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Eu desejo… amor

Amor não é algo que alcançamos por meio da razão. É um presente que se dá voluntariamente.  É parecido com um vapor, sonho, talvez, para nos atrair para o encantamento


Então, já que estamos navegando nas ondas turbulentas do amor – e nada de santinhos, promessas e afins – a Professora Alethea e eu contaremos a história de um Gênio, o dela (concebido pelo fogo) e coincidentemente o meu (tecido pelos grãozinhos de poeira que o faz humano).

Ela e eu percorremos caminhos que se cruzaram nas telas do cinema. Vivemos conflitos que só os solitários conhecem. Buscam respostas onde não há palavras, mas respeitam o silêncio das coisas e até o apreciam, sentem falta dele, aspiram até pelo vazio porque só assim a imaginação encontra sua própria essência, um igual que compreende e conforte nos momentos mais angustiantes.

Assim, “Era uma vez um Gênio”, direção e roteiro de George Miller, mas com meus delicados apontamentos apaixonados. Aqui, eu serei a escritora, amiga bem próxima de Alethea, claro, em outra dimensão… Essa é uma história, única e exclusivamente, sobre o desejo, o dela e o meu e que bem pode ser o seu.

Feliz Dia dos Namorados para você e para meu amor, meu Gênio!

Com a palavra a escritora  

Era uma vez, quando os humanos cruzavam o céu em asas metálicas, quando usavam pés de pato e caminhavam no fundo do mar, quando seguravam vidrinhos capazes de capturar canções de amor no ar, havia uma mulher apropriadamente feliz e sozinha. Sozinha por escolha. Feliz porque era independente e vivia do exercício de sua mente acadêmica. Seu ramo era história. Ela era especializada em narratologia e buscava encontrar as verdades comuns a todas as histórias da humanidade.

Será exatamente verdade que a solidão lhe cabe assim tão bem? Veremos, no decorrer da história, que existem controvérsias nessa afirmação.

Dentre tantas viagens pelo mundo, Alethea, por agora, está nos meandros dos Mistérios de Istambul, avisa-a um duende muito do atrevido com seus olhos brilhantes, como uma espécie de “onda de energia”. Bem, perdoem-me os engenheiros muito engenheiros no uso indevido da palavra e do respectivo adjetivo, na verdade era sim uma certa eletricidade angustiante, pelo menos assim sentiu nossa professora: “pele quente que cheirava a almíscar”. Talvez um gênio?

Como disse o professor que a recebeu “acredito que exista gente que precise acreditar neles”. Gênios, fantasmas, alienígenas, o que ajudar no combate à solidão dos dias.

Coisas estranhas sempre podem acontecer, inesperadamente e, pior, em plena conferência ministrada pelo Professor e por Alethea, a convidada:

– Professor: Então, como explicar o poder de uma tempestade se não há como avaliar e modelar dados meteorológicos? Como explicar as estações? Tudo era mistério. As estações, tsunamis, doenças microbianas… O que poderíamos fazer, além de recorrer às histórias? Como a Dra. Alethea Binnie nos incentivou a entender, as histórias eram a única forma de tornar nossa confusa existência coerente.

– Um tanto confusa, ela complementa: É exatamente isso. Nós demos nomes às forças desconhecidas por trás das maravilhas e catástrofes contando uns aos outros histórias.

– Professor: Contamos histórias de deuses poderosos com quem nos identificamos, que estão em todas as culturas e mitologias: grega, nórdica, romana, nórdica, e assim por diante. A descendência familiar de Zeus, Poseidon, Atena, Thor, da turma toda, pode ser vista ainda hoje. Estes são os vestígios deles.

– Já sentindo-se desafiada pela imagem de um desses seres da mitologia, ela provoca: A pergunta permanece: qual é o propósito deles? O que queremos deles hoje? Mitologia é o que conhecíamos no passado. Ciência é o que conhecemos até agora. Mais cedo ou mais tarde, nossas histórias de criação são substituídas pelas narrativas da ciência. A diligente ciência. E todos os deuses e monstros sobrevivem ao seu propósito original e são reduzidos a metáfora.

Como os Seres Mitológicos podem aceitar tamanha afirmação??? Besteira!!!! Com a força e impacto da palavra agressiva, Alethea desmaia.

