Neste texto quero abordar o que realmente pode ser considerado parte do envelhecimento normal da memória e raciocínio
É extremamente comum na rotina dos profissionais de saúde encontrar paciente com queixas da memória e do raciocínio. Tão comum quanto a presença das queixas é uma ideia pelas famílias, cuidadores e demais pessoas que isto pode ser normal pela idade. “Ele está esquecido, mas com esta idade né? Já era de se esperar”, “Ele está mais esquecido e devagar doutor, mas com certeza deve ser a idade”. É frequente termos este tipo de pensamento em relação ao envelhecimento. Neste texto quero abordar o que realmente pode ser considerado parte do envelhecimento normal da memória e raciocínio, para nos próximos textos abordarmos os sinais de alarmes para uma possível doença, como Alzheimer, e outras demências.
Primeiro, precisamos ter em mente dois conceitos. O primeiro é que existe sim uma diminuição da capacidade de memória e raciocínio com o envelhecimento. O segundo é que isto acontece de forma variada, pois cada indivíduo apresenta educação e acúmulo de experiências de forma diferente durante a vida, e estas características vão ser cruciais para interpretar tais queixas.
A memória episódica, a função executiva e a velocidade de processamento são os domínios específicos mais afetados pelo envelhecimento normal. Estas são mudanças que ocorrem, sobretudo, após os 60 anos.
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A memória episódica preocupa-se com experiências pessoais (portanto, também chamadas de autobiográficas): o café da manhã que você tomou naquela manhã, o terno que você usou na festa da noite passada, tais eventos episódicos são importantes para as atividades do dia a dia. Com o envelhecimento pode se tornar mais difícil lembrar de tais eventos.
A velocidade de processamento é definida como a capacidade mental de processar rapidamente uma informação: codificar, transformar e recuperar. A velocidade de processamento diminui com a idade e pode contribuir para a produção de fala mais lenta dos adultos mais velhos.
A função executiva pode ser definida de forma bem simplificada. A memória e raciocínio necessário para planejar e executar uma tarefa é algo necessário para que uma pessoa idosa administre com sucesso suas próprias medicações, ou para organizar uma lista de compras e ir ao mercado escolher os produtos da lista. Mas os efeitos do envelhecimento podem dificultar o planejamento e execução de tais tarefas.
A capacidade de atenção diminui também com o envelhecimento. Em particular, há uma diminuição na capacidade de se concentrar em uma tarefa em um ambiente movimentado e na capacidade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo.
Apesar da existência de um declínio com o envelhecimento, não é algo simples avaliar se isto corresponde a um processo de envelhecimento normal ou o início de uma doença. Portanto, a recomendação é que a pessoa idosa com dificuldades como as relatadas seja encaminhado para avaliação por um profissional com domínio no atendimento da memória, pois caso seja erroneamente classificado como normal pode ser a perda de uma janela de oportunidade de um tratamento.
O indivíduo, mesmo com mais de 90 anos, que envelhece com sucesso continua a ser capaz de funcionar na sociedade, no local de trabalho e em casa. Poucas situações da vida real exigem desempenho em níveis máximos, portanto a pessoa pode até ter mais dificuldade com os efeitos do envelhecimento. O fato de alguém não conseguir mais funcionar na sociedade e no meio que vive, é um alerta sobre a necessidade de ser avaliado por uma equipe de saúde.
Referências
Neurociência Cognitiva do Envelhecimento: Vinculando Envelhecimento Cognitivo e Cerebral, Cabeza R, Nyberg L, Park D (Eds), Oxford University Press, Nova York 2004.
Salthouse T. Consequences of age-related cognitive declines. Annu Rev Psychol. 2012;63:201-26. doi: 10.1146/annurev-psych-120710-100328. Epub 2011 Jul 5. PMID: 21740223; PMCID: PMC3632788.
Foto destaque de Ono Kosuki/pexels
