Professor de Ciência do Comportamento da Faculdade Paulista de Medicina. Membro das sociedades Nacionais e Internacionais de Medicina Psicossomática: American Psychosomatic Society; Japanese Psychosomatic Society. Ex-professor de Medicina Psicossomática da Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa. Ex-presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática. Ex-Diretor do Instituto de Grupoanalise da A.P.P.A.G.
Dr. Miller, paulista de Jaú, nasceu no dia 23 de maio de 1918. Formou-se no ano de 1942 na Faculdade da Universidade do Brasil. É professor de Ciência do Comportamento da Faculdade Paulista de Medicina, faz atendimento de psicanálise em sua clínica e dá aulas para grupos de médicos e psicólogos, em psicoterapia analítica.
Conversar com Dr. Miller foi uma grande honra. Apesar de muito ocupado, Dr. Miller se prontificou a me receber em sua clínica, durante um intervalo de trabalho. Nessa tarde (começo de noite), pude saborear suas palavras, seu conhecimento e seu jeito firme e macio de entender a alma humana. Eu queria ouvir mais, mas Dr. Miller tinha um grupo de 10 pessoas para atender e sua sala já estava organizada para recebê-los.
Envelhecimento
Nós somos muito complicados.
Quando uma pessoa envelhece, se ela teve desde a infância carinho, afeto, ela tem dentro dela um aumento de hormônios que estimulam a libido, o prazer, a pulsão de vida. Vou te dar um exemplo: Estamos convictos de que os conflitos gerados nos períodos de molde[1] geram sentimentos de abandono, e este é o motor da criatividade, das fantasias inconscientes agressivas; as quais acabam gerando, no futuro, sentimentos culposos.
Esses sentimentos culposos causam várias doenças, como os distúrbios de comportamento, neurose de êxito e angustia vital. Quanto mais agressivos tiverem sido: o ambiente, família e a escola, nos períodos de molde, maior será a dificuldade da criança em adquirir a paz de espírito tão almejada. As crianças ressentidas com os pais irão elaborar secundariamente as fantasias inconscientes agressivas e com isso terão muita dificuldade em alcançar a felicidade.
Nós, psicanalistas, temos poucos pacientes nos quais podemos observar o comportamento assassino, decorrente de traumas nos períodos de molde, mas o suficiente para entendermos a mente assassina. É importante o indivíduo procurar conhecer cada vez mais suas fantasias inconscientes, causadoras de culpa, porque, vivenciando-as, através da psicanálise, o indivíduo torna-se cada vez mais sem defeitos e, portanto, com maiores períodos de felicidade.
O estudo de 4.269 nascimentos, feito por pesquisadores de Los Angeles e da Dinamarca, chefiado por Grotstein, professor de psiquiatria em Los Angeles, mostrou que crianças rejeitadas pelas mães e que tiveram também traumas de nascimento, tinham grande chance de cometer assassinatos violentos. Os estudos orientados por Mednick (1994) vieram confirmar, portanto, as nossas observações clínicas – a importância do amor e da segurança nos períodos de molde.
Escrevemos um livro de psiquiatria em inglês, prefaciado pelo Dr. Grotstein; Ele fez um estudo com os psiquiatras, sobre esses 4269 nascimentos. A mulher mãe, que rejeitava o filho no primeiro ano de vida, aos dezoito anos, este filho poderia cometer um assassinato. Isso prova a importância das descobertas de Freud, mostrando a importância da infância. Mas foi Melane Klein, que deu uma reviravolta total na Psicanálise. Vendo as crianças brincarem, ela descobriu que elas tinham fantasias tremendamente agressivas. Quando você vê crianças loirinhas, bonitinhas, de 2 ou 3 anos de idade, dentro delas existe fantasias extremamente assassinas. É duro admitir isso, mas é a verdade, é o que o inconsciente apresenta.
O inconsciente mostra que quem nasceu bem, quem teve pais felizes, ego forte, libido, tem uma saúde melhor e pode tranqüilamente ir até 90 anos de idade. O individuo que tem libido, que tem instinto de vida forte, sabe escolher a própria mulher para casar, não vai se casar com uma mulher psicótica. Outrossim, ele pode escolher uma profissão que ele goste, porque a coisa mais importante do mundo é ter prazer no trabalho.
Quando lhe perguntei se trabalhava muito, respondeu-me:
– Tenho muito prazer no que faço.
