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É triste envelhecer? Reflexões de um Geriatra

Casal de idosos, com bengala, caminhando

Em conversas com pacientes, observo como o envelhecer se dá de forma diferente para cada um. 


Recentemente escrevi um texto para nosso querido Portal sobre o envelhecer e o envelhecimento na visão do Geriatra. Aproveito este gancho para abordar uma específica situação que acontece de forma rotineira na minha prática clínica. Trata-se de um comentário que alguns pacientes, nas suas velhices, realizam durante as consultas:

– “Nossa, é triste envelhecer”.

Nesse momento, eu tento com os pacientes realizar algumas reflexões. De fato, as mudanças inerentes à idade vão acontecer, porém, ressalto para eles que os cuidados que temos ao longo da vida, sobretudo desde a juventude, vão influenciar e muito esse processo.

Tenho sob meus cuidados pacientes com mais de 90 anos que apresentam uma qualidade de vida fantástica, mantendo sua vida social sempre ativa, exercendo atividades de lazer e fazendo viagens. Também tenho pacientes entre 60 e 70 anos com a situação de saúde muito frágil, muito desconforto relacionado com sintomas de doenças, de maneira que a saúde é o fator de maior limitação para aproveitar os prazeres que a vida pode oferecer.

Claro que os cuidados com a saúde não são os únicos fatores a determinar este desfecho, existem eventos ao acaso fora de nosso controle. Além, é claro, dos Determinantes Sociais de Saúde (DSS). Fora eles, os DSS, são nossos hábitos e escolhas de saúde que determinam nossa saúde durante o envelhecimento.

Portanto, sempre coloco para estes pacientes esta reflexão, que antes de pensar se o envelhecimento é algo triste ou não, que o envelhecimento pode acontecer de muitas maneiras e cabe a cada um de nós decidir como vai trabalhar seu processo.

Mas é bom lembrar da frase simples da filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) que escreveu o livro A Velhice: “viver é envelhecer, nada mais”.

Se “é triste envelhecer”, fazendo analogia com a frase de Beauvoir,  então “é triste viver”? Será?

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Quando os escuto, conto a eles o caso de uma paciente que também me gerou muitas reflexões. Cuidei dela em sua casa e durante a internação, onde passou seus últimos momentos até falecer. Ou seja, o estágio final deste envelhecimento tão temido por muitos. Em uma reflexão própria, penso que aqueles pensamentos na fase final e as conversas que estas pessoas têm são um reflexo de como viveram sua vida.

A senhora em questão foi internada aos seus 97 anos. Logo após comunicar seus quatro filhos sobre a gravidade de seu quadro e o risco de óbito nas horas subsequentes, ela recebeu o maior número de visitas que já vi em relação a outras situações semelhantes. Isso me chamou muita atenção.

Quando entrei em seu quarto para avaliar se estava confortável e sem sofrimentos, me deparei com um quarto cheio, estavam lá, filhos, noras, netos e bisnetos. Todos me agradeceram por estar cuidando dela, cada um deles preocupado com seu conforto e neste momento de fragilidade me contaram como sua bravura possibilitou a toda família uma vida melhor.

Me falaram que ela ficou viúva aos 40 anos e que lutou muito para criar 4 filhos, possibilitando que cada um deles se sobressaísse em sua carreira. Ela manteve uma família unida que só cresceu a cada dia mais. Ao olhar para minha paciente no final de seu envelhecimento, não tinha um único sentimento de pena por ela, mas sim admiração. Vi uma mulher que viveu sua vida de forma plena, que aproveitou cada fase de sua vida e, ao final dela, estava cercada por todos aqueles que a sua vida impactou.

Como já citei em outros textos, vejo que o envelhecimento é a história das perspectivas, cada fase da sua vida apresenta suas alegrias e suas dificuldades. Cada indivíduo deve escolher como encarar este processo, alguns entendem como algo triste, se prendendo apenas às dificuldades e sem enxergar as felicidades, porém tenho como objetivo pessoal aprender com o exemplo da minha saudosa paciente.

Viver cada fase de minha vida aproveitando ao máximo suas alegrias, construir durante esta caminhada coisas para mim significativas e me despedir desta jornada empolgante com a certeza que vivi intensamente.

Foto: arquivo Portal do Envelhecimento


Davi Wei Ming Wang

Médico pela Universidade Federal de São Paulo. Residência em Clínica Médica na (Unifesp/EPM). Programa de Residência Médica, Pós na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP): Programa de Residência em Geriatria, junto ao Departamento de Clínica Médica. Médico voluntário do Proter (Programa Terceira Idade do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Médico assistente nos hospitais: Hospital Israelita Albert Einstein/ Hospital Sírio Libanês/ Associação Beneficente Síria - Hospital do Coração (HCOR). Atua com os seguintes temas: Promoção de saúde e envelhecimento saudável; Tratamento de dores crônicas associadas a condições osteodegenerativas; e Queixas de memória. Instagram: https://www.instagram.com/dr.daviwang/

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