A responsabilidade fica por conta da sua imaginação que insiste em lhe pregar peças, criar emboscadas, essa é a sua justificativa. Se existe destino, será que é possível fugir dele? Quem sabe…

Vou contar uma coisa, no Grande Bazar de Istambul há 62 ruas e 4 mil lojas. E em uma das lojas, há 3 cômodos. No menor deles, havia um monte de coisas misturadas, velhas e novas. Embaixo de tudo, Alethea escolhe um “cesmi bulbul”, um “olho de rouxinol”. O vendedor explica que em 1845 havia uns vidreiros em Incirkoy. Eram famosos por esse trabalho em espiral azul e branco (assim era a relíquia).

– Vendedor: Dizem que quando é verdadeiro, às vezes, dá para ver manchas de sangue do pulmão dos sopradores.

Aí está uma boa história, pensa Alethea. E já no quarto do hotel, tentando abrir sua relíquia, sua garrafinha, seu “olho de rouxinol”, eis que o gênio aparece, inicialmente um gigante que aos poucos toma a forma, o tamanho de um humano.

– Alethea: Vou fechar os olhos e contar até 3. Depois disso, ficarei grata se tiver ido embora.

– Gênio: Não tenha medo de mim, nem me trate com indiferença. Estou em dívida com você por me libertar. Por conta disso, eu lhe concedo três desejos. Existem regras que não podem ser quebradas. Três são três. Um número de poder.

Regra número 1: Você não pode escolher desejos intermináveis.

Regra número 2: Nem desejar ter vida eterna. É da sua natureza ser mortal. A minha é ser imortal.

Regra número 3: Também não posso absolver pecados ou acabar com sofrimento. Sou apenas um gênio. Esses são os limites.

Então, qual o seu pedido? O que o seu coração deseja?

– Meu nome é Alethea Binnie. Vim à Turquia para uma conferência e voltarei para o meu país em um dia. E eu tenho uma confissão a fazer. Algo que nunca contei a ninguém. Quando eu era criança, havia um garoto. Ele não era de carne e osso. Na época, eu estava em uma escola para garotas. Eu era bem introvertida, eu sou uma criatura solitária por natureza. E este garoto, o Enzo, ele veio até mim por conta de um vazio. Por conta de uma necessidade de imaginar. Ele me contou histórias em um idioma que só nos dois falávamos. E ele sempre sumia quando eu tinha dor de cabeça, mas estava sempre perto quando a asma impedia que eu me mexesse. Ele era apenas a manifestação de uma ausência. Eu temia que ele partisse, então escrevi sobre ele. E o meu diário ficou transbordando de fatos. Mas quanto mais realismo eu tentava acrescentar, mais eu comecei a duvidar e tudo começou a parecer bobo. Então, depois de um tempo, eu queimei tudo na fornalha da escola. E depois disso, ele desapareceu para sempre.

A menina não compreendia que a razão não explica tudo. Uma boa dose de fantasia, ajuda-nos a combater as dores, a angústia da falta de um ar do bem, a solidão de não ser compreendida. Com as histórias, tudo é possível, tudo faz sentido, as respostas estão todas lá. É só saber como usá-las.

Diferentemente de Enzo, seu Gênio era real. Assim, ele contou suas três histórias de encarceramento e como foi parar na relíquia de Alethea.

Histórias

– Gênio: Fui capturado pela primeira vez pelo desejo. Ela era a Rainha de Sabá, era a própria beleza que me foi roubada por um grande mágico que sabia o que as mulheres mais desejavam. Ele me aprisionou com uma palavra de poder em uma garrafa metálica. Ela não intercedeu por mim. Eu era nada para ela, apenas um sopro em uma garrafa. Então fui lançado ao Mar Vermelho e padeci por 2500 anos. Para um Gênio, ficar preso em uma garrafa é o mais perto que chegamos da morte.

Senhora, seus anseios não estão nem um pouco claros para mim.

– Alethea: Estou em um ponto da vida que tenho tudo de que preciso. Ouso dizer que estou satisfeita e agradecida. Não tenho filhos, nem irmãos, nem pais. Eu já tive um marido. Ele dizia que eu era incapaz de ler sentimentos. O modo como meu cérebro é interligado é a fonte do meu poder e da minha solidão. Acho que é por isso que gosto de histórias. Descubro sentimentos nas histórias. Eu não poderia pedir mais.