E completou em tom poético:
– “Não vos peço a miséria aborrecida,
Nem riqueza tamanha que me tente
Dai-me Senhor o necessário à vida
Estarei contente”
Aposentadoria
Eu sou contra a aposentadoria do indivíduo. Tive dois amigos, pesquisadores da Escola Paulista de Medicina; dois colegas fantásticos. Quando eles fizeram 70 anos, foram aposentados compulsoriamente. Isso não deveria acontecer. Quando um sujeito tem muita experiência no trabalho, só o consultório é pouco. Ele tem capacidade de fazer mais. Por isso eu sou contra a aposentadoria. Se o sujeito vai se aposentar, precisa fazer outra coisa, mas tem que ser algo que goste.
Estou com 89 anos e ainda trabalho bastante. É muito bom poder trabalhar como eu, até esta idade. Daqui a pouco vou atender um grupo de 10 pessoas (grupo de análise). Eu tenho prazer em fazer isso. E quando vai tudo bem, melhor ainda, eu me sinto com saúde. Isso é importante, faz o indivíduo ter prazer de viver e quem tem prazer de viver, tem mais saúde.
Dr. Miller abre seu livro, “Felicidade, Equidade e Fantasias Inconscientes”, folheia calmamente e quando encontra citações importantes, fixa o olhar naquela página e lê para mim. As leituras são emocionadas. Algumas vezes ele pára porque a voz fica embargada pela emoção. Eu pergunto se ele quer que eu leia e ele diz que não. Recupera a fala, “respira fundo” e continua.
E assim ele começa suas citações:
Neste livro “Felicidade, Equidade e Fantasias Inconscientes”, faço citações de escritores que eu as considero importante.
“Deus colocou em nossos corações uma tocha que cresce com a experiência vital e principalmente com o conhecimento do inconsciente; é pecado deixar extinguir essa tocha, e enterrá-la entre as cinzas”. Finalmente com a calma de Tagoreao encarar o chamamento da morte, ele dizia:
“No dia em que a morte bater à tua porta,
Que lhe hás de oferecer?
Porei diante do meu hóspede o vaso cheio
Da minha vida.
Não o deixarei partir com as mãos vazias”
Ao exorcizar todos os objetos maus adquiridos na infância, nos períodos de molde”.
A gente pode cantar com os Huexotzindos, dos México3:
“Io assi he de irme
Como las flores que me perecieron
Nada quedará en mi nombre
Nada de mi fama en la tierra
Al menos flores, al menos cantos.
Para um bom envelhecimento:
Ter uma família feliz é importante, porque na velhice, se ele fez a família feliz, ele vai encontrar o apoio dela. Se o indivíduo, sendo normal, ele vai escolher uma mulher normal independente da época. Infelizmente a maioria dos casais é infeliz por causa dos erros na educação.
Professor Miller, dá para consertar algumas coisas?
Fazendo terapia analítica dá para consertar. Pelo autoconhecimento. É muito difícil um tolerar o outro, é preciso muita paciência e tolerância no casamento e as pessoas não têm.
E completou:
Eu acho essa poesia de Dinamor, formidável:
“Quem recebe de nascença
Uma cabeça que pensa,
Um coração para amar…
é feliz por toda da a vida
Tem riqueza garantida,
Tem tudo que desejar”.
Felicidade
Para alcançar a felicidade, ou melhor, momentos de felicidade, porque é difícil sentir-se feliz por muito tempo, é necessário ter tido um bom período demolde ou então consegui-la por meio da psicanálise, porque felicidade é inversamente proporcional ao sentimento de culpa (na maioria das vezes inconsciente).
A primeira condição importante é que a família tenha orado para que a constelação cromossômica tenha sido satisfatória no momento da concepção, isto é, tenha categoria para produzir um ego forte e que não tenha herdado aspectos ruins dos antepassados.
A segunda condiçãoé que os pais tenham casado por amor. Acho isso indispensável porque está provado que a mãe que não quer um filho e engravida, esse filho tem maior tendência de desenvolver uma esquizofrenia. Por isso é que os pais têm que casar por amor; mas um amor amadurecido, tanto genital, como sexual. Tenha harmonia intelectual, equilíbrio sentimental, segurança social, e para que se mantenha acesa a chama desse amor tem que saber transmiti-lo.
A terceira condição: que tenha tido gestação, lactação e parto normais, e isso é muito difícil. Os primeiros 6 anos de vida, principalmente o ano de lactação são os chamados períodos de moldee tem importância no desenvolvimento da personalidade para que se torne integrada.
