Cuidadores formados pelo Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento em rodas de conversa falaram sobre uma espécie de ‘solidão’ frente às questões que se apresentam na desafiadora tarefa de cuidar, especialmente de idosos mais fragilizados, com falta de interlocução entre a família, médicos e outros cuidadores. Esta realidade nos instiga a refletir sobre a falta de apoio e troca entre os profissionais e seu entorno, ligada, em parte, com à falta de legislação que promoveria sua organização e interlocução.
Vera Brandão *
O tempo passou. O trabalho de cuidador de idoso é ainda considerado uma ocupação, regulamentada pelo Ministério do Trabalho (1), mas que ainda tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (4702/12), já aprovado pelo Senado, que busca regulamentar a profissão.
Aliado a esta indefinição, o horizonte do mercado de trabalho mostra-se desfavorável, de modo geral, afetando significativamente as famílias que têm idosos a seus cuidados, o que gera dispensa ou a não contratação destes profissionais.
O Programa de Formação de Cuidadores de Idosos Cuidar é Viver, do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe), realizado desde 2011 em parceria com a Danone NutritionCare capacitou, até o momento, 700 cuidadores, sendo 55% mulheres e 45% homens.
Qual seria a realidade deste grupo que se capacita para o cuidado diferenciado aos idosos, no panorama do crescente envelhecimento, como proposta na formação do Programa Cuidar é Viver?
Buscando mapear este universo convidamos os cuidadores formados, por meio de contato telefônico, para um dos três encontros realizados no mês de agosto com objetivo de verificar o grau de empregabilidade, a faixa salarial, os desafios cotidianos da prática, abrindo também espaço para dúvidas e sugestões de temas para cursos de atualização.
Os encontros seguiram o formato de Rodas de Conversa, atividade que permite a livre expressão dos participantes, troca de experiências e levantamento de pontos relevantes e desejáveis ao aprimoramento profissional.
Importante salientar que do universo de ex-alunos um número significativo não foi encontrado, pois grande parte não tinha e-mail de contato e os números de telefones, celulares na maioria, não eram mais os mesmos. No entanto, muitos dos contatados não participaram por estarem trabalhando no horário do encontro e não conseguiram folga.
Como o objetivo era levantar uma amostra deste universo, foram realizadas as rodas de conversa que, mesmo com pequeno número de participantes relativo ao número total de alunos, trouxe dados importantes para a reflexão dos gestores do OLHE.
Os objetivos elencados foram: promover o encontro para partilha e troca de experiências e fortalecimento da identidade grupal do profissional cuidador; levantar as experiências positivas e exitosas, e as dificuldades enfrentadas no exercício cotidiano do cuidar; avaliar o conteúdo do curso de Cuidadores de Idosos; verificar de que modo atendem as necessidades do exercício profissional; levantar temas de interesse para cursos temáticos breves; atualizar banco de dados.
Como resultados constatamos que poder falar livremente e trocar experiências sobre as diferentes questões que fazem parte do cotidiano do cuidador, foi o ponto mais relevante do encontro. Notamos uma espécie de ‘solidão’ frente às questões que se apresentam na desafiadora tarefa de cuidar, especialmente de idosos mais fragilizados, com falta de interlocução entre a família, médicos e outros cuidadores. Esta realidade nos instiga a refletir sobre a falta de apoio e troca entre os profissionais e seu entorno, ligada, em parte, com a falta de legislação que promoveria sua organização e interlocução.
Todos avaliaram o curso de formação de forma positiva e demonstraram interesse em continuar na área de atuação, sendo que os atualmente desempregados indicaram a falta de oportunidades devida ao atual momento econômico. A questão salarial foi destacada como ponto de dúvidas e dificuldades, já que sem regulamentação não existe uma faixa salarial determinada para esse trabalho, sendo que, salvo exceções, a remuneração se aproxima da oferecida para as empregadas domésticas e a maior parte não tinha um contrato formal de trabalho.
Em relação às outras dificuldades foram indicadas: a convivência com a família; descaso/abandono do idoso pela família; relacionamento com a outra(s) cuidadora(s) sobre o trabalho, com interferências, problemas nas equipes e a competição; a técnica do cuidador versus orientação da família; como lidar com as queixas do idoso e a sexualidade; e problemas relativos ao diagnóstico e cuidado dos pacientes com Alzheimer, que têm manifestações muito diversas.
Como indicações de temas para atualização destacam-se, em ordem de prevalência: Doença de Alzheimer; Dinâmica e convivência com familiares; Dilemas éticos/ últimos desejos; Como lidar com a morte do paciente? Violência contra o idoso; Quedas.
Este acervo de informações, que partilhamos para reflexão de profissionais e familiares, indica a complexidade desta área de atuação, a necessidade de formação continuada e apoio aos cuidadores, por profissionais experientes da área gerontológica, além da bem vinda regulamentação da profissão.
Nota
(1) Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) – código 5162-10.
* Vera Brandão – Pedagoga (USP); Mestre e Doutora em Ciências Sociais (PUCSP); Pos.Doc em Gerontologia pela PUC-SP. Responsável pela editoria da Revista Portal de Divulgação desde 2004. Associada fundadora do Olhe. Coordenadora da Coluna Memórias do Portal do Envelhecimento. Escreve sobre educação continuada; memória social; saúde e espiritualidade; intergeracionalidade. E-mail: [email protected]