Em entrevista, Flávia Wenceslau fala sobre a jornada da maturidade

Em entrevista, Flávia Wenceslau fala sobre a jornada da maturidade

A cantora e compositora paraibana Flávia Wenceslau fala sobre o envelhecer e a maturidade.


Em pleno dia de comemoração por mais um ano de vida, com muita simpatia e simplicidade, fui recebida para um bate-papo sobre o envelhecer e a maturidade pela cantora e compositora paraibana Flávia Wenceslau.

Silmara: Você acaba de completar 43 anos! Falando da questão cronológica, qual sentimento lhe vem?
Flávia: Ao mesmo tempo que parece ter passado muitos anos, tudo passou muito rápido. Quando paro para pensar, vejo que tive uma infância muito intensa. Eu olho para trás e tenho 43 anos de muitas vivências. É o sentimento que vem com a maturidade, o de saber viver com o olhar mais amoroso. O tempo traz isso e nos mostra que a saúde não é um fator isolado: a longevidade vem com os aspectos de dentro, uma mistura do interno com tudo aquilo que aconteceu durante a nossa história.

O envelhecimento nos acompanha desde o nosso nascimento, e o corpo traz marcas dessa mudança contínua. Qual é a sua percepção sobre isso?
Antes eu ouvia falar, mas não compreendia isso direito. Eu sinto que o nosso corpo tem essa memória, além dos hábitos alimentares. Agora mesmo acabei de chegar da academia – penso no cuidado com o corpo para envelhecer e manter a mobilidade. Minha percepção neste momento está mais voltada para a memória espiritual. Penso que essa tem a ver com a leveza que vem da alma, o que escolhemos carregar. Os 43 anos têm me trazido mais percepção emocional e espiritual para o entorno e para me manter no caminho do envelhecer bem.

Quando você cita “escolher o que carregar”, o que você não gostaria de carregar?
Não quero carregar as frustrações que tive na juventude, coisas que não conseguimos elaborar naquela fase. Por exemplo: é comum a gente olhar o que o outro fez para conosco, mas dificilmente olhamos o que fazemos com nós mesmos. Eu vivo o presente, e isso, graças a Deus, facilitou até aqui. Observo meus sentimentos e já não carrego o que me faz mal. Isso é benéfico para a minha saúde física e emocional.

Aproveitando que você está falando do seu olhar para o sentir, em qual fase da sua vida a esperança, protagonista de uma de suas músicas, foi mais necessária?
Eu fiz essa música quando meu irmão ficou tetraplégico, em um momento em que eu já não ouvia mais a voz dele devido a depressão… tudo era silêncio. Essa canção veio muito fluida, completa, num momento de extrema dor para a minha família e principalmente para o meu irmão. A esperança não é um otimismo superficial, ela vem de fonte superior e que a gente só se sustenta se ela se fizer presente.

Noutra composição você traz logo na introdução: “Eu te desejo vida, longa vida […]”. Esse é um desejo que está até mesmo nos cumprimentos de aniversário. Mas você, o que quer entregar para o outro com os dizeres de “longa vida”?
Desejo que o outro possa descobrir a beleza da própria vida. A maturidade nos traz esse olhar em que nos permitimos descobrir na simplicidade o sentido das coisas, como algo que só encontramos num dia de sol. Isso ocorre porque muitas vezes o ser humano busca sentidos apelando aos vícios e dependências. A cabeça fica pesada, numa procura frenética, deixando de enxergar que no simples já temos tudo. Tudo que é bom, é simples! Na verdade, a necessidade é pouca quando se tem o olhar para o que de fato é essencial.

Em diversas letras você cita a infância. Por onde ela caminha até hoje com você?
A infância marcou muito a minha vida, intensamente! Perdi a minha mãe aos três anos de idade, tivemos uma madrasta, e aos 11 anos fui embora de casa para trabalhar como empregada doméstica. Ao longo da minha caminhada tive a sensação por muito tempo de não ter saído daquela casa.

Em março de 2012 você foi entrevistada pelo antigo ícone Rolando Boldrin e, durante o programa, escolheu cantar a canção dele, “Tema para Juliana”. Como foi esse encontro?
Um momento bonito! Ele soube viver da própria arte com integridade. Ele não se perdeu dos próprios valores para a mídia e para a contemporaneidade. Essa integridade dele marca o ser artístico e a beleza que ele trazia aliado ao seu trabalho. Escolhi a música Juliana pela beleza da letra. Ela fala da jornada da vida: “Se o amor é meu, se o coração é meu, aqui estou pro que der e vier”. A prontidão de viver a vida para o que der e vier!

Ainda lembrando de Boldrin, quais velhos mais te influenciaram em seus papéis de vida?
Muitos. A atriz Fernanda Montenegro, por exemplo, ela é uma inspiração de vida. Observo a postura e a pessoa que é, uma atriz visceral, completa. Já no papel de cantora, a nordestina Marinês. Lembro bem que, quando a ouvia cantar e assistia aos shows, ela já estava com uns 80 anos e cantava incrivelmente, com muita potência. Fui influenciada também por Luiz Gonzaga, que transmitia em sua velhice um vigor mais potente do que quando ele começou sua carreira. Outro exemplo de brasileiros que admiro é o Abilio Diniz, homem que viveu a vida inteira na ação e no esporte. Uma inspiração para mim por não viver na mesmice, cuidar do espiritual e buscar ser um ser humano melhor.

