Abandonada pelo marido, Claire, 50 anos, decide criar um perfil falso em uma rede social. Lá, ela atende por Clara, uma bela jovem de 24 anos. O avatar interage com o jovem Alex, que acaba se apaixonando por ela enquanto Claire, por trás das telas, também começa a amá-lo e ficar viciada, sem saber como se desfazer da própria mentira. Apesar de tudo se desenrolar no mundo virtual, as emoções evocadas são reais e cáusticas, para ambos. Ela só queria viver.
Poucas atrizes provocam tanta emoção como Juliette Binoche. Quem acompanha sua carreira, sabe do que falo. “Quem Você Pensa Que Sou”, filme protagonizado pela bela, suave e, ao mesmo tempo, intensa francesa, representa uma problemática bastante atual da mulher moderna que busca, busca (de forma frenética e enlouquecida) e nada encontra. É a mais completa solidão.
Safy Nebbou, diretora desta magnífica obra muito voltada para as questões femininas, desafia o espectador desde seu título (engana-se quem pensa que se trata de uma pergunta) até o desfecho, se assim parecer. O roteiro é uma adaptação do livro homônimo de Camille Laurens e trata de um momento específico na vida de Claire, personagem de Juliette.
Ela (Juliette, Claire, mais tarde Clara…) representa uma mulher de 50 anos, abandonada pelo marido, divorciada, professora, mãe de dois filhos adolescentes e que ainda se relaciona com um homem bem mais novo que ela, Ludo (Guillaume Gouix).
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Esse cenário é ilustrado pelas sessões de terapia com a Dra. Catherine (Nicole Garcia), aquela que substitui o profissional anterior que, segundo a história, adoece gravemente em decorrência de um derrame. Quem já passou por um tratamento psicoterápico sabe o quanto é difícil lidar com mudanças deste tipo, principalmente em momentos tão delicados da vida, como é o caso de nossa protagonista.
Não leva muito tempo para Claire se dar conta de que seu relacionamento com Ludo não teria o futuro esperado, ele não seria o homem sonhado, o parceiro idealizado, o amante voraz, aquele com quem se conta no dia a dia, e até bem piegas… em todas as horas.
Bem, tocada pela melancolia, quase crônica, seguindo o tortuoso caminho do vazio silencioso até o mergulho final na mais profunda depressão, a professora, na tentativa de se reaproximar de Ludo, cria um perfil falso no Facebook e acaba se envolvendo com o amigo dele, o jovem Alex (François Civil).
Assim, Claire se transforma em Clara. E… de onde surgiu Clara? Fotos de Clara, vídeos de Clara, detalhes da vida de Clara. Quem seria a bela menina de 24 anos? Corpo escultural, pele perfeita, movimentos delicados e, como não poderia deixar de ser, lábios carnudos e provocantes. A antítese de uma mulher de mais de 50 anos?Então, essa é a escolha da protagonista, tudo menos quem ela realmente é.
Tenha calma, “Quem Você Pensa Que Sou” não responde às perguntas, nem quando você pensa que tudo já sabe. Nada é transparente sobre Claire, uma mulher devorada pela angústia relacionada com as transformações da imagem constatadas não apenas por ela, mas, pior, pelo olhar do outro, pela severidade de um padrão estético imposto por uma sociedade ávida pela juventude eterna.
É o dilema da proximidade da morte, não aquela real, mas a subjetiva, a que mais dói na alma. São os “centímetros” da beleza, considerada ideal, que reduzem com o avançar dos anos, murcham, encolhem e tomam outro formato: um novo corpo, um novo rosto a ser enfrentado.
As conversas com a médica/psicóloga vão, aos poucos, revelando-nos as sutilezas, detalhes de quem seria, talvez ou na verdade, Claire, suas motivações, escolhas e decisões. Mas não se anime, mulheres como ela guardam um mundo interno de difícil compreensão, cerrado em sua própria prisão, assombrado pelos seus próprios fantasmas, perdido na escassez do afeto recebido. Tudo tão árido para Claire, entretanto para a jovem Clara tudo tão vasto: é a imensidão de uma vida a ser vivida e, aparentemente, sem velhice, sem rugas, sem a opacidade e flacidez da pele.
Dramas sobre mulheres que envelhecem e que são abandonadas pelos seus parceiros e literalmente trocadas por belas jovens de vinte e tantos anos (e até um pouquinho mais) são cada vez mais comuns nas telas de cinema: são histórias sobre o rumo da maturidade e como se lida com ele, é o ciclo da vida, as temidas fases inundadas pelas oscilações emocionais, transformações de toda ordem.
Claire luta com seus próprios conceitos, o valor que atribui à juventude e à necessidade de se sentir desejada (ela diz não temer a morte, mas a falta de desejo do outro é aterrorizante).
Todas essas questões a levam a fazer escolhas bastante questionáveis moralmente. Será que vale a pena se fazer passar por alguém que não se é? Eu me fiz essa pergunta e cheguei à conclusão que antes ser Claire aos quase 60 que Clara aos 24. São justamente esses pontos que desafiam o espectador a compreendê-la ou até julgá-la pelas consequências de seus atos.
“Quem Você Pensa Que Sou” trata do mundo feminino, do jovem e do velho, de todos nós que atravessamos a vida desejantes de afeto, de escuta, de companhia, de amor.
“Quem Você Pensa Que Sou” trata do mundo feminino, do jovem e do velho, de todos nós que atravessamos a vida desejantes de afeto, de escuta, de companhia, de amor.
E para representar o olhar de todas essas mulheres, apenas Juliette Binoche, alguém que também envelhece e que sempre linda revela, por uma câmera implacável, todas as suas pequenas e grandes rugas encantando a tela com suavidade e delicadeza.
Claire só queria viver.
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Local: Espaço Longeviver – Avenida Pedro Severino Junior, 366 – Sala 166 (Zona Sul de São Paulo) – Vagas: 15 (máximo)
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