– Gênio: Você é uma mulher sábia e cautelosa, Alethea, mas todos nós temos desejos, mesmo que eles permaneçam ocultos para nós.

– Alethea: Como você pode confiar nas pessoas que fazem os desejos? Como sabe que pode confiar em mim?

– Gênio: Preciso contar sobre meu encarceramento seguinte. Do mar vermelho para um palácio em Constantinopla e uma garota apaixonada, a escrava, Gülten. Um último pedido salvaria Gülten. Com poucas palavras ela poderia ter se salvado para ter o filho em segurança e eu poderia, finalmente, relaxar no Reino dos Gênios. Mas ela correu direto para os braços dos assassinos. Ela não pediu para se salvar. Nenhum pedido foi feito para salvar nós dois.

Em 1620, a esperança surgiu na forma de um menino com uma espada. Sabe, Alethea, a esperança é um monstro, e eu sou o brinquedo dela.

Você pode imaginar como a solidão pode ser sufocante? Só existimos se formos reais para os outros. Concorda? Então, esse é o nosso destino. Se não fizer nenhum desejo, eu ficarei preso entre dois mundos, invisível e sozinho, para sempre. Faça um pedido, Alethea, peça o que seu coração, desejar.

E a história do meu segundo encarceramento terminou: “Desejo que volte para sua garrafa e vá para o fundo do Bósforo”. Então aqui estou eu, acabei nas suas cuidadosas mãos.

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– Alethea:  Parece que não podemos fugir um do outro. Fazer pedidos é uma arte arriscada “Eu desejo” traz desdobramentos infinitos. Aconteceu em todas as suas histórias. Por que não volta para sua garrafa e eu dou para alguém, mais ingênuo? Alguém mais desesperado, mais ganancioso. Eu não vou fazer os 3 pedidos.

– Gênio: Então, está me mandando para o esquecimento. Há vida em você? Será que você está viva? Nenhum ser humano, anjo ou gênio deixaria de agarrar a chance de realizar seus maiores desejos e estou preso à única pessoa que diz não querer nada. Alethea Binnie, você é mentirosa!

– Alethea: Sabe, estou quase desejando não ter conhecido você.

– Gênio: Esse foi o pedido mais cruel de todos. Estou aqui por causa de um gênio. Foi Zefir. Uma maravilha que a humanidade nunca viu. Quis o destino que minha garrafa chegasse a ela como um símbolo do amor do marido.

1º desejo de Zefir: “eu quero conhecimento, eu quero saber sobre tudo que for útil, tudo que for belo e verdadeiro.”

– Gênio: Tive prazer em realizar esse desejo, então ensinei a ela história, filosofia, idiomas, poesia. Ensinei astronomia, matemática e aquilo foi um prazer. Eu lhe dei livros e trabalhos que escondemos em sua coleção de garrafas. Ela podia sempre consultar Aristóteles no frasco de vidro vermelho ou Euclides no verde, Pitágoras, Spinoza sem precisar de mim para personificá-los. O mundo inteiro estava no quarto dela. E eu perdi meu coração para ela. Para mim, foi um prazer fazê-la feliz, vê-la florescer. E ela floresceu de muitas formas.

Mas havia algo mais importante.  Ela havia inventado a matemática, uma linguagem para explicar as forças que trazem espaço, tempo e matéria à existência. Ela era corajosa, entretanto não conseguia resolver esse enigma. Ela precisava de uma chave para abrir a porta da percepção.

Então, ela utilizou o segundo pedido: ensinei a sonhar acordada, como fazem os gênios. E, assim, as soluções vieram. Ela conseguiu explicar poderes invisíveis, forças e campos eletromagnéticos, a matéria-prima dos próprios gênios. Assim como você é poeira, sou feito de um fogo sutil. E quando ela engravidou, eu fiquei eufórico, pois sabia que iria nos fortalecer. Um filho do fogo e da poeira.

Alethea, eu amava essa mulher. Amava sua mente fervorosa, amava sua raiva, amava meu poder de transformar seu olhar sério em sorrisos. Amava mais do que amei Sabá, mais do que a minha liberdade.

