Envelhecer na periferia: vivências de grupo de idosos

Verificamos no projeto Estimulando e Vivenciando a Terceira Idade que conversar pode ser uma das melhores atividades que pode ser realizada em um grupo de idosos em seu processo de envelhecer na periferia.

Evelyn Nattane dos Santos Silva e Juliana Sousa Moraes de Barros (*)


O projeto Estimulando e Vivenciando a Terceira Idade tem como objetivo contribuir para o processo de envelhecimento saudável, resgatar e valorizar o papel social dos Idosos atendidos pelo SASF Grajaú III, através do desenvolvimento da autonomia, de sociabilidades, de fortalecimento dos vínculos sociais e familiares, prevenindo situações de vulnerabilidade e riscos sociais.

O projeto faz parte do Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Básica no Domicílio (SASF), localizado no território do Grajaú, periferia de São Paulo, que atua com mil famílias mensalmente, através de listagem e demandas identificadas, encaminhadas e validadas pelo Centro de Referência da Assistência Social (CRAS).

São famílias em situação de risco e vulnerabilidade social, em que o serviço promove espaços de convivência e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

O serviço tem como objetivos permitir o acesso a informações e orientações sobre os direitos e deveres dos cidadãos, explorar talentos e capacidades e direcionar e encaminhar acerca dos Programas de Transferência de Renda (Bolsa Família, Renda Mínima e Cidadã, Ação Jovem, PETI) e BPC – Benefício de Prestação Continuada (LOAS).

Os atendimentos são realizados através de visitas domiciliares, encaminhamentos, aplicação de Oficinas, Encontros Socioeducativos quinzenais, festas temáticas e eventos institucionais.

Para tanto, o projeto Estimulando e Vivenciando a Terceira Idade está com foco voltado para a oferta de atividades que auxiliem os idosos na rotina do dia a dia, raciocínio lógico, memória, criatividade, atenção, registro de novas informações, concentração e dentre outras atividades de vida diária e prática. O projeto proporciona aos idosos atividades que possibilitem a convivência, tendo em vista a troca de experiências, estimula a participação do idoso desenvolvendo atividades que proporcionem valorização pessoal e melhoria da autoestima.

O que desejo para 2020?

Em um de nossos encontros a equipe do projeto planejou uma roda de conversa com o tema “Envelhecimento”. Demos início, com o seguinte questionamento: “O que desejo para 2020?”.

As respostas dadas pelo grupo trouxeram os vários sentimentos como felicidade e/ou alegria, saúde, paz, paciência e compreensão, itens que mais apareceram. Ressaltamos que estes eram desejos comuns a todos os participantes, mas somente um deles ressaltou que a saúde era o que eles precisavam mais que todos os outros desejos. Deixando claro que a saúde já não era mais como antes, que hoje tomam diversos remédios e quanto o tempo traz dores que antes não possuíam.

Diante dessa fala, pegamos o gancho das dores para questioná-los sobre o que seria “Envelhecer” para eles. Alguns disseram que é aumento de responsabilidades, outros das preocupações, houve ainda aqueles que ressaltaram que as dores são maiores, sejam elas no corpo ou em suas almas (referindo-se às perdas pessoais) e as dificuldades de recuperação da saúde diante de doenças. A maioria dos participantes olhou somente para as “perdas” que a idade trouxe, não olhou para os “ganhos” que receberam ao longo do caminho percorrido bem como os valores agregados e recebidos ao longo da vida.

Para finalizar a discussão e tentar trazer um novo olhar para os ganhos propomos ao grupo a atividade a qual deveriam responder à “Roda da vida”. Na atividade proposta ao grupo avaliamos somente alguns aspectos da roda como: pessoal, relacionamentos e qualidade de vida e seus subitens. O grupo, composto de nove pessoas – maioria de mulheres, donas de casa, algumas cuidadoras de seus netos e outras que convivem com seus companheiros; os homens, aposentados, sem atividade remunerada – conseguiu nesta atividade trazer mais aspectos positivos de cada área da vida. Em outra atividade, chamada “Papo Cabeça”, trabalhamos os sentimentos e a empatia, como eles nos afetam e como podemos lidar com eles no dia a dia.

