Nas férias de julho de 2013 eu, meu marido e minhas filhas resolvemos conhecer alguns países asiáticos, entre eles a China, que tem uma cultura totalmente diferente da nossa. A primeira parada foi em Pequim e ficamos impressionados com a quantidade de chineses, especialmente do interior do país que, assim como nós, queriam conhecer os pontos turísticos da capital. Era raro encontrarmos ocidentais.
Beltrina Côrte *
Pegar metrô, andar na rua, visitar monumentos era uma loucura. Parecia São Paulo no horário do rush, verdadeira lata de sardinha, numa temperatura beirando 37 graus. Mas um fato chamava a atenção, quase todo casal de jovens era acompanhado por um outro de velhos e uma criança.
Vale lembrar que a China só recentemente abriu-se para o Ocidente. A tevê ainda é estatal, especialmente no interior do país e isso significa que os chineses interioranos não têm contato com o mundo ocidental. Julho também é o mês de férias escolares e por isso Pequim estava cheia de turistas do interior que, para nossa surpresa, nos viam como seres exóticos, e passaram a pedir para que tirássemos fotos juntos. Fato inusitado e que marcou, sem dúvida, toda minha família. Outro fato que chamou bastante a atenção foi a quantidade de pessoas idosas nos parques e praças, tanto pela manhã quanto à tardezinha: dançando, jogando, fazendo artes manuais, enfim, eram muuiiiitooossss. E isso se repetia em todas as cidades visitadas. Um cenário que logo mais será nosso.
Como em cada uma delas contávamos com guias (ora em inglês ou espanhol), todos beirando seus 30 anos, comecei a perguntar sobre o envelhecimento no país, que políticas existiam, a estrutura para os cuidados a pessoas dependentes, a relação entre jovens e velhos… Assunto que raramente é tocado por turistas.
Os depoimentos dos jovens adultos me impressionaram. Muitos saíram como verdadeiros desabafos e temor ante suas próprias velhices. Primeiro, o dever de cuidar dos idosos era tradicionalmente dos filhos, pois seria uma vergonha um filho colocar seus pais idosos dependentes em uma instituição de longa permanência, seja ela qual for. Segundo, para que os filhos, únicos, pudessem manter o cuidado aos seus idosos (muitas vezes pais e avós) eles não poderiam ir pra muito longe, portanto os estudos e até namoradas tinham que ser das proximidades de sua cidade natal. Aliás, quando dois filhos únicos se casam, eles têm de sustentar de quatro a oito idosos, um fardo muitas vezes impossível de aguentar. Terceiro, os filhos (de 10 a 12 anos) desses jovens adultos não têm irmãos nem primos… Quarto, algumas famílias (entre pais, avós e bisavós) pagam a seus jovens adultos para que estes possam estar disponíveis sempre e quando necessitarem, sem terem que faltar ao trabalho e assim perder o emprego ou irem para longe.
A China é o país que tem um maior contingente do mundo de pessoas acima de 65 anos, consequência da política de um só filho. Segundo dados do último censo nacional, a China conta com aproximadamente 185 milhões de pessoas idosas. Entrou em fase de envelhecimento em 1999, 20 anos após o país ter promulgado a lei de planejamento familiar (1979), de filho único. Em declaração à imprensa autoridades assinalam que essa política impediu o nascimento de 400 milhões. A lei de planejamento familiar continua proibindo o casal de ter mais de um filho, exceto para minorias étnicas, famílias rurais e casais em que ambos os membros são filhos únicos(o que hoje é uma grande realidade), que podem ter dois filhos. Os demais, se tiverem mais de um filho pagam uma multa exorbitante. Especialistas assinalam que essas exceções têm um impacto muito limitado na bomba demográfica do país.
Este fato me fez pensar sobre nossos elaboradores de políticas do Brasil, será que pensam sobre as consequências de alguma delas?
Voltando à China, na área rural, cujo trabalho se apresenta limitado para os jovens, obrigando-os a irem para a cidade grande, o número de casais idosos que vive sem os filhos é de aproximadamente 40 milhões, muitos deles em situação de dependência. Em agosto saiu uma lei obrigando os filhos a visitarem seus pais, muitas vezes abandonados no campo, e demenciados, ao menos uma vez ao mês, porque o país apresenta precariedade do assistencialismo social. De acordo com dados oficiais disponibilizados na mídia internacional, as pensões para idosos disponíveis no país são suficientes para acomodar apenas 1,8% da população idosa, enquanto que em países desenvolvidos varia entre 5% e 7%, e em países subdesenvolvidos, entre 2% e 3%. Muitos idosos da área rural não contam também com sistema previdenciário. Enfim, apesar da China se apresentar ao mundo como uma nação rica, seus idosos tendem a serem cada vez mais pobres, sós, doentes e deprimidos.
É o que demonstra uma pesquisa com mais de 17 mil indivíduos de 28 das 31 províncias da China. A pesquisa também mostrou que deficiências físicas e doenças mentais são comuns no país. Dos entrevistados, 38,1% relataram dificuldades para exercer atividades diárias e 40% apresentaram sintomas fortes de depressão. A pesquisa comprova ainda a deficiência do sistema de saúde, ao levantar que 88,7% dos idosos que necessitam de assistência para atividades diárias a recebem de membros da família, comprovando o que ouvi dos guias: a tradição dos filhos cuidarem dos pais idosos. Mas a pesquisa alerta: a tradição dos jovens tomarem conta dos idosos está ameaçada pela política de um único filho e a migração de muitos jovens para cidades grandes em busca de trabalho.
Todos esses fatos me fizeram pensar no nosso querido Brasil e nos cuidados de nossa velhice. Tanto lá quanto cá estes caem na família. Não estaria na hora de pensarmos em outros laços, outras formas de moradia respeitando sempre a individualidade e a singularidade? E os serviços públicos, especialmente de saúde, por que não funcionam? Enfim, são tantas questões que é melhor parar por aqui senão o pavor do que nos espera em nossas velhice pode nos paralisar…
Referências
China, a maior população em envelhecimento do mundo. Disponível Aqui . Acesso em 06/01/2014.
Envelhecimento da população é grande desafio para a China. Disponível Aqui . Acesso em 06/01/2014.