Cuidemos de nossos velhos. Cuidemos de nós

Estamos vivendo e construindo um capítulo inesquecível na história da humanidade. Que nossos velhos estejam, no maior número possível, presentes em suas páginas. Cuidemos de nossos velhos, cuidemos de nós próprios. Vai passar!


O mundo tem enfrentado um inimigo invisível aos olhos que demonstra uma característica bem peculiar: ele mata com muito mais voracidade os velhos. Velhos, no sentido cronológico da palavra, com mais anos vividos desde o nascimento. Ainda que os mais jovens também estejam morrendo e sendo vítimas deste que é o mal do século (ou dos séculos, já que não se tem até o momento, comprovação científica de qual seria a cura), que se quer pode ser visto a olhos nus, o número de velhos mortos é ainda muito mais expressivo pelo mundo afora.

Este inimigo oculto não respeitou fronteira alguma. Foi se difundindo pelo mundo sem se saber se o fez de primeira classe ou em apertados bancos da classe econômica nos grandes aviões, se em porões ou convés de navios, se esteve em embarcações de carga ou só de passageiros.

O que se tem praticamente certeza é que andou muito de transportes públicos e também em carros particulares ou compartilhados, que acessou casas e apartamentos apenas por repousar em maçanetas, por estar em botões de elevadores e igualmente em corrimões de escada. Não tirou passaporte algum, mas literalmente já rodou o mundo.

Não respeita classe social, escolaridade, poder aquisitivo, acesso ao sistema de saúde, não faz distinção entre países desenvolvidos ou em desenvolvimento, não se importa com posições políticas ou discursos inflamados sobre defender ou acusar quem adota esta ou aquela posição.

Ataca com toda a força de seu exército invisível e destrói de maneira letal, em um grande número de casos uma grande maioria de velhos.

Velhos, aqueles que são considerados mais vulneráveis, pelas mais incontáveis razões, que viveram muito mais e que deveriam ser vistos como os mais fortes, já que sobreviveram a tantas coisas e chegaram aonde chegaram.

Independentemente de serem vulneráveis ou de serem fortes, aqueles que viveram mais, cronologicamente, têm sido exterminados por um exército de soldados que não pode se ver, tocar, sentir, olhar de frente.

Aos soldados vistos a olhos nus, partes do pelotão inimigo e chamados de seres humanos, tem-se recomendado que lutem nesta terrível batalha contra esse grande vilão invisível munidos de máscaras, luvas, álcool gel e limpeza com água e sabão.

Igualmente, tem-se a orientação mundial de que façam parte dessa guerra protegidos dentro de suas casas, saindo às ruas o mínimo possível.

A orientação é simplesmente para que os soldados mais jovens protejam os soldados mais velhos, evitando que o exército invisível fique circulando e ataque, já que, independentemente da idade cronológica, são todos transmissores, ainda que alguns sejam assintomáticos, ou seja, ainda que um soldado mais jovem, que não se proteja e que não “sinta nada”, possa transmitir “sem querer” partículas do soldado inimigo a qualquer um, como pela saliva, pelo espirro, pela tosse, e por isso poder ser fatal se o fizer a um de seus velhos.

Ainda assim, cientes de suas responsabilidades e do que lhes é recomendado, jovens e velhos têm se posicionado indiferentes, muitas e muitas vezes. Seja de maneira consciente ou não. E numa guerra, é bom lembrar, qualquer descuido é caminho aberto para o domínio do território pelo exército inimigo.

Alguns, de fato, não têm escolhas. Pensemos, por exemplo, nos velhos que moram sozinhos, que não tem quem os ampare nesta luta. Pensemos nos jovens que estão na linha de frente desta guerra e que têm os seus velhos por perto. Pensemos naqueles, jovens e velhos, que estão em situação de rua por motivos a que nunca deram causa e que nesta situação têm menos escolhas ainda.

Não é uma rotulação simplista que vai resolver e nem determinar se estamos realmente todos fazendo a nossa parte nesta guerra. Não é uma posição política. Não é o acesso ao sistema de saúde pela esfera privada ou pública.

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Aos próprios médicos não tem havido muitas oportunidades de escolha, já que a falta de aparatos tecnológicos têm exterminado vidas em países ditos desenvolvidos, como na Itália, por exemplo, onde mais de 8.0000 pessoas já morreram porque os profissionais da saúde simplesmente não tiveram como agir diferente e muitos velhos foram deixados à mercê da morte.

Famílias e amigos, independentemente da geografia, se quer estão podendo se despedir dos seus velhos (e por vezes de seus jovens também). Não há velórios, não há enterros e a frieza da tecnologia, quando disponível, tem sido o calor do acolhimento e o afago da despedida, já que, quando muito, doentes estão vendo pela última vez os seus entes queridos por chamadas de vídeo.

Não sabemos ainda como isso tudo vai se findar ou quanto tempo vai levar, quantos ainda vão morrer ou adoecer.

Impossível se ter ideia do que esse grande número de mortos pelo mundo afora vai significar em termos de número de velhos, em qualquer país do mundo. O Brasil, por exemplo, será ou seria o 5º país do mundo em número de velhos. Ninguém sabe ainda responder.

Inimaginável, por hora, os impactos e as consequências disso tudo com relação à economia, às políticas públicas, à necessidade (ainda que tardia) de serem revistos protocolos de todas as ordens.

Todavia, uma certeza já temos: quando morrem nossos velhos, morre uma parte relevante e infinitamente significativa de nossas histórias.

Por isso, outra certeza também já podemos ter: não é momento de rotular, de distinguir, de se desesperar, de deixar a “peteca cair”.

É momento de proteger aqueles que construíram tanta história o máximo que pudermos, de nos preservarmos em igual dimensão para que a cronologia do tempo nos permita chegar um dia perto dos anos que todos eles viveram e acima de tudo, de ressignificar, de ter empatia, de solidarizar, de buscar melhorar enquanto ser que vive para que se tenha a dignidade de ser chamado de humano.

Estamos vivendo e construindo um capítulo inesquecível na história da humanidade. Que nossos velhos estejam, no maior número possível, presentes em suas páginas.

Cuidemos de nossos velhos, cuidemos de nós próprios. Vai passar!

Foto destaque: Gustavo Fring


Natalia Carolina Verdi

Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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