Sexualidade na velhice e suas abordagens

O senso comum ainda vincula a velhice à ausência de vida sexual e passa a ideia de que o comportamento de homossexuais está pautado na promiscuidade e na vida sexual abundante.


A sexualidade na velhice é abordada nos grupos em que as pessoas idosas frequentam? A resposta é não. Em pleno século XXI, o assunto ainda é um tabu e muito pouco discutido. Paira, todavia, no imaginário social, que ao se envelhecer, a sexualidade acaba. Mero engano, o longeviver é uma contínua adaptação da vida às tantas condições que esta impõe e um deles é o sexo, que vai se adaptando dentro de uma vida sexual, tão prazerosa quanto foi em outras etapas da vida, experimentadas de forma diferente pelas pessoas com mais de 60 anos.

Ainda existem muitos preconceitos a respeito da sexualidade na maturidade. Para muitos, os mais velhos não têm libido e sua sexualidade é inexistente. Mas contradizendo o senso comum, a velhice é um período pleno de desenvolvimento, construção, aprendizado e vínculos. Além do mais, a libido não tem sexo, e se expressa por meio do autoerotismo, heterossexualidade e homoafetividade.

Numa busca rápida no Google sobre o tema, a fim de saber como a mídia vem abordando a questão, deparei-me com uma revisão bibliográfica a respeito dessa temática publicada na revista “Mais 60 – Estudos sobre envelhecimento”, do Sesc SP, em maio de 2017, escrito por Cristina Riscalla Madi, Jessica L. Gomes e Thais G. Louzada. As autoras se propuseram a analisar como a sexualidade e a velhice têm sido abordadas na revista – desde sua primeira edição em 1977 até o primeiro semestre de 2016 (27 anos), ou seja, 64 edições pesquisadas. Destas, foram selecionados 12 artigos, os quais trataram a sexualidade e seus aspectos como tema central.

Fiquei curiosa e me detive nessa leitura, a qual gostaria de compartilhar com nossos leitores uma síntese, a começar pelas questões relacionadas às perdas que acontecem nessa etapa da vida e que são percebidas como impedimentos e barreiras para a vivência do desejo, porque um dos conceitos ligados à sexualidade se limita ao ato sexual e às relações genitais. Não levam em conta que o desejo e a libido não têm idade, e estão presentes da infância à velhice. Vamos à síntese:

1 – Os mais jovens e os mais velhos têm mais facilidade de superar a rigidez da sexualidade normativa do que os adultos: Os jovens ainda estão descobrindo a sua sexualidade e os mais velhos não sentem necessidade de corresponder a uma demanda social instituída pelo casamento de reprodução.

2 – Na atualidade ainda a mulher é vista para fins de procriação, mas que na maturidade  a tendência é a mulher viver com mais liberdade a sua sexualidade, tendo em vista que as preocupações em ser uma mulher sensual, sensualizada, objeto de desejo, se acabaram, embora muitas ainda se sintam fora dos padrões sociais de valorização da sexualidade, por não serem mais jovens e não procriarem mais. Afinal, a sexualidade se refere ao corpo todo, aos prazeres de todos os sentidos.

3 – O passar do tempo submete ao corpo mudanças inevitáveis, e o corpo que vai se modificando será o companheiro de toda a vida do indivíduo. Com o tempo o indivíduo aprende a julgar o que pode ser bom ou ruim e fazer escolhas. Daí a importância da autoavaliação como um excelente meio para conscientizar-se das limitações corporais.

4 – Dificuldade de aceitação do envelhecimento e, consequentemente, a percepção cultural de que a atividade sexual não combina com idosos. Preconceito que impacta mais as mulheres que se deparam com diversas questões relativas à sua sexualidade desde a puberdade, a reprodução, e a velhice, esta com a chegada da menopausa.

