Carta aberta à população brasileira*

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Não podemos deixar de esclarecer que o novo Decreto, de nº 11.483/2023, deixou de restabelecer a ordem democrática ao não reconduzir os Conselheiros do CNDI que haviam sido eleitos e empossados.

Tereza Rosa Lins Vieira (*)


Em princípio, congratulamo-nos com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela revogação do Decreto de nº 9.893, de 27 de junho de 2019, considerado fascista e antidemocrático ao desconfigurar e desmontar o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI), até então um órgão colegiado gestor, permanente, de controle social, de composição paritária, de caráter deliberativo e consultivo, de supervisão, acompanhamento e fiscalização da Política Nacional do Idoso (PNI) e do Estatuto da Pessoa Idosa, ainda responsável por zelar pela aplicação destas leis.

Sem dúvidas, a revogação deste decreto fascista é um fato a ser comemorado pela população brasileira. Entretanto, não podemos deixar de esclarecer que o novo Decreto, de nº 11.483, de 06 de abril de 2023, apesar de revogar o decreto fascista, deixou de restabelecer a ordem democrática ao não reconduzir os Conselheiros que haviam sido eleitos e empossados, mediante processo eleitoral legítimo, para o mandato 2018/2020, com nomeação publicada (Portaria nº 341, de 14 de novembro de 2018), no Diário Oficial da União e que, exercidos apenas 8 (oito) meses do mandato de 2 (dois), anos foram abruptamente destituídos por este decreto fascista.

Esperávamos que o atual governo, movido por sua natureza democrática, levasse em consideração o direito líquido e certo à finalização do mandato daqueles Conselheiros, reconduzindo-os e garantindo a finalização de sua gestão; a exemplo do ocorrido com os Conselheiros do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), igualmente destituídos pelo governo anterior, mas reconduzidos pelo atual Presidente da República para a conclusão dos 6 (seis) meses de mandato que lhes restavam, restabelecendo a ordem democrática neste Colegiado.

Ademais, a falta de recondução daqueles Conselheiros demonstraria a adoção de dois pesos e duas medidas. Sobre isso, após análise do cenário em que o ato normativo fascista nº 9.893/2019 constou no Decreto nº 11.341 de 01/01/2023, que definiu a nova estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), verificou-se a ocorrência do retorno imediato da normalidade para os demais Conselhos de direitos, vinculados administrativamente e sem subordinação ao MDHC.

O Ministro do MDHC e o Secretário da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI) não se abriram para o diálogo com os Conselheiros representantes da sociedade civil, destituídos pelo decreto fascista. Ocorreu a recondução do colegiado destituído do Consea, mas não recondução do colegiado destituído do CNDI. A revogação do Decreto nº 9.893/2019 aconteceu quase às vésperas de completar 100 (cem) dias do início do atual governo, por meio de decreto controverso; foi preciso reconhecer o desinteresse político e/ou administrativo, bem como a ausência de ação concreta do MDHC e da SNDPI no sentido de restabelecer a ordem democrática, com a revogação do Decreto nº 9.893, de 27 de junho de 2019 e a restituição do mandato da presidente e dos Conselheiros do CNDI, destituídos por tal decreto.

Tudo aparentava o interesse destes dois órgãos em manter a estrutura e o funcionamento do CNDI regidos pelo decreto anteriormente mencionado, principalmente se considerarmos que ambos os órgãos adiaram ao máximo a revogação do decreto, e que, somente diante de muita pressão da Sociedade Civil Raiz (SCR), “O Ministério dos Direitos e da Cidadania (MDHC) participou ativamente da elaboração das novas normas, por meio da Secretaria-Executiva, Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI) […]” (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA, 2023, grifo nosso), ou seja, finalmente realizou uma ação concreta no sentido da revogação, ainda que não no da recondução do Colegiado destituído do CNDI.

Compreendemos que não se pode usar um decreto antidemocrático, a exemplo do nº 9.893/2019, como parâmetro para analisarmos a ocorrência de avanços no Decreto nº 11.483/2023, considerando que a criação daquele está vinculada à ruptura da ordem democrática, em consequência a perda de direitos. Diante disso, inferimos que o parâmetro a ser usado, deve ser o decreto vigente antes dessa ruptura ― ou seja, o Decreto