A quarta condição: que seu ambiente familiar tenha sido sadio, favorável. Hoje em dia é indispensável o equilíbrio da família. Deverá ser sadio para neutralizar todas as fantasias inconscientes de agressividade, de inveja, de assassinato, de justiça, etc.
A quinta condição: não ignorar o Homo mythicos ou phantasiosus. Com seu ego forte e alicerçado com boas personificações, o Homo erogenus irá se identificando com maior quantidade de objetos bons (com ou sem tratamento psicanalítico), motivo pelo qual estará em melhores condições para enfrentar as vicissitudes e adversidades, comuns durante toda a sua existência e, acima de tudo, saberá amar tanto seu cônjuge como seus filhos, amigos e ainda seu trabalho.
Para que a mensagem antitanática contra a destruição do mundo seja compreendida é necessário que o Homo erogenus observe a natureza, até nos seres inferiores, pois eles são capazes de reconstruir ou de regenerar partes lesadas do corpo; todavia, quanto mais evoluímos na escala zoológica, mais difícil se torna essa regeneração, entretanto, a natureza nos dá outros meios de reparação, haja vista, o feto do canguru, que, sendo expulso do útero, volta à bolsa para continuar a sua evolução.
Eros é algo forte que deve ser fomentado e apoiado em sua batalha contra o instinto de morte, que é sorrateiro, sagaz, astuto, matreiro e, sobretudo traiçoeiro, levando à auto destruição; o indivíduo deve fazer esforço consciente para conter a agressividade; todavia ele é muitas vezes inconsciente, mas não se deve desanimar, pois o esforço consciente ajuda a fortalecer o ego, tal como a penitência e o jejum reforça a fé cristã.
A agressividade sempre existirá. Não se devem confundir a agressividade construtiva, libídica, positiva, com a agressividade destrutiva, tanática, negativa. A agressividade que existe nas comunidades é muito forte. Acho que como velho eu posso dizer, é a experiência que eu tenho que a humanidade é psicótica. Existe gene normal, mas, mesmo os normais, têm um pequeno núcleo psicótico. Os líderes políticos são todos psicóticos e eu tenho um trabalho que fala a esse respeito.
A maioria dos indivíduos tem neurose obsessiva. Por exemplo: bater na madeira para tirar o azar, isto é doença mental, é neurose obsessiva. A maioria dos políticos é obsessiva, nós estamos na mão de psicóticos que dirigem a humanidade. É um absurdo!
A situação dos velhos no Brasil
Atualmente, os velhos estão procurando trabalhar mais, ter uma atividade. Ficar dentro de casa em conflito com os filhos e com a mulher é muito ruim. Existe também o lado financeiro que é importante. Eles têm que se manter e manter a família.
Eu sou contra a mulher trabalhar o dia inteiro quando tem filhos. A mulher deveria trabalhar meio período e ficar meio período com os filhos. Quando eu falo isso em congresso, as psicólogas ficam muito bravas. Elas querem trabalhar, eu sei, mas a experiência que eu tenho é isso; toda mãe que trabalha em tempo integral, tem filhos que não estão bem.
A saúde no envelhecer
A medicina está muito cara. E o brasileiro também tem muita mania de remédio. Consome muito remédio. A nossa alimentação é muito ruim, é muita fritura, é uma questão de hábitos alimentares errados.
A religião
Não vamos falar de religião porque o psicanalista é a favor de todas as religiões. A origem da religião é o medo. Quando o homem primitivo saiu da caverna ele tinha medo. O medo do abandono é o que leva à religião. Buda, Jesus Cristo, Moisés, Maomé, são todos iguais, são bons. Tudo que eles disseram era bom, só que os adeptos não seguem religião nenhuma. O problema não é a religião, é o ser humano.
Estou de acordo comGoethe:“O que seria do mundo sem o amor”. Exatamente a lanterna mágica sem luz: Nada! e com Bertrand Russel: “A vida deve ser inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento”.
E o velho que tem essa capacidade, de continuar com prazer de trabalhar, com o prazer de ler, com o prazer de orientar os filhos, os netos e os bisnetos; é muita felicidade.
E completou:
“Há pessoas que nascem com um rouxinol no coração e, por mais vagabunda que seja a gaiola, o passarinho sempre canta” ( R. Bazin)
[1] Cf. PAIVA, Luiz Miller de. Felicidade, equidade e fantasias inconscientes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1999.