Na prática, temos um orçamento com uma parte impositiva e outra não. Desta parte impositiva, parte dela é decidida exclusivamente por parlamentares.
Em 14/06/2023, Caio Gama Mascarenhas, doutorando em Direito Econômico e Financeiro (USP), mestre em Direitos Humanos (UFMS), extensão em federalismo comparado pela Universität Innsbruck e procurador do estado do Mato Grosso do Sul, escreve[1] sobre as emendas impositivas ao orçamento público.
Algumas explicações sobre as emendas impositivas ao orçamento público feitas por Caio Gama são muito interessantes, abrangentes e importantes, sendo alvo de bastante polêmica recentemente. Por isto, quem se interessar sobre o tema, pode conferir a sugestão de leitura cujo endereço está disponível ao final deste texto.
Na prática, temos um orçamento com uma parte impositiva e outra não. Desta parte impositiva, parte dela é decidida exclusivamente por parlamentares, entre os quais, aqueles que se mostram absolutamente contrários à transparência sobre o repasse do dinheiro público. Um absurdo, pois os representantes do povo negam-se a prestar contas ao povo que eles mesmos representam.
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De seu texto, retiro uma pergunta e uma resposta que eu entendi ser especialmente importante para a complexão um pouco melhor sobre o tema e os meandros da classe política brasileira na esfera federal:
“A expansão da impositividade de emendas é algo prejudicial?
Sim e não. Depende da perspectiva adotada. Se estivermos falando da questão referente ao planejamento da administração pública, a impositividade das emendas é algo negativo porquanto dispersa recursos conforme interesses provincianos distintos de grupos de parlamentares. Por outro lado, a impositividade das emendas traz seriedade à lei Orçamentária Anual ao limitar contingenciamentos temerários de recursos pelo Poder Executivo”.
Os dois pontos abordados na resposta são muito relevantes para a vida da população brasileira, pois impactam fortemente na alocação de recursos para políticas públicas. A impositividade das emendas pelo Congresso Nacional, na prática, impacta sim no planejamento orçamentário feito pelo Executivo. Um planejamento que não está livre de erros.
Ao se deliberar a alocação de recursos orçamentários sem um debate ampliado, inclusive com a participação popular de públicos-alvo mais vulneráveis, entendo, não se fortalece as políticas públicas e o poder de transformação do orçamento público na vida das pessoas.
Esta prática impositiva favorece localidades de interesse específico dos legisladores federais, o que não significa necessariamente que seja um dinheiro que potencialize resultados sociais, econômicos, ambientais, de governança de forma mais ampliada e prioritária. É bastante comum ver tais alocações de recursos serem noticiadas pela grande imprensa a situações onde órgãos de fiscalização verificaram indícios de corrupção.
O outro lado da moeda apresentado na resposta é o comportamento unilateral do Poder Executivo no contingenciamento das despesas. Por mais que possa haver previsão legal (na Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo, ou em algum Decreto ou Portaria Federal), a premissa da gestão orçamentária democrática não pode ficar de fora deste processo de tomada de decisão.
Não é aceitável, em se tratando de uma gestão democrática, não promover o debate e a decisão de parâmetros os mais objetivos possíveis sobre quanto contingenciar, por que contingenciar, onde contingenciar. E, do outro lado, o por que não contingenciar recursos “livres” (não vinculados às previsões constitucionais ou legais, por exemplo).
O debate sobre o uso do orçamento público deveria ser uma articulação entre representantes da democracia representativa (Poderes Executivo e Legislativo) e as representações populares, como Conselhos de direitos e garantias de ou gestores de políticas públicas e as representações da sociedade civil organizada.
Contra esta linha de pensamento apresenta-se um aparato burocrático sobre a funcionabilidade do Estado brasileiro, seus prazos e procedimentos. Mais do que isto, a falta de interesse, também, de representantes dos Poderes Executivo e Legislativo. Afinal, o orçamento é uma arena de poder e os segmentos mais poderosos se organizam para priorizar seus interesses próprios.
O que acredito é que o processo evolutivo da gestão orçamentária passar obrigatoriamente (em termos morais e éticos, mas não necessariamente legais) em ampliar o debate e a participação popular nas decisões. E este processo decisório precisa ser ensinado à própria população.
A falta de conhecimento (e, por vezes, de interesse) da população sobre o tema não deveria ser um impeditivo e sim um sinal de que é necessário ensinar representantes desta população sobre o tema nos fóruns adequados. Entendo ser um processo contínuo, de evolução da cidadania, que deve ser permanentemente incentivado e praticado.
A falta de interesse e de conhecimento sobre o tema não é uma exclusividade brasileira, pois há estudos que identificam similar situação em inúmeros outros países mais ou menos democráticos, mais ou menos poderosos economicamente do que o Brasil. Mas conversar mais sobre isto fica para outra oportunidade.
Nota
[1] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/388169/emendas-de-orcamento-impositivo-prejudicam-as-contas-publicas
Foto destaque de Michelle Guimarães/pexels