Noto que estou ficando velho. Porque hoje estou mais feliz. Garanto. Dono de meu tempo. Nem penso na morte. Estou ficando velho.
Marcelino Freire (*)
Noto que estou ficando velho. Porque desaprendi a caminhar na rua. Fico tonto em meio à multidão. Enrosco e desenrosco. Estou parecendo um parafuso. Frouxo.
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- 16/05/2022
Noto que estou ficando velho. Porque agora eu sou mais pontual. Tenho acordado animado para tomar café com leite. Eu que nunca gostei de leite. E estou proibido de tomar café.
Noto que estou ficando velho. Porque tenho contado nos dedos o número de amigos. Verdadeiros. Alguns já estão morrendo. Tão cedo. Cedo.
Noto que estou ficando velho. Porque detesto grito de criança. E latido de cachorro. E nem tenho ouvido tanto grito e latido. Meu ouvido anda mouco.
Noto que estou ficando velho. Porque me deu na cabeça de fazer um jardim. Juro. Estou entendendo tudo sobre adubos. Flores. Vivo cheio de amores por um beija-flor.
Noto que estou ficando velho. Porque acabei de escrever um romance. Deixei os contos de lado. Os microcontos. Minha alma diz que cresci. Até que enfim. Maduro.
Noto que estou ficando velho. Porque não me olham do mesmo jeito. Quando eu passo. Havia algo em meu peito que chamava a atenção. Agora é só tosse. E solidão.
Noto que estou ficando velho. Porque hoje estou mais feliz. Garanto. Dono de meu tempo. Nem penso na morte. Estou ficando velho. Nesta vida. Eis a minha grande sorte.
(*) Marcelino Freire – Escritor. Nasceu em 1967, em Sertânia, Pernambuco. Viveu no Recife e desde 1991 reside em São Paulo. É autor, entre outros, dos livros “Angu de Sangue” (Ateliê Editorial) e “Contos Negreiros” (Editora Record – Prêmio Jabuti 2006). Crônica reproduzida de: https://marcelinofreire.wordpress.com/2013/06/10/estou-ficando-velho/ e publicada na edição 15 da Revista Longeviver.
Ilustração de Dhara Côrte de Lucena