A medida de prevenção que tem se mostrado mais eficaz até o momento para a pandemia do coronavírus que assola o mundo é não se locomover, isolar-se em casa e se cuidar, especialmente as pessoas mais velhas, grupo de maior risco.
“O envelhecimento social é o resultado de uma série de ocorrências por vezes alheias à vontade dos que nelas estão envolvidos, acarretando frequentes e desfavoráveis mudanças… Ele se instala insidiosamente, de maneira invisível, certamente em momentos de luto e tristeza… O envelhecimento social é o caminho percorrido em direção à morte social e esta é o total isolamento, a completa ausência de relacionamentos interpessoais…”, escreve a assistente social Edith Motta, em outubro de 1989, na edição 2 da Revista Terceira Idade (hoje mais60) do Sesc São Paulo.
Uma dessas vontades alheias descrita por Motta é a epidemia do Coronavírus que impõe a todos o isolamento social, especialmente a velhos e velhas. O vírus está presente em 14 estados e mais no Distrito Federal. Em São Paulo e Rio de Janeiro a transmissão já é comunitária, ou seja, impossível identificar a origem. Por isso o cuidado com os mais velhos e mais frágeis torna-se um grande desafio já que estes são mais vulneráveis à ação do vírus por causa da baixa imunidade, o que interfere diretamente no cotidiano das próprias pessoas idosas e nas políticas públicas. A mortalidade é de 3,6% na faixa etária de 60 a 69 anos, 8% nos idosos de 70 a 79 anos e acima de 14% nos octogenários, de acordo com a OMS.
Quem imaginaria que uma pandemia pudesse colocar em pauta o isolamento como prevenção quando o tempo todo o combatemos?
O coronavírus chega para “interferir nas possibilidades de envelhecimento social”, fato que “escapa a uma interferência pessoal ou familiar” (MOTTA, 1989). São as 7.074 mortes pela doença em todo o mundo, das quais 3.217 ocorreram na China, lugar de origem do coronavírus – de acordo com monitoramento da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos -, que levam os países, como o Brasil, a impor o isolamento como prevenção. A maior parte das mortes ocorre em pessoas com idade avançada e outras doenças, como hipertensão e diabetes. Daí a expressão “A doença que mata velhos”.
Para o epidemiologista britânico Roy Anderson, “O que ocorreu na China mostra que a quarentena, o distanciamento social e o autoisolamento das populações infectadas podem conter a epidemia”. Especialistas são categóricos: é preciso tomar decisões drásticas, e a primeira delas é o isolamento. Mas como solicitar o isolamento dos mais velhos quando até então toda a recomendação é justamente o contrário? O epidemiologista Miguel A. Hernán, da Universidade Harvard (EUA), e seu colega Santiago Moreno, chefe de Doenças Infecciosas do Hospital Ramón y Cajal, de Madri, afirmam ao jornal El País que “Cada beijo na bochecha da nossa amiga pode se tornar, indiretamente, o beijo da morte para sua mãe idosa”.
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Isso porque as pessoas com mais de 65 anos e com doenças preexistentes desenvolvem um quadro mais sério da doença do que os demais, e o isolamento como prevenção tem sido apontado como uma das melhores medidas de prevenção. De cuidado com o outro e consigo mesmo. O impacto disso é maior, sem dúvida, para quem mora só e não tem uma rede social muito grande, aí a solidão poderá se tornar um grande fardo (como é visto e combatido), aumentando o sentimento de isolamento dessas pessoas.
Retoma-se novamente à revista mais60, desta vez à edição n. 72 (dez/2018), que traz como tema central “idosos cuidadores”. Já em seu editorial, escrito por Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, está escrito que é possível e necessário “refletirmos que aquilo que aparece a nós como fragilidade pode ser a força da sociabilidade: ‘Nós não temos apenas cuidado. Nós somos cuidado. Isto significa que cuidado entra na constituição do ser humano… sem cuidado, deixamos de ser humanos’”, fazendo referência à visão ontológica de Leonardo Boff.
Portanto, quando se fala em isolamento social, distanciamento social ou confinamento em tempos de coronavírus como prevenção temporária, o que está em jogo é sermos ou não seres de cuidado. Assim, o isolamento social combatido outrora torna-se cuidado. E é isso que Michelle Bachelet e Filippo Grandi, dois altos comissários da ONU para direitos humanos e refugiados, em comunicado conjunto disseram ao The Guardian: “Se precisarmos lembrar que vivemos em um mundo interconectado, o novo coronavírus tornou isso evidente. Nenhum país pode resolver isso sozinho, e nenhuma parte de nossas sociedades pode ser ignorada se quisermos enfrentar efetivamente esse desafio global”. Daí afirmarem que “Além desses desafios imediatos, o caminho do coronavírus também testará nossos princípios, valores e humanidade compartilhada”.
