Nos últimos anos autoridades e profissionais da área da saúde se deram conta das diversas questões que envolvem o envelhecimento acelerado da população brasileira. Não só porque teremos “menos crianças correndo e brincando no parque e mais pessoas de cabelo grisalho circulando pelas ruas de bengala em punho”, mas principalmente porque não estamos preparados para um cenário que mais parece uma ameaça para o tão anunciado 2030 repleto de velhos pelas ruas.
Quando se fala em Brasil, a situação se agrava no Rio Grande do Sul, conforme matéria de Taís Seibt “Envelhecimento acelerado da população desafia cidades gaúchas” do site Zero Hora: “Com 9,3% da população com 65 anos ou mais, os gaúchos já apresentam um padrão etário que o país como um todo só atingirá em 2020, conforme projeções preliminares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo 2010”.
Seibt faz uma análise do fenômeno gaúcho, tomando por base o processo de envelhecimento brasileiro comparado com o europeu: “Em países europeus, foram necessários mais de 100 anos para que a porcentagem de idosos aumentasse de 7% para 14%, caminho que será percorrido pelo Brasil em apenas duas décadas”.
De fato, nós brasileiros padecemos de infraestrutura adequada e mais, sofremos pela falta de produtos e serviços alinhados com as necessidades desse longeviver que nem sabemos exatamente o que significa e, o mais preocupante: o impacto financeiro que esse envelhecimento pode representar nos nossos bolsos, isso em termos de saúde, moradia e porque não falar qualidade de vida. Como, então, viverá “uma geração que tem cada vez menos filhos e esperança de vida cada vez mais longa?”.
Bibiana Graeff, doutora em direito e professora de Direitos Humanos e Envelhecimento no curso de Gerontologia da Universidade de São Paulo (USP) confirma o óbvio: “Basta observar para perceber que nossas cidades e equipamentos não apresentam condições adequadas para a circulação de idosos”.
Graeff e a arquiteta Maria Luisa Bestetti, especialista em gerontologia ambiental e também professora da USP fizeram um painel na Conferência Internacional sobre Idoso, realizada no final de julho em Gramado, destacando o impacto da inversão da pirâmide etária nos espaços urbanos, exigindo transformações de ordem estrutural, mas também sociocultural.
Outros temas abordados no evento: “Assistência médica e gastos com saúde, o preparo das cidades para o envelhecimento e turismo para idosos, além de assuntos do cotidiano, como moda para a terceira idade e dicas de segurança na internet para uma geração que descobriu as redes sociais na maturidade”.
Maria Luisa comentou sobre um efeito ainda novo para a maioria das pessoas: “A imagem do idoso esperando o fim da vida, sem utilidade e até infantilizado já foi superada, embora ainda haja preconceito e pouco conhecimento sobre o processo de envelhecimento”.
Para a coordenadora executiva da conferência, Elívia Kerstner, “o diferencial do evento é que ele não tem caráter ocupacional, como a maioria dos congressos para idosos, mas reúne agentes políticos, profissionais de saúde, pesquisadores, empreendedores e os próprios idosos para promover discussões”.
Kerstner comenta: “A proposta surgiu da necessidade de reunir toda essa cadeia e despertar para a mudança de perfil da população, que exige uma adequação de produtos, serviços e políticas públicas”.
Velhice e liberdade
A matéria de Taís Seibt traz também o exemplo de uma senhora, uma mulher que vive o envelhecimento com liberdade e autonomia: “Sibylli Estermann, 88 anos, não usa o elevador para subir os dois lances de escadas até o seu apartamento em um residencial de longa permanência na Capital. Faz pilates duas vezes por semana, vai ao shopping, caminha no parque e se comunica com os netos que vivem fora do país por e-mail”.
Ela faz questão de enfatizar: “Sou muito independente”.
Priorizando sua autonomia, Estermann optou pelo residencial, que lhe garante apartamento privativo, com infraestrutura de atendimento especializado, caso lhe aconteça alguma coisa, o que, em quatro anos, ainda não foi necessário.
Claro que o apartamento no residencial só foi possível graças a venda da casa em que vivia com o marido já falecido. Outra questão que a levou ao residencial foi o fato de uma das filhas morar na Capital e viajar frequentemente a trabalho.
