Em um governo que preza a participação social, causa estranheza e perplexidade que o antidemocrático Decreto 9.893/2019 continua regendo o CNDI na nova estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – MDHC
Ao longo desta semana circularam pelas redes sociais de grupos ligados ao movimento de pessoas idosas várias indagações sobre o futuro do Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa (CNDI). A fim de esclarecer nossos leitores, publicamos a seguir um manifesto-carta da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas e das com Deficiência (AMPID) e Plataforma Pessoas Idosas com Cidadania e Justiça (PI-BRASIL), assinada por muitas pessoas e associações comprometidas com a participação social ao longo da vida, entre elas o Portal do Envelhecimento; além de uma entrevista que realizamos com Lucia Secoti, presidente destituída do CNDI pelo decreto 9893/2019, do governo anterior.
Para quem não se lembra, o Decreto 9.759 (de 11 de abril de 2019), redigido no governo anterior, promoveu a extinção de colegiados em alguns casos, a limitação de funcionamento, em outros, como também a destituição de colegiados eleitos democraticamente e com eles os conselheiros, empossados para o mandatos vigentes, entre eles o CNDI, gestão 2018-2020, desfigurando, assim, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa.
Na ocasião, o CNDI, ao ter sua organização/estrutura e a composição alterados, deixou de exercer as suas competências, principalmente a de gestor do Fundo Nacional do Idoso (FNI). Esse Decreto afetou e muito a participação popular da pessoa idosa – que é garantida pela Constituição -, especialmente no que diz respeito às políticas dirigidas ao segmento e ao controle social em relação aos orçamentos dirigidos à população idosa.
Carta-manifesto
CONFIRA TAMBÉM:
Exmo Senhor Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas e das com Deficiência – AMPID e a PI-BRASIL Plataforma Pessoas Idosas com Cidadania e Justiça, vem, por meio da presente nota, destacar a necessidade urgente de se restabelecer o Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa, com sua legalidade e legitimidade, na forma do Decreto 5.109/2004.
No governo anterior, o CNDI foi extinto com a edição do Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019 quando já eleitos os conselheiros empossados para o mandato, naquela época em curso, referente ao período de 2018/2020. Com isso, subtraiu-se o exercício da democracia participativa, também conhecida como participação popular ou social, garantia constitucional que aproxima o cidadão da coisa pública, permitindo o controle e uma colaboração ativa nos processos, nas ações e na formulação e condução das políticas diretamente ligadas a ele.
Em seguida, publicou-se o Decreto 9893/2019, reduzindo a atuação do CNDI e tornando-o um órgão exclusivamente de governo, sem a garantia de uma legítima participação social e um real e efetivo controle social, em séria afronta à Constituição Federal, à Política Nacional do Idoso e ao Estatuto da Pessoa Idosa.
Reduziu-se, drasticamente, o número de conselheiros, além de instituir, na parte governamental apenas, conselheiros ligados a um único ministério (MMFDH) e retirar da sociedade civil a possibilidade de exercer a presidência do Conselho.
O Decreto 9.893/19 claramente retirou do CNDI, de forma proposital, a possibilidade de discutir, trabalhar e deliberar sobre assuntos afetos à população idosa no tempo e no modo, necessários e oportunos, reduzindo o número de reuniões e evitando que as mesmas ocorressem de forma presencial, subtraindo o exercício de sua atuação efetiva na implementação da melhora da qualidade de vida das pessoas idosas, segmento que cresce de forma acelerada, sem que sejam ofertados serviços e adotadas ações e políticas públicas que garantam a proteção necessária.
Certo é que apesar das alterações do Decreto 9.893/2019, este ainda se encontra eivado de ilegalidades, sendo a sua prevalência, ainda, uma violação aos princípios da democracia e do não retrocesso.
E é dentro deste contexto que a AMPID e a PI-BRASIL ressaltam a importância do atual governo, reconhecer a necessidade de um novo Decreto, à semelhança do Decreto 5.109/2004, enquanto não iniciado, pelo Chefe do Poder Executivo, o projeto de lei que resulte na publicação de Lei criando o Conselho Nacional de Direitos das Pessoas Idosas, prevendo composição, quadro de pessoal e fonte orçamentária, assegurando, assim, a participação da população na gestão pública, garantindo espaços onde a Sociedade Civil, diretamente interessada, possa influir nas políticas públicas, acompanhando, avaliando e fiscalizando estas Políticas, assegurando a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, com a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de discriminação.
Entrevista com Lucia Secoti, pelo restabelecimento do mandato cassado
Desde 2019 até o momento somos testemunhas de que Lucia Secoti, como pessoa atuante pela causa do envelhecimento, e com longa história e compromisso com o fortalecimento do controle social, a partir do dia em que foi destituída, em todos os espaços possíveis, tem se dedicado à defesa irrestrita para a revogação do danoso decreto 9.893 de 27 de junho de 2019 e todas as posteriores alterações. Sua luta é para que se possa devolver à sociedade brasileira um colegiado, autônomo e deliberativo, de referência na promoção, defesa e garantia dos direitos de todas as pessoas idosas. Vamos à entrevista?
Lucia, explica para nossos leitores o que vem a ser o CNDI?
Lucia Secoti – Antes de mais nada é preciso dizer que o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa – o CNDI é um Conselho de Estado que deve funcionar como uma ponte entre os anseios e necessidades da população idosa brasileira e os governos dos respectivos entes da Federação.
Caso você retome ao CNDI, quais são os projetos/programas/ações a serem implementados?
