêncio, nossos olhos contavam histórias. Escaneavamos um ao outro e as imagens começaram a embaçar: lágrimas. Não havia passado perdido, não havia vazio, ódio, rancor, nada. Ainda vivíamos a maldita paixão. Estávamos de volta ao dia 2 de setembro de 1980. Nenhum dia depois e, aquelas cartas ainda não existiam. Cada um procurava lembrar a última palavra para poder continuar, retomar. Para poder entender de vazio, sentir o nada, captar o tempo que foi sobreposto em nós.
O silêncio começa a ser quebrado. Por meio de toques, ouvíamos muitas histórias. Mãos apertam-se e os olhos colocam as imagens em foco para encontrar sinais, símbolos que possam explicar o tempo. Um fotograma de toda a emoção que foi vivida ou do nada que foi fotografado em todo este intervalo de tempo, agora estava aqui. Não havia mais tempo perdido, dedos entrelaçavam-se.
Uma fotografia em preto e branco, nossa, auxiliava a memória perdida com alguns neurônios que, descuidadamente, sacrifiquei-os sem muita “ética”. A escrivaninha não “perdeu” a página três. Ela está junto com uma fotografia. Eu não coloquei no envelope. Foi por medo em expor tudo que eu sabia e não acreditar na existência do futuro. Quando temos 25 anos, não imaginamos que todos os nossos sentimentos, medos, erros e acertos nos seguem para sempre numa rota paralela à nossa, e a rota de colisão com a nossa “vida” e todos estes “outros” nós, nem sempre acontecerá no infinito ou em outras vidas. Esta “colisão” poderá ser numa rua superlotada, no bar ou no café, frequentados há décadas.
Não poderemos contar o que sobrou, contabilizar o que foi multiplicado para não se perder e descobrir o que falta. Não há tempo para recompor. É impossível materializar e prender as duas mãos entrelaçadas. Fortemente, o tempo foi estruturado por quatro décadas, com parte delas somadas a outras vidas. A este período, também ficou a responsabilidade para nos tornar “eternos” e continuar. Incluindo aqueles dois anos na casa, com quarto de paredes amarelas. A loucura e os desejos ainda são os únicos responsáveis pela sobrevivência de tudo que fomos e vivemos, incluindo a paralisia do tempo que chamamos de sentimento. Senti saudades e falta da tua boca quando contava histórias silenciosas do nada. Dos lábios cerrados. Não nos despedimos, pois, agora estamos na mesma cidade.
Fotos de Alcides Freire Melo
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