O calendário que determinava o futuro resgatou todos os sabores, aromas, frio e calor. Cada momento, cada um deles “solidificava-se”, uns aos outros para ser paixão.
O tempo foi lentamente se transformando em matéria. Havia a permissão delicada de ser tocado, visto por quase todas as formas: matemática, sentimental, saudosista, filosófica e fotográfica, quando na estrutura de passado, torturava e apavorava. Fantasiado de presente era puro prazer, felicidade, relaxamento… Plenitude e saudades. Imerso no futuro transformava-se em angústia, ansiedade, medo, solidão e incertezas. Com tantos conhecimentos e poderes ocultos resgatava sentimentos vividos há décadas, entregando o mesmo prazer. Maldiziam-se outros e potencializava uma angustiada ausência que nunca acabou.
CONFIRA TAMBÉM:
Neste vácuo ficaram preservados muitos dos nossos sentimentos, por mais de 60 meses. Agora sei o quanto esbanjamos por pertencermos a outro mundo: o da paixão. Estes sentimentos ficaram preservados, por décadas, em forma de vida latente, mas sempre do nosso lado. Outros, sem direito à liberdade, permaneceram presos ao lado da morte: morreram alguns. Sem esforço, o calendário que determinava o futuro, desde a nossa separação, resgatou todos os sabores, aromas, frio e calor. Cada momento, cada um deles “solidificava-se”, uns aos outros para ser paixão.
Por termos a vida com a energia contínua e entrelaçada, algo plasmático que nunca saíra, por desejo de cada um de nós, das nossas entranhas. Aquilo, como fogo, fluía-se, parecendo ter “vida” própria. Navegava pelo meu corpo, forçava nunca poder te esquecer. Ele foi dividido. A outra metade habitou em cada uma das tuas células e, por isso, nunca nos esquecemos, não nos libertamos jamais. Sei que nunca tentamos e não havia forças à luta. As promessas e sonhos nunca concluídos aguardavam a clemência do esquecimento, descuido, ou uma matemática de contar o tempo ao revés para poder renascer, talvez voltar a viver.
E nos encontramos. Nenhum sinal. Dez anos depois, amenizava, cobria, disfarçava ou escondia o “impacto” deste encontro. Medo e desejo, nenhum deles nos afastava. Nada foi capaz de nos transmutar e nos levar ao esquecimento, à negação. Não se apagaram quaisquer “provas”, material ou psicológica desta paixão. As curvas, sabores, aromas e texturas formavam um inferno de atração, descontrole e desejos. Agora, quando já perdemos a deliciosa irresponsabilidade da juventude. Resta-nos vigiar cautelosamente a bagunça celular que se inicia.
A cumplicidade do que fomos, e do que não vivemos, como uma maldição, viveria para atormentar todos os dias que ainda viveríamos. O tempo, por descuido ou perversidade talvez, nunca soube apagar principalmente a nossa “loucura” máxima. Sobrevivia a “promessa” de nos encontrarmos no futuro. Não sei qual o motivo da promessa. Ele não existe, nunca existirá.
Já exageramos sobre muitos aspectos e esnobamos do tempo e das horas. Agora a entropia aproxima-se devastadora, dando reveses à vida física. A reprodução celular diminuiu. Morrem algumas outras células e começamos a perder a capacidade proliferativa, senescência (adoro esta palavra, odeio o que ela determina e faz). A cota de líquidos hormonais baixou. Algumas articulações enrijecem e provocam ciúmes a outros órgãos. Resta pouco a compartilhar.
Fotos: Alcides Freire Melo