Nesses princípios o cuidado joga um papel fundamental. Para Grandi e Bachelet, as próximas semanas e meses desafiarão o planejamento nacional de crises e os sistemas de proteção civil, e certamente exporão as deficiências de saneamento, moradias e outros fatores que moldam os resultados da saúde. Estamos colhendo o descuidado de governos por anos a fio, especialmente às “pessoas que vivem em instituições, idosos ou detidos”, pessoas mais vulneráveis à infecção e que precisam ser inseridas no planejamento e resposta a crises.
O coronavírus pede uma lição de solidariedade internacional e, segundo Bachelet e Grandi, “como reagimos a essa crise agora, sem dúvida, moldará esses esforços nas próximas décadas. Se nossa resposta ao coronavírus se basear nos princípios de confiança pública, transparência, respeito e empatia pelos mais vulneráveis, não apenas defenderemos os direitos intrínsecos de todo ser humano. Usaremos e criaremos as ferramentas mais eficazes para garantir que superemos essa crise e aprendamos lições para o futuro”.
Uma delas é anunciada por Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, ao reconhecer que a pandemia traz ensinamentos: “A minha saúde é a saúde do outro. O compromisso de todos é fundamental… A gente não está protegendo só a nossa saúde, está protegendo a saúde coletiva…Independentemente de eu ter boa saúde, tenho que evitar circular para não ser um agente de transmissão”. Essa é a atitude a ser tomada: sermos cuidado para nós e para o outro. Ou, como diz Carina Freitas: “um por todos e todos por um”, resgatando a famosa frase de Alexandre Dumas (1802-1870).
Mais vale isolar do que tratar!
O distanciamento social recomendado implica nas seguintes medidas:
– Isolamento familiar temporário para todos.
– Restrição de contato social para pessoas com 60 anos ou mais e que apresentam comorbidades.
– Não cuidar de netos, pois nas crianças o coronavírus tem se apresentado de forma leve e a letalidade é muito baixa; enquanto no idoso com mais de 80 anos e comorbidades, a letalidade é em torno de 15%.
– Familiares ou acompanhantes com diagnóstico positivo de COVID-19 não devem ter contato com pessoas idosas.
– Evitar ir a exame marcado, a não ser que seja essencial para o cuidado de alguma doença.
– Evitar ir a supermercado ou mercearia da esquina de casa.
– Evitar fazer visitas a familiares e amigos. Nem receber.
Cuidando do outro que está só: corrente solidária
Está correndo nas redes sociais uma corrente que reproduzimos parte dela a seguir, por considerarmos que ela seja um cuidado, encaminhada por Marília Duque[1], e dirigida especialmente aos idosos que vivem sós, a fim de que eles não tenham que passar por esse sentimento de solidão sozinhos:
A ideia é simples: ter uma pessoa no WhatsApp que vai funcionar como um anjo da guarda, um verdadeiro ponto de apoio para idosos que moram sozinhos. A ideia pode ser aplicada em qualquer lugar do mundo. Mas é importante fazer como o vírus e começar com as pessoas com quem você tem contato. Por isso, esqueça seu país, esqueça sua cidade. Pense pequeno: comece pelos seus contatos do WhatsApp.
Encontrou o contato de whatsapp de um idoso que mora sozinho? Então seja o anjo da guarda dele:
– Mande mensagens para ele de manhã, de tarde e de noite.
– Pergunte como ele está, se dormiu bem, se comeu, se teve febre, se teve tosse.
– Esteja disponível para conversar.
– Esteja pronto para orientá-lo sobre como buscar orientação médica.
– Você também pode manter o idoso informado com notícias de fontes confiáveis, como do Ministério da Saúde.
Atenção: o papel do voluntário não é fazer diagnóstico nem dar recomendações médicas. A função é ser um ponto de apoio e auxiliar o idoso com informações sobre como buscar ajuda médica ou uma unidade de saúde.
Nota
[1] É doutoranda na ESPM São Paulo, bolsista PDSE CAPES e pesquisadora brasileira do estudo global Smartphones, Smart Ageing, coordenado pela University College London (UCL). Passou 16 meses em São Paulo aprendendo como os idosos usam seus smartphones e quais seus impactos para a saúde. E-mail: [email protected]
Referências
FREITAS, Carina. COVID-19: Um por todos e todos por um. JM-Madeira/Portugal. Disponível em: https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/3540/COVID-19_Um_por__todos_e_todos_por_um?fbclid=IwAR32quIzlKfLZ3ExnPk7_B5HXJGL0zFIXxh9uVD2Nty49Iu74OCYCvUBFJM
MIRANDA, Danilo Santos. Quais são os desafios de cuidar? Revista mais60,
edição n. 72, dez/2018. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/13176_QUAIS+SAO+OS+DESAFIOS+DE+CUIDAR
MOTTA, Edith. Envelhecimento social. Revista A Terceira Idade, edição 2, out/1989. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/7985_ENVELHECIMENTO+SOCIAL
Foto destaque: Garry Mordor
Atualizado em 23/03/2021 às 18h55
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