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“Silêncio, hoje eu preciso tanto ouvir o céu. / Já não é mais urgente assim falar; / Meu coração precisa repousar […]”. O que esses versos têm a ver com o seu processo de envelhecimento?
Essa canção fala das pausas: a gente precisa delas até quando estamos envolvidos na euforia. A pausa faz parte do repouso da mente. Nos momentos em que estamos enfrentando situações e que a solução não está sendo possível naquele momento, a pausa auxilia a enfrentar o problema. É um respiro para uma situação que, com a esperança, será resolvida. Dentro de um momento a gente precisa da pausa, pois esse problema passará.

Como foi o desenvolvimento do papel de compositora?
Enquanto eu era somente cantora, havia  a questão de  pagar pelas composições. Como eu não tinha dinheiro para isso, fui buscar uma solução: fiz minhas próprias composições. Não quis depender e nem ser refém, eu queria cantar. As primeiras composições não foram tão boas, mas depois eu fui me aperfeiçoando. Eu sempre tenho uma reserva crítica ao meu próprio trabalho, mas não tenho medo de me mostrar, pois tive que lidar com a desaprovação por muitas vezes na vida. Hoje, ser desaprovada, já não ressoa em mim. Conheço as minhas limitações e entendo que todo ser humano tem as suas. Sou movida pelos meus sentimentos artísticos que é minha maneira de me expressar. A arte me ajuda a elaborar os meus próprios sentimentos e ter a tranquilidade no viver. Isso reverbera nas pessoas. Meu público sabe e se reconhece nesse interesse que vem da sinceridade.

“Eu vou seguindo em frente em meio à multidão, / E já não paro em qualquer lugar, / Já não me arrisco pela contramão. / E se houver sombra quero repousar”. A música “Por uma folha” é reflexo de sua maturidade?
O jovem acaba, por muitas vezes, parando em qualquer lugar para ser aceito, às vezes ser aceito por ele próprio. Segue a onda buscando parecer interessante para o outro. A imaturidade quer mostrar que somos inabaláveis. Já com a chegada da maturidade passamos a dizer não ao que não nos interessa e seguimos sem culpa, nem preocupações se o outro vai entender ou não; caminhar na direção do que de fato é importante. Quando me refiro à sombra, é justamente o poder mostrar a fragilidade, poder pedir ajuda e, se tiver alguém disponível para me ajudar, eu vou aceitar com humildade. Precisamos do outro! Precisamos reconhecer as limitações e a importância do repouso. Não sei tudo e não preciso carregar tudo sozinha.

No Brasil, a fase da velhice é demarcada pelos 60 anos. Vamos fazer uma projeção para o futuro? Você chegou aos 60, me conte: como está?
[Sorrindo] Espero estar ativa, compondo novas canções para um novo álbum. Visitando meus filhos nas cidades em que eles estiverem estudando. Cozinhando melhor para reunir familiares e amigos, e sobretudo, tendo saúde de todas as maneiras possíveis. Nem penso tanto no conforto financeiro, mais na saúde, pois tendo ela, não terei tantas dificuldades. A tônica mais importante é ter uma velhice com saúde física, emocional e espiritual. E sei que isso depende de uma prática que preciso ter antes dos 60 anos. Tenho aí 20 anos para plantar as sementes. Essa é uma prática, uma constância, se eu quiser colher.

Gostaria de saber como foi para você trazer aqui o seu processo de envelhecer.
Não é um tabu saber que vamos envelhecer se amamos a vida. Isso não pode ser um tabu! Eu já visualizo a minha velhice e trabalho isso hoje. Sonho estar com meus futuros netos, familiares, amigos e olhar para trás, vendo que tracei um caminho íntegro. Da morte só quero lembrar dela quando sentir que ela está próxima. Agora quero viver e realizar conquistas em minha vida. Envelhecer bem, ter saúde e leveza de ser. Tem certos mistérios que se aproximam só quando estamos vivendo eles. Como chegar aos 80? Só saberei quando estiver lá!

A nossa sociedade precisa mudar a cultura para um olhar respeitoso, cuidadoso, de políticas públicas que ofereçam segurança, conforto e saúde para aquele que já passou por muitas experiências; que saiba valorizar a velhice. Ao contrário do que pensam, estes não são inúteis, mas sim, úteis e sábios. É algo que o nosso país carece de olhar!

Saiba mais
Instagram: https://www.instagram.com/flavia.wenceslau/
Youtube: https://www.youtube.com/c/FlaviaWenceslau
Música Esperança: https://youtu.be/WgqzaggjLJM?feature=shared
Música Silêncio: https://youtu.be/LiVPMm9p_8s?feature=shared
Música Te Desejo Vida: https://youtu.be/SSyS6ufbOhU?feature=shared
Do trecho que falo sobre Boldrin: https://youtu.be/qUaurm7blcA?feature=shared

Fotos: arquivo de divulgação de Flávia Wenceslau. 


Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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