Lucia Secoti – Retomar as ações pensadas dentro do Biênio 2018-2020 e já deliberadas, tais como: a presença de uma linha voltada à Educação nos Editais do Fundo Nacional do Idoso; Curso EAD Controle Social e um módulo temático – Parceria com a Controladoria Geral da União – CGU. Um Plano de Comunicação do CNDI que estava sendo realizada em parceria com Itaú-Unibanco, o Seminário Internacional Mulher Idosa: uma questão de direitos humanos e seu impacto atual e futuro, em parceria com o NEPPOS/CEAM (UnB), o Seminário Educação e Direitos Humanos, estava previsto uma parceria com a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo-SP e uma Cartilha do Fundo Nacional do Idoso. Enfim, como traz na missão do CNDI: contribuir para o envelhecimento humano digno, por meio da defesa e da articulação de políticas com setores da sociedade.
Como fica a situação do CNDI ante o Art 34 do Decreto 11.341 de 01/01/2023, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e remaneja cargos em comissão e funções de confiança?
Lucia Secoti – Ao nos depararmos com a presença desse artigo (Ao Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa cabe exercer as competências estabelecidas no Decreto nº 9.893, de 27 de junho de 2019), nesse Decreto 11.341 de 01/01/2023 e a permanência dele, mesmo após a alteração já ocorrida em 21/01/2023 pelo Decreto 11.394, em um governo que preza a participação social, causou-nos estranheza e perplexidade, que o antidemocrático Decreto 9.893/2019 continuasse regendo o CNDI nessa nova estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – MDHC. De volta à sua pergunta podemos dizer que, diante desse fato que acabamos de narrar, a situação do CNDI permanece a mesma do governo anterior, ou seja, entre outras coisas, mantém: a mudança da finalidade do CNDI; a perda da sua característica deliberativa; restrição à ampla participação social; que o titular da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa é alçado, automaticamente, a função de presidente vitalício do CNDI. Não há espaço em uma democracia para essa realidade anômala. A participação social é uma evolução da democracia!
Como está sendo composta a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa? E como presidente destituída do CNDI, o que você espera da secretaria?
Lucia Secoti – Não temos informações ainda quanto a composição da Secretaria. Mas espero que andemos lado a lado sem se misturar como o Rio Negro e Solimões, pois as nossas “composições” são diferentes. Apesar do CNDI e Secretaria Nacional ter o mesmo compromisso de zelar, em conjunto, pela aplicação das normas de proteção da pessoa idosa e propor a adequação e o aperfeiçoamento da legislação relativa ao assunto, o papel do CNDI é de controle social. Temos a função fiscalizadora que é acompanhar e controlar os atos praticados pelo governo prevista na Constituição Federal que estabeleceu a participação social na gestão pública como pressuposto do sistema democrático-participativo, como é pontuado no livro Desafios de Ser Velha e Velho no Brasil (Editora da Universidade Federal de Alagoas – Edufal). O CNDI é um espaço de diálogo, de debates, de decisões que devem ser respeitadas.
O que você espera do Ministro Silvio Almeida e do Secretário Nacional de Promoção e Defesa da Pessoa Idosa, Alexandre Silva, colega militante do envelhecimento?
Lucia Secoti – Desejo sucesso a ambos. Fiquei feliz em ouvir no discurso de posse do ministro a fala: “Conselhos de participação foram reduzidos ou encerrados, muitas vozes da sociedade foram caladas, políticas foram descontinuadas e o orçamento voltado para os direitos humanos foi drasticamente reduzido”. Essa consciência facilitará o entendimento das demandas da sociedade civil e, na nossa maneira de ver, a primeira demanda a ser atendida por parte do ministro, no que se refere à defesa dos direitos humanos das pessoas idosas, é a necessária e urgente revogação do Decreto 9.893/2019 – exarado por um governo autoritário – o restabelecimento do mandato do colegiado cassado e a recondução da presidente eleita, pois é um entendimento consolidado na sociedade civil. Num governo que preza a participação social essa reparação democrática e política deve ser priorizada. Não podemos nos esquecer que a participação social é um mecanismo de aprimoramento da democracia. Outro ponto que esperamos, no sentido de esperançar, como nos ensinou Paulo Freire, “não por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico” é que a pauta da pessoa idosa e o CNDI tenham o mesmo espaço que os demais segmentos.
Em 2023 o Estatuto da Pessoa Idosa celebra 20 anos, na sua opinião, tivemos avanços?
Lucia Secoti – Com certeza! Talvez muitos não saibam que a sociedade civil teve uma participação expressiva na elaboração do Estatuto da Pessoa Idosa. O Estatuto estabelece que o envelhecimento, na formulação e dimensionamento de políticas públicas, precisa ser prioritário. Com a vigência do Decreto que nos destituiu, em junho de 2019, o Decreto 9.893, o retrocesso que houve foi impossibilitar o cumprimento do Art.53 do Estatuto da Pessoa Idosa, que diz: O art. 7o da Lei no. 8.842, de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 7o Compete aos Conselhos de que trata o art. 6o desta Lei a supervisão, o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas”.
Por último, gostaríamos de destacar aqui uma ação do Ministério da Igualdade Racial, cuja equipe encaminhou um formulário a vários ativistas, a fim de pedir apoio e dar transparência às suas ações. Você acha possível a Secretaria da Pessoa Idosa fazer o mesmo?
Lucia Secoti – É interessante, muito boa estratégia. Num governo democrático a transparência é elemento indispensável. Acredito que eles estão desenhando um plano de ação.
Obrigada Lucia!
Foto destaque: arquivo pessoal
Atualizado às 13h38