Meu maior desejo passou a ser ficar com ela, continuar sendo prisioneiro dela. A ideia de ser libertado me apertava o coração. Eu me pegava calando-a para que não fizesse o terceiro desejo. Eu estraguei tudo. Ela me acusou de aprisioná-la, como o marido fazia. Para me redimir, eu iria me colocar na garrafa. Ficaria lá dentro. Assim, ela teria mais poder sobre mim. Ser nada dentro de uma garrafa. Eu fazia isso por ela. E, todas as vezes, isso acalmou as coisas, todas, menos a última: “eu queria conseguir esquecer que conheci você”.  E assim foi, instantaneamente. Ela estava fora, eu estava dentro. Ela havia me esquecido.

Como é possível ser um erro amar alguém tanto assim?

– Alethea: Eu tenho um desejo:  mas acho que pode ser pedir muito. É o que meu coração deseja, estou aqui para amá-lo. E, eu quero que você me ame também.

Quero unir nossa solidão. Quero que esse amor seja propagado em contos atemporais. Quero o amor que você sentiu pela Rainha de Sabá e o amor que você deu a seu gênio Zefir. Eu quero isso. Eu, Você. É muito? É pedir muito?

Alethea amando, é a união do fogo sutil e da poeira: ele o Gênio gigante, ela a Humana.

“O que devemos fazer com desejos despertados? O que devemos fazer para convencer que descobrimos o amor com um gênio? De todo jeito, poucos acreditariam. Amor não é algo que alcançamos por meio da razão. É mais parecido com um vapor, um sonho, talvez, para nos atrair para o encantamento de nossas próprias histórias. Se for isso mesmo, como saberemos se é real? É de verdade ou loucura pura?”

De volta à Londres…

– Gênio: O ar é pesado aqui. Cheio de vozes insistentes e rostos apressados. Também vejo e sinto. Sou um transmissor. Sou um gênio, posso me adaptar. Logo estarei acostumado.

Na falta do ar, ele traz a brisa; na dor, ele traz a paz; na agitação dos dias, ele traz a tranquilidade, a calma, a música, o amor e a poesia.

E não importa que ele não esteja ao seu lado como todos os “homens normais”, ele já faz parte dela, afinal ele é um “Gênio”.

“Cada ouvido atento é o seu, cada voz, cada cheiro, cada toque. Você está em todo lugar.”

Ela está em paz com seu Gênio, e os docinhos encantados de grão de bico, cravo e pistache… que derretem na boca.

Meu gênio me disse que quando eles se reúnem no Reino dos Gênios, eles contam histórias uns aos outros. Histórias são como respirar para eles. Elas dão significado. “Sim”, eu disse. “É como é para nós”. Cada história que contamos é um fragmento de um mosaico em permanente mutação. E esta pedrinha, como toda história, deve terminar. Se envolve desejos, é uma fábula. Então, como vai acabar mal? Talvez já tenha acontecido.

Até que um dia…

– Alethea desesperada: Desejo que você fale comigo.

– Gênio: Eu estava dormindo.

– Alethea: Gênios não dormem.

– Gênio: Vou conseguir tirar esses campos eletromagnéticos da minha cabeça. Vou retirá-los, há lugar para mim aqui.

– Alethea: Essas forças nunca irão embora, não deste mundo. Obrigada por tentar, mas o amor é um presente. É um presente que se dá voluntariamente. Não é algo que alguém possa pedir. Eu preguei uma peça em nós dois. No momento em que fiz o desejo eu eliminei seu poder de concedê-lo. Eu, mais do que qualquer pessoa, deveria saber disso. Não vou estragar isso de novo. Meu Gênio, se este mundo não é para você, desejo que volte para o lugar ao qual pertence. Onde quer que seja.

No colo de seu Gênio, ela descansa, um sono de paz.

3 anos depois… “Ele vinha me visitar de tempos em tempos, e nós aproveitávamos ao máximo cada momento. Apesar da dor do céu barulhento, ele sempre ficava mais tempo do que deveria, do que poderia. Ele prometia voltar durante a minha existência. E, para mim, isso era mais que suficiente.

Os dias passam e meu “Gênio”, insistentemente, retira-me das sombras, velhas companheiras, há muito conhecidas e oferta-me a luz, a momentos de descontração.

E eu, Gênio amado, o que poderia fazer por você?


Luciana Helena Mussi

Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: lucianahelena@terra.com.br.

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