A matéria destaca o que muitos políticos deveriam ter como prioridade em seus planos de governo: “Investir em arranjos habitacionais desse tipo [residenciais] e preparar os profissionais para atuar nesses ambientes são algumas das demandas exigidas pelo contexto demográfico que se configura, impondo desafios para a regulamentação sanitária de estabelecimentos e consolidação de profissões como a de cuidador ou bacharel em gerontologia. Mesmo na medicina, a residência em geriatria ainda é escassa”.
Outro alerta importante: “De acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Estado, Marianela Hekman, cerca de 20 universidades brasileiras têm residência médica em Geriatria — apenas uma no Rio Grande do Sul. O total de geriatras no Estado não deve ultrapassar 60”.
Muitos profissionais dizem que uma consulta médica de um idoso consome um tempo muito maior que o esperado, além de um maior número de atendimentos eventuais. Assim retornamos para a delicada questão financeira, até onde menos se espera, na área da saúde.
Propostas e avaliação
O site Zero Hora solicitou as profissionais Bibiana Graeff e Maria Luisa Bestetti uma lista de cinco propostas para as cidades se prepararem para o envelhecimento da população nas próximas décadas.
Gestores públicos e profissionais ligados a cada assunto comentam as sugestões, apresentando a situação atual e as providências que ainda precisam ser tomadas.
1. Incluir lições de gerontologia nas escolas
Inserir conteúdos de gerontologia no ensino fundamental das escolas públicas e privadas, esclarecendo as características do ciclo de vida e os efeitos naturais do envelhecimento, ajudaria a reduzir os preconceitos e os mitos sobre a velhice.
Bestetti: “Abordando esses temas na infância, formaremos cidadãos mais conscientes sobre os direitos e deveres de todos, respeitando limites e diferenças”.
Avaliação de Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação: “Essa preocupação é justa. Estamos vivendo um processo de envelhecimento e uma das funções da educação é discutir os problemas da sociedade. Não seria o caso de criar uma disciplina para tratar do envelhecimento, mas abordar essa problemática de forma interdisciplinar, colocando as questões etárias nas aulas de biologia, de história, em todos os campos. Acolhemos a sugestão e acreditamos que a Secretaria de Educação pode enfatizar mais essa questão no currículo de todas as áreas do conhecimento”.
2. Fortalecer os conselhos municipais e estaduais do idoso
Bestetti: “Estabelecer um programa de capacitação em gerontologia para funcionários públicos transformaria os relacionamentos entre Estado e cidadãos, melhorando inclusive a produtividade dos funcionários por tomarem consciência da necessidade de prevenção quando se deseja qualidade de vida”.
Graeff: “Implementar, capacitar e fortalecer, com recursos humanos e materiais, os conselhos municipais e estaduais do idoso, para que possam, em articulação com outras entidades, como o Ministério Público, exercer efetivo controle sobre as políticas públicas de interesse para o idoso”.
Avaliação de Leonildo José Mariani, presidente do Conselho Estadual do Idoso: “Sintonizamos com as propostas no sentido de uma dedicação rápida e forte para a capacitação de servidores públicos e recursos humanos em geral em gerontologia. A grande meta do Conselho Estadual do Idoso é a implantação de Conselhos Municipais do Idoso em todos os municípios do Rio Grande do Sul. A tarefa não é pequena, pois hoje existem aproximadamente 100 municípios com Conselho Municipal. Portanto, há mais 400 por serem criados. Conselheiros, gestores e cuidadores são capacitações fundamentais”.
3. Criar meios para substituir os cuidadores originais
A longo prazo há necessidade de criar equipamentos de apoio social que suportem as necessidades de idosos com dependências, seja no seu cuidado diário seja na necessária atenção ao lazer, cultura e convivência social.
Bestetti: “Os cuidadores originais estão diminuindo, pois as pessoas têm menos filhos ou estão comprometidas com carreiras profissionais, o que acarreta a necessária oferta de alternativas que poderão, inclusive, reduzir custos desnecessários com atendimentos emergenciais em saúde e conflitos intergeracionais, resultando em garantia de justiça social”.
Graeff: “É importante não apenas regulamentar a profissão de cuidador de idoso, mas igualmente estimular a necessária especialização de profissionais em gerontologia”.