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Iniciamos com a dinâmica das bexigas sentimentais, possibilitando que o grupo escolhesse cores que representassem seu sentimento naquele momento da atividade, e que posteriormente relatassem porque escolheram a cor e falassem sobre seus sentimentos. O desenvolvimento da dinâmica favoreceu, revelando emoções como: bem-estar, melhora da autoestima, companheirismo, satisfação, apoio, liberdade, alegria e, ainda, estímulo ao convívio social com outros idosos na mesma condição, principalmente na criação de laços de amizade. Dessa forma, evidenciou a importância dessas atividades para o comportamento emocional positivo e melhora da convivência.

A psicóloga Maria Célia de Abreu (2017, p. 33), destaca que “o sentimento de isolamento ou solidão tende a se apaziguar; como se estabelece uma comunicação espontânea permeada de valores e emoções, sem julgamentos mútuos, abre-se ocasião para partilhar sentimentos e ideias e para estabelecer uma cooperação saudável”. Foi o que o grupo estabeleceu durante as atividades entre eles e a equipe, vínculos significativos, cujos sentimentos e vivências foram compartilhados, com intuito de enriquecer ou somente trazer aquela lembrança ou vivência para ser partilhada com todos, sem julgamento ou ainda esperar que alguém lhe diga o “o que fazer”. Percebeu-se o sentimento de pertencimento do grupo.

Verificamos no projeto Estimulando e Vivenciando a Terceira Idade que conversar pode ser uma das melhores atividades que pode ser realizada em um grupo de idosos, pois a roda de conversa em que o idoso pode refletir, ouvir e expor suas opiniões pode gerar grandes mudanças positivas em sua vida. 

A importância da afetividade nos relatos e lembranças expressas pelos idosos é ressaltada também por Neri (2001, p. 134): “Ao pensarmos em vida afetiva, narraremos a história de nossos afetos, permeado por encontros e desencontros, alegrias e tristezas, realizações e frustrações”.

Após a “roda de conversa” com o grupo deixamos uma reflexão sobre o tema sentimentos, e para tornarmos ainda mais dinâmico o grupo, trabalhamos com pintura de tinta guache com música de fundo para gerar um ambiente acolhedor. Os participantes expressaram seus sentimentos por meio de cores, desenhos e imaginação. Puderam desenvolver e trabalhar as emoções de forma livre, com relatos dos processos da vida, momentos da infância, dificuldades no processo do envelhecimento, saudades de familiares, amizades e amores.

Para concluir, gostaríamos de destacar que todos, em um primeiro momento, se mostraram um pouco resistentes em conhecer o grupo, no entanto a curiosidade em saber qual tipo de trabalho seria realizado dentro das atividades, falou mais alto quando foram convidados a conhecer o Projeto Estimulando e Vivenciando a Terceira Idade. Nenhum dos idosos tinha participado de algum grupo anteriormente. Percebemos ainda que a participação no grupo pode afastar os idosos do isolamento social, promover a integração, aumentar a autoestima e melhorar o relacionamento com familiares e aqueles que convivem perante a sociedade. A participação possibilita ainda o resgate de valores pessoais e sociais em seu processo de envelhecer.

Referências
ABREU, Maria Celia de. Velhice: uma nova paisagem. São Paulo: Ágora, 2017.
BRASIL. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: 2004 p. 34-36.
NERI, Anita Liberalesso, et al. Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade.São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, Edições SESC SP, 2007.
NERI, A. L. (Org.). Maturidade e Velhice: trajetórias individuais e socioculturais. Campinas, SP: Papirus, 2001.
PASCHOAL, S. M. P. Autonomia e Independência. In: PAPALÉO NETO, M. Tratado de Gerontologia. São Paulo: Atheneu, 2007.


(*) Evelyn Nattane dos Santos Silva – Bacharel em Serviço Social pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail [email protected]; e Juliana Sousa Moraes de Barros – Bacharel em Serviço Social pela Universidade de Santo Amaro (UNISA). E-mail [email protected]. Atuam na área da Assistência Social – Proteção Básica. Trabalho escrito no curso de extensão em Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no primeiro semestre de 2020.

Fotos: arquivo do Projeto


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