Volume fenomenal de informação e desinformação no período eleitoral tem impactado a saúde mental de muitos brasileiros
Mariana Mandelli (*)
“Estou lidando com o horror de ter consciência da realidade do mundo”. A frase dita pelo personagem Ted Lasso, protagonista da série homônima lançada em 2020 pela Apple TV, define o estado mental de muita gente às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. Parece que não há vocabulário que dê conta do volume e do conteúdo das informações e desinformações a que estamos expostos na reta final daquela que parece ser a campanha eleitoral mais violenta desde a redemocratização do Brasil.
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Status do WhatsApp com propaganda política, figurinhas e GIFs dos candidatos, timelines repletas de vídeos recuperando discursos políticos antigos, stories comparando propostas de governo, prints das últimas pesquisas de intenção de voto: nas redes sociais, não há descanso. Fora delas, também não: no noticiário, seja na televisão, no rádio ou nos portais jornalísticos, só há um assunto.
Estamos vivendo a brutalidade ideológica de uma infodemia, palavra definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como circunstância em que há um “grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo” – exatamente como ocorreu nos momentos mais críticos da pandemia.
E, assim como no caso da Covid-19, além do excesso de reportagens e dados alarmantes confiáveis sobre o vírus, que afetou e ainda afeta a saúde mental de muita gente, a iminência do pleito eleitoral também nos cerca de fatos e evidências mas também de teorias conspiratórias, discursos neuróticos e mentiras deslavadas de todos os tipos e formatos. Estamos numa guerra discursiva de valores, que fere crenças e esperanças, deturpa afetos e redimensiona relações de todos os tipos, e onde o diálogo e a comunicação foram deixados de lado como estratégias de negociação.
Em 2016, o Dicionário Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano, definindo-a como “circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. Seis anos depois, parece que essa é a condição inescapável: estamos no ápice desse processo no Brasil.
Ou seja: não basta o contexto atual ser demasiadamente tenso e violento, ele é retroalimentado e recriado por conteúdos fraudulentos que causam intolerância e agressividade, dando a impressão de que não compartilhamos a mesma realidade dos outros. Dessa forma, o equilíbrio entre evitar desinformação e consumir conteúdos de qualidade, sem se fechar numa bolha e sem se alienar dos fatos, tem sido um objetivo cada vez mais longe de ser alcançado.
Rever nossos hábitos de consumo de conteúdo online e offline diante de um cenário como esse é delicado, mas necessário para aliviar o sofrimento mental causado por ele. Um “detox informacional”, como sugerido por especialistas, é importante para aliviar a sobrecarga mental, fenômeno cada vez mais comum em períodos eleitorais conectados em vários lugares do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o jornal The New York Times criou um “election distractor” em 2020 para seus leitores, já que uma pesquisa da American Psychological Association mostrava que 76% dos democratas e 67% dos republicanos consideravam o pleito da época uma “fonte significativa de estresse”.
Desautomatizar alguns comportamentos, como rolar as timelines das redes diversas vezes ao dia, retirar notificações de plataformas e notícias e dosar o tempo de uso do celular são atitudes básicas, mas que pouca gente de fato toma. Evitar e silenciar perfis de certos colegas e parentes também é uma maneira de não caçar conflito e de não se expor a mensagens que causam angústia.
Ademais, repensar nosso engajamento de forma geral é válido, já que ao curtirmos, comentarmos ou compartilharmos um conteúdo, estamos fazendo com que ele chegue até mais gente, o que pode ocasionar mais tensão entre amigos e contatos. Mesmo que seja para satirizar uma mentira política, não temos o controle de quem verá aquela mensagem. E vale levar em consideração que a desinformação atinge diferentes grupos de diferentes formas, causando gatilhos em determinadas pessoas, especialmente aquelas que fazem parte de minorias.
Se estamos “lidando com o horror de ter consciência da realidade do mundo”, é preciso desenvolver formas de aliviar esse processo, e as redes sociais e as formas pelas quais criamos e reforçamos a nossa presença digital fazem parte disso. A eleição termina dia 30, mas sabemos que estaremos longe de um período de apaziguamento de ânimos. Portanto, cuidar dos nossos hábitos informacionais é uma forma de cuidarmos de nós mesmos.
(*) Mariana Mandelli – Coordenadora de comunicação do EducaMídia.
Foto destaque de Shvets production/pexels