É possível reconhecer a Envelhescência?

“Envelhescência na Mídia Impressa Feminina” foi o tema abordado pela jornalista e mestre em Gerontologia Karen Grujicic Marcelja e pela antropóloga Vera Lúcia Valsecchi de Almeida, no Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento – NEPE, realizado no dia 26 de setembro, na PUC-SP. O evento, aberto ao público em geral, é promovido mensalmente pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia.

Sonia Cristina Rovaris *

 

Karen Grujicic Marcelja chamou a atenção do público sobre envelhecer num “país jovem”, cujas mudanças acontecem com muita celeridade e o ontem se torna obsoleto, criando desejos que precisam ser alimentados de forma contínua, como a supervalorização da beleza e da força física, que estimula o consumo inesgotável das pessoas, ao mesmo tempo em que elas tem livres escolhas e tornam-se reféns do mercado que anuncia as diversas formas de se ter um envelhecimento ativo que tendem negar a velhice.

Neste contexto, estão as pessoas da meia idade, que não são nem adultos e nem velhos, mas que se encontram no período de “envelhescência”, terminologia utilizada por Mario Prata numa crônica para definir a fase que antecede a velhice: “Sempre me disseram que a vida do homem se dividia em quatro partes: infância, adolescência, maturidade e velhice. Quase correto. Esqueceram-se de nos dizer que, entre a maturidade e a velhice (entre 45 e os 65) existe a envelhescência. A envelhescência nada mais é do que uma preparação para entrar na velhice”.

Esta forma descontraída do cronista para chamar a atenção na preparação dessa nova etapa de vida, enfrenta o assédio dos meios midiáticos que assumem papel de protagonismo central, ao anunciarem continuamente métodos para tratamento e prevenção no retardamento da velhice, utilizando, muitas vezes, de imagens manipuladas para representar um modelo ideal da velhice.

Os anúncios desses métodos atinge todos as fases da vida, mas a venda de uma imagem ideal de velhice aparece como se envelhecer fosse sinal de doença. Num país que viveu por muitas décadas compostas por jovens, e ao se deparar com um aumento progressivo da expectativa de vida – cuja chance de envelhecer é a maior em toda a história da humanidade -, gera grandes implicações no indivíduo, na família e na sociedade.

Políticas e direitos

Por outro lado, percebe-se que nas políticas públicas são poucos os serviços oferecidos para pessoas classificadas como idosas. O mesmo acontece no âmbito legal, que ainda não supre a necessidade de compreender a complexidade do que é garantir direitos sociais às pessoas idosas. O Estatuto do Idoso – que após sete anos tramitando no Congresso foi aprovado através da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 -, atribui dever à família, à sociedade e ao Estado na efetivação de direitos. A realidade nos mostra porém que todo o cuidado com o idoso recai sobre a família, mesmo havendo um decréscimo de cuidadores familiares decorrentes da queda da fecundidade e da participação da mulher no mercado de trabalho, como também o Estado vem restringindo sua participação no desenvolvimento de políticas de proteção social, numa visão de propostas neoliberais.

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Assim, a velhice ainda não sendo legitimada em seus espaços de vivências, a busca por estratégias que ‘escondem’ ou retardam esta fase de vida, são encontradas facilmente nos meios midiáticos. A forma como a mídia “vende” a imagem da velhice metaforicamente se pode associar com a preparação de Shrek para assumir a vida real no filme infantil “Shrek Terceiro”. O personagem tem uma aparência brutal, feia, que para ser apresentado ao público como novo herdeiro do reino passa por transformações, utilizando de produtos e acessórios que o modelam em um príncipe. Acontece que as transformações realizadas dificultavam seus movimentos e, durante sua apresentação à côrte ocorre o inesperável: seus acessórios (cinto, sapatos) se soltaram, atingindo o público presente na festa que, assustados com a imagem, esvaziaram o local. Só depois dos acontecimentos é que Shrek, mesmo com sua imagem “monstruosa”, é aceito no reino, reconhecendo sua capacidade de se relacionar com as pessoas.

Também espera-se que o processo de envelhecimento encontre na sociedade sua aceitação, não como modelo social de velho, construído em oposição ao de jovem, mas como um processo inerente a todos os seres vivos consequente de mais uma etapa da vida, sem estar associado a uma classe de desfavoráveis e de limitações, caracterizado como um estado patológico e valoradas pelas aparências.

Neste contexto, se faz necessário reconhecer a importância da preparação para a etapa da velhice, tal qual a preparação para a chegada de um bebê. Neste último caso, essa etapa se inicia com compras de enxovais, berço, criação e adaptação de um espaço seguro na casa. Quando a criança começa a engatinhar, caso exista possibilidade de queda em escadas ou janelas, são tomadas meios de prevenção para evitar situações adversas, assim também ocorre na preparação com o início das atividades escolares, com o adolescente na entrada no mercado de trabalho, e o adulto na constituição de um novo espaço familiar etc.

Na velhice, a situação está posta e pronta. Dificilmente há um reconhecimento que nesta fase também se faz necessário preparação com readaptações de espaços e redimencionamento de práticas que respeitem as diferenças, as limitações de cada idade, ou seja, as “incompletudes da existência humana”.

Este comportamento está ligado à dificuldade de aceitarmos mudanças ou perdas daquilo que conquistamos, as pessoas tendem a se preocupar com perdas ou trocas de espaços, principalmente quando estes novos espaços não despertam a atenção do “espetáculo coditiano”. Ao arriscar uma analogia de perdas, pergunta-se: por que de quando crianças perdemos os dentes de leite e aceitamos a situação, mesmo que aquela condição não seja nada favorável, nem na estética e nem na mastigação? Será que a aceitação ocorre mais fácil por ser uma perda temporária ou por que vem rodeadas de contos de fadas ou superstições que nos trazem outros benefícios? Ao extrair o dente a criança o lança em cima do telhado a fim de que nasça outro sadio ou coloca de baixo do travesseiro esperando que a fada traga em troca moedas.

Como podemos começar a exercitar o desapego de perdas, o reconhecimento de conquistas, entendendo a capacidade e as limitações em cada fase da existência humana?

Referências

CONCONE, Maria Helena Villas Bôas. Debate: Medo de ser ou de parecer. Revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 19-44.Disponível Aqui. Acesso em 8 de outubro de 2012.

PRATA, Mario. Você é um Envelhescente? Disponível Aqui. Acesso em 8 de outubro de 2012.

* Sonia Cristina Rovaris é assistente social do Ministério Público Estadual da Bahia, mestranda em Gerontologia da PUC-SP. E-mail: [email protected]

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