Avaliação de Newton Terra, geriatra, diretor do Instituto de Geriatria da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e coordenador do curso de formação de cuidadores: “A Organização Mundial da Saúde e a Organização Panamericana da Saúde vêm enfocando a atenção ao idoso e a formação de profissionais para o cuidado gerontológico. Com a expectativa de vida avançando, o número de filhos por mulher caindo, o cuidado especializado ao idoso será cada vez mais necessário. No Brasil, a profissão de cuidador ainda não está regulamentada, mas o processo para regulamentação já foi aberto. Hoje, a categoria faz parte do Cadastro Brasileiro de Ocupações. A falta da regulamentação, no entanto, favorece a atuação de muitos cuidadores informais e dificulta a padronização da formação desses profissionais”.
4. Investir em acessibilidade urbana
Bestetti: “Nas cidades, os semáforos são normalmente regulados para atender a uma velocidade de passo de 1,2m/s e a velocidade média da caminhada de um idoso é de 0,4m/s. Outro exemplo de adequação urbana citado pela pesquisadora é equipar pontos de ônibus com assentos adequados para atender a um público com diminuição da mobilidade e da força física devido ao avanço da idade. Orientação visual, tátil e sonora também são elementos importantes por causa da baixa acuidade visual e auditiva características da velhice”.
Graeff: “É preciso garantir uma melhor circulação nos espaços públicos e privados, através do incremento e da melhoria dos transportes públicos, e da implementação do desenho universal para garantir a acessibilidade”.
Avaliação de Vanderlei Luis Cappellari, secretário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre: “Porto Alegre é uma das poucas capitais que garantem a isenção nos ônibus não só a partir de 65 anos, mas também entre 60 e 64 anos para quem tem renda de um a três salários mínimos. Além disso, os idosos têm tratamento igualitário no interior dos ônibus, usando o cartão TRI para passar a roleta. Outras medidas importantes são os semáforos com contagem regressiva para pedestres, atualmente, são 186 equipamentos em vias de intenso fluxo, que ajudam os idosos a planejar suas travessias, e também os abrigos do tipo Parada Segura, que são 380 modelos, com bancos. Para os condutores da terceira idade, há vagas exclusivas na área azul. Essas e outras ações seguirão sendo realizadas pela EPTC para garantir a segurança e a comodidade aos idosos”.
5. Pensar arranjos habitacionais para o envelhecimento
Graeff: “A necessidade de garantir a moradia digna para todos, pensando em arranjos habitacionais que garantam a convivência e a solidariedade intergeracional, e aportando melhorias para as habitações precárias, especialmente em matéria de saneamento básico. Trabalhadores assalariados que necessitam sobreviver com uma aposentadoria restrita, deveriam ter escolhas para moradias mais racionais e adequadas aos seus orçamentos”.
Bestetti: “Moradias assistidas para idosos, que não se pareçam com os antigos asilos como ainda encontramos frequentemente, devem ser propostas para as diversas classes sociais”.
Avaliação de Eduardo Sabb, psiquiatra, membro do departamento geriátrico do Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre (Sindihospa): “As instituições de longa permanência para idosos passaram a oferecer infraestrutura e assistência especializadas no conforto, bem-estar e segurança dos idosos, e tem sido cada vez mais comum o próprio idoso sugerir, pesquisar e visitar as casas geriátricas para sua moradia. No entanto, há um problema financeiro que precisa ser equacionado. Os investimentos para promover a qualificação dos serviços e cumprir a legislação implicam elevadas despesas financeiras, tributárias e operacionais, resultando em custos finais que tendem a não caber no orçamento de todas as classes sociais. Há muito pouco movimento das instituições governamentais em incentivar e viabilizar o encontro desses interesses. Temos ainda um grande vácuo a ser enfrentado na questão do envelhecimento, um grande desafio que não pode mais ser deixado para depois”.
Referências
SEIBT, T. (2012). Envelhecimento acelerado da população desafia cidades gaúchas. Disponível Aqui. Acesso em 30/07/2012.
ZERO HORA (2012). Confira cinco propostas para as cidades se prepararem para o envelhecimento da população. Disponível Aqui. Acesso em 30/07/2012.
ZERO HORA (2012). Conferência em Gramado debate a longevidade. Disponível Aqui. Acesso em 30/07/2012,