5 – Com o envelhecimento o indivíduo pode diminuir as suas atividades sexuais, mas isso não impede uma vida sexual gratificante, com um bom nível de satisfação para consigo mesmo e para com a própria vida, embora haja ainda uma visão errônea e limitada da velhice, que percebe o desenvolvimento humano até determinada etapa e, posteriormente, apenas a estagnação ou regressão. Nesse sentido, a sexualidade das pessoas idosas é tema contaminado de preconceitos, até mesmo pelos próprios velhos.

6 – A preparação da velhice no meio da fase adulta é importante, pois um bom planejamento será vital para vivenciar a etapa que se segue, já que a existência da sexualidade é negada ao velho pela sociedade. Também é importante para que possam entender que as mudanças que ocorrem no corpo durante a velhice são naturais, sobretudo no que diz respeito ao declínio do aparelho reprodutor. Preparar-se para descobrir novas formas de encontrar prazer, já que esta não é dada apenas pelo ato sexual da penetração, é urgente.

7 – A aceitação da sexualidade na velhice é relativamente um fato novo, tendo como base as questões morais que nortearam a crença de que não existe sexo nessa etapa da vida. Por isso as pessoas idosas ficam constrangidos quando o assunto é sexualidade. Apesar disso há um grande interesse por falar dessas questões e assim derrubarem os mitos existentes. Além disso, a dança exerce uma função aproximativa entre os casais.

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8 – A importância do toque desde o nascimento até a velhice é vital, pois a carência afetiva e a solidão fazem com que a pessoa idosa se feche em seu mundo, não se sentindo no direito de ter uma vida plena de prazeres e alegria.

9 – Mesmo que na atualidade o tema da sexualidade na velhice é debatido de maneira mais ampla, o assunto ainda é tratado como tabu ou mito. No entanto, não é em função das mudanças corporais que o indivíduo abdicará do seu prazer sexual, até mesmo porque é possível encontrar novas formas de expressão sexual para atingir o prazer.

10 – Os homossexuais “coroas” focam mais nas questões positivas que essa fase pode proporcionar, aproveitam o máximo as oportunidades, estão mais abertos a se redescobrirem e cuidar do seu corpo. Para grande parte dos homens gays o importante é viver o presente, principalmente no que se refere à realização do desejo sexual. Mas quando atingem certo nível de maturidade, o intenso desejo sexual costuma diminuir, até mesmo em função de outras preocupações relacionadas à velhice, possibilitando até uma reedição da realização do prazer, que pode estar além do ato sexual.

11 – Masculinidade e feminilidade não estão restritas a aspectos anatômicos, boa parte da narrativa está baseada nas consequências da menopausa para as mulheres “maduras”. Mas a maior parte das mulheres faz uma relação direta entre as modificações trazidas pelo envelhecimento e a perda dos atrativos sexuais. Não existem regras sexuais definitivas, mas regras sociais que conduzem os pensamentos e os comportamentos para cada época e cultura.

12 – O controle da vida sexual dos idosos em instituições, exercido tanto por familiares quanto por profissionais, é uma violência, já que a pessoa idosa é considerada assexuada, e sua sexualidade é vista como secundária.

As autoras assinalam que para melhor compreensão das questões da sexualidade e do envelhecimento, é preciso enfrentar as questões relativas ao senso comum, a força de mercado da indústria farmacêutica e as próprias pessoas velhas e seu entendimento da associação de sexo com obrigações. O senso comum vincula a velhice à ausência de vida sexual e passa a ideia de que o comportamento de homossexuais está pautado na promiscuidade e na vida sexual abundante.

Artigos analisados pelas autoras

Serviço
A revista  é uma publicação multidisciplinar, editada pelo Sesc São Paulo, de periodicidade quadrimestral, e dirigida aos profissionais que atuam na área do envelhecimento. Tem como objetivo estimular a reflexão e a produção intelectual no campo da gerontologia, seu propósito é publicar artigos técnicos e científicos nessa área, abordando os diversos aspectos da velhice (físico, psíquico, social, cultural, econômico etc.) e do processo de envelhecimento.
ISSN 1676-0336
A revista aceita artigos de forma contínua
Para saber mais enviar e-mail para: [email protected]


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Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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