Oportunidades extraordinárias para o estudo e o tratamento de doenças humanas são agora possíveis graças à capacidade adquirida recentemente por uma equipe de cientistas sul-coreanos de obter células-tronco a partir de embriões humanos clonados.
Ian Wilmut *
Como essas células formam todos os tecidos que constituem um adulto, elas oferecem uma chance de se estudar o desenvolvimento humano normal em laboratório, definir as anomalias associadas às doenças hereditárias e, com o tempo, talvez tratar doenças que atualmente não têm tratamento eficaz.
Além de fornecer novos meios para se estudar as doenças hereditárias, as células-tronco clonadas oferecerão tratamentos para um grande número de doenças degenerativas. Mal de Parkinson, diabete, derrame, mal de Alzheimer e lesão da medula espinhal, entre muitas outras doenças, refletem danos de células que não são reparadas nem substituídas. Não existe tratamento totalmente eficaz para nenhuma delas.
A esperança para as próximas décadas é que tratamentos se tornem acessíveis por meio do fornecimento de células ao paciente para substituir as perdidas. Podemos esperar os primeiros testes para daqui a poucos anos, mas levaremos um longo tempo para realizar todo o potencial desta abordagem.
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As células derivadas de embriões clonados representam uma vantagem única para essa terapia. Se as células forem derivadas de um embrião doado numa clínica de fertilização, elas serão quase com certeza rejeitadas pelo paciente, a menos que ele use drogas imunossupressoras.
Embora essas drogas sejam eficazes na prevenção da rejeição, elas têm efeitos colaterais significativos, entre eles o maior risco de infecção. Por outro lado, se a informação genética do paciente for usada para a produção de um embrião clonado que forneça as células, estas serão imunologicamente adequadas ao paciente.
Ao discutir sobre as células-tronco, os pesquisadores são criticados por pessoas para as quais a idéia da produção e do uso de um embrião humano é profundamente ofensiva. Visões diferentes, sustentadas com sinceridade, precisam ser reconhecidas e aceitas.
Há uma necessidade urgente de um debate sobre o que, para nós, são as características humanas críticas, assim como houve um debate equivalente sobre o fim da vida quando foram tomadas as primeiras decisões de se remover órgãos saudáveis de vítimas de acidentes com morte cerebral.
Guiada pelos médicos, a sociedade passou a aceitar que é ético desligar aparelhos que mantêm algumas funções do corpo se a função cerebral integrada não estiver mais presente no paciente. A questão fundamental envolve a natureza do blastocisto, do qual as células-tronco são retiradas. Esse embrião em estágio inicial é uma bola de células menor que um grão de areia. Não pode ser enxergado sem a ajuda de um microscópio.
Embora tenha o potencial de se tornar uma pessoa, ele carece das características humanas fundamentais da consciência e da percepção. De fato, ainda faltam várias semanas para que se desenvolva um sistema nervoso que permita que o embrião em desenvolvimento sinta dor ou esteja consciente.
É por isso que eu e outros propomos a prática da pesquisa com embriões humanos clonados. A maioria das pessoas aceita esta visão do desenvolvimento humano inicial e apóia o uso da clonagem. No Instituto Roslin, optamos por estudar a esclerose lateral amiotrófica (ELA) – também conhecida como mal de Lou Gehrig -, mas essa é apenas uma das muitas doenças hereditárias que agora podem ser estudadas desta maneira.
A ELA é uma família de doenças relacionadas que afeta as células nervosas através das quais o cérebro envia ordens aos músculos. A degeneração desses neurônios motores leva à fraqueza e à atrofia dos músculos.
Em geral, isto ocorre primeiro nos braços ou pernas – um paciente disse-me recentemente que agora perdeu o uso de seus braços. Considere o efeito desta situação: alguém teria de vesti-lo, alimentá-lo, levá-lo ao banheiro. De fato, precisaria de ajuda para quase tudo.
A ELA é uma doença implacavelmente progressiva para a qual não existe tratamento. Tipicamente, ela afeta as pessoas em torno dos 55 anos e é fatal dentro de quatro anos (a pessoa torna-se incapaz de respirar).
Milhares morrem a cada ano por causa da doença. Propomos o estudo da ELA em células humanas porque, apesar da pesquisa com animais ao longo de vários anos, a maneira como a doença se desenvolve ainda não é compreendida.
Os pesquisadores poderão trabalhar no laboratório com células novas, que serão idênticas às de um paciente, oferecendo oportunidades para o estudo do desenvolvimento da doença não disponíveis de outra maneira. Para possibilitar isso, as células serão derivadas de embriões clonados.
Em aproximadamente 10% dos casos, a ELA atinge famílias; ou seja, é hereditária. Em 20% dessas famílias, um erro foi encontrado num gene específico, mas o erro genético nos outros 80% dos casos hereditários permanece desconhecido.
A informação genética de uma célula de um paciente será introduzida num óvulo do qual a informação genética foi removida. Essa informação fornece quase todas as características das células-tronco resultantes, incluindo o fato de elas serem vulneráveis à ELA.
Desta maneira, pela primeira vez, neurônios motores afetados pela ELA estarão disponíveis para estudo. A comparação das células de um paciente de ELA com aquelas não sujeitas a essa doença fornecerá uma nova compreensão das diferenças entre as células com ELA e as normais.
O teste de novas drogas será transformado pela disponibilidade de células com ELA. Atualmente, gastam-se meses e recursos consideráveis no teste de uma única droga em animais experimentais que têm uma doença similar à ELA.
Em contraste, o estudo de drogas em laboratório será mais rápido e barato, pois centenas de testes poderão ser realizados no tempo necessário para um teste animal. A esperança imediata é que sejam identificadas drogas capazes de interromper a degeneração e permitir que os pacientes vivam vidas completas.
Deveríamos estar empolgados com estas oportunidades, pois elas têm o potencial de transformar aspectos essenciais da medicina. Qualquer um que tenha cuidado de uma pessoa com qualquer uma dessas doenças hereditárias ou degenerativas tem plena consciência da grande necessidade de novos tratamentos. As oportunidades descritas acima podem – e só podem – se tornar acessíveis com a clonagem de células-tronco.
*Ian Wilmut é professor de ciência reprodutiva na Universidade de Edimburgo, cientista visitante no Instituto Roslin, em Edimburgo, e foi o líder da equipe que clonou a ovelha Dolly
Fonte: O Estado de SP, 5/6. Reproduzido no JC e-mail 2782, de 06/06/2005. Disponível Aqui