Como ainda querer encontrar, nas mulheres idosas, força e resiliência ante a tragédia ambiental?
Anna Fonseca (*)
Desde setembro de 2023, boa parte da população do estado do RS estava traumatizada pela tragédia ambiental que causou alagamentos nunca vistos nos municípios de Santa Tereza, Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Encantado, Lajeado e outros, todos integrantes do conhecido Vale do Taquari, na Região Central do Estado.
Mas desde o início da semana, os últimos dias de abril traziam consigo mais uma “maior tragédia ambiental”, com os limites dos rios Taquari, Caí e diversos outros que atravessam o RS em direção à Região Metropolitana, só aumentando. O número de mortos pelos temporais já passou de 39. Ao menos 21 pessoas ainda estão desaparecidas e outras 16,5 mil desalojadas ou em abrigos até o momento em que escrevo este texto.
CONFIRA TAMBÉM:
Com o rompimento da Barragem 14 de Julho no início da tarde desta quinta-feira, 02, na cidade de Santa Tereza, a previsão para a próxima noite, a começar em torno de 5h, é trágica. O próprio governador Eduardo Leite já fez pronunciamento de evacuação destas cidades, principalmente para as pessoas que ainda estão próximas ao limite do Rio Taquari ou nas regiões mais baixas destes municípios.
O Vale do Taquari é a mesma região afetada, em setembro de 2023, por um ciclone seguido de enchentes. Ao todo, 54 pessoas morreram na época e quatro ainda seguem desaparecidas. Cidades e populações que ainda estavam tentando se recuperar de prejuízos imensos, materiais e emocionais estão, mais uma vez, perdendo tudo!
Meu projeto de pesquisa inscrito na 3ª edição do “Edital Acadêmico de Pesquisa 2023: envelhecer com futuro”, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento, tem como título “A força e a resiliência das mulheres idosas frente às tragédias climáticas” mas como ainda querer encontrar, nestas mulheres, força e resiliência? É injusto buscar por este sentimento nestas pessoas que, pela quarta vez em menos de nove meses, são arrasadas por eventos climáticos.
Escrevo quase que em tempo real das tragédias, as poucas rádios da Região que ainda estão com energia elétrica recebem minuto a minuto centenas de pedidos de socorro e resgate de pessoas ilhadas, isoladas nas localidades mais afastadas nestes municípios.
Neste 1º de maio, o Governador anunciava um alerta de evacuação nestas cidades “saiam de suas casas, as pessoas que não tiverem locais alternativos devem buscar informações junto à Defesa Civil da sua cidade sobre os abrigos públicos disponibilizados pelas prefeituras, rotas de fuga e pontos de segurança”.
Em meio ao caos e à confusão, equipes de resgate e voluntários mobilizam-se para socorrer os sobreviventes, resgatar os desaparecidos e prestar assistência médica e humanitária. No entanto, as condições adversas, como a chuva que ainda cai sobre toda a Região, o acesso difícil devido à destruição das vias e das estradas, e a falta de comunicação dificultam os esforços de ajuda, prolongando o sofrimento e a angústia das vítimas.
Além dos impactos imediatos, a tragédia deixará mais uma vez sequelas emocionais e psicológicas profundas nestas comunidades, que terá que lidar com o trauma e reconstruir suas vidas do zero, insisto, pela quarta vez em poucos meses. A perda de entes queridos, de bens materiais e de fontes de sustento deixou e deixará cicatrizes que levarão tempo para sarar, exigindo apoio e solidariedade contínuos.
O rompimento da Barragem 14 de Julho e a iminência de rompimento de duas outras situadas em cidades da Serra gaúcha levantam questões urgentes sobre segurança e fiscalização de infraestruturas críticas, destacando a necessidade de medidas preventivas mais eficazes e de uma abordagem mais responsável e sustentável em relação ao desenvolvimento e à gestão dos recursos naturais. Até o momento, no Estado, já são 76 trechos em 34 rodovias com bloqueios totais e parciais, entre estradas e pontes destruídas.
Neste momento de dor e desolação, é crucial que autoridades, instituições e toda a sociedade se unam em um esforço conjunto de reconstrução e apoio às vítimas. É preciso garantir assistência adequada às famílias afetadas, promover ações de mitigação de danos ambientais e implementar medidas para evitar que tragédias como essa se repitam no futuro. Ainda mais quando este futuro está logo ali, à frente.
E ainda não terminou! A previsão no Estado é de que a chuva faça uma breve parada de sexta, 3, a domingo, 5, e retorne semana que vem. Que mais esta tragédia sirva de alerta e de inspiração para uma reflexão profunda sobre a forma como lidamos com o meio ambiente e com as comunidades que dependem dele. Que possamos aprender com os erros do passado e do presente e trabalhar juntos para construir um futuro mais seguro, justo e sustentável para todos.
Nota
O presente trabalho faz parte da pesquisa selecionada na 3ª edição do “Edital Acadêmico de Pesquisa 2023: envelhecer com futuro”, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento.
Referências
MIRANDA, G. M. D.; MENDES, A. C. G.; SILVA, A. L. A. O envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, v. 3, n. 19, p. 507-519, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbgg/a/MT7nmJPPRt9W8vndq8dpzDP/?lang=pt. Acesso em 12 dezembro 2023.
OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Resumo do Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. OMS: Genebra, 2015. Disponível em: http://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf. Acesso em 03 dezembro 2023.
ROSO, A.; ROMANINI, M. Empoderamento individual, empoderamento comunitário e conscientização: um ensaio teórico. Psicologia e Saber Social, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 83-95, 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/psi-sabersocial/article/view/12203. Acesso em 02 dezembro 2023.
DELTON, W.C. Desastres Ambientais e sua Regulação Jurídica, 2ª Edição, 2020. Editora Revista dos Tribunais.
(*) Anna Fonseca – Jornalista e Técnica Ambiental
Foto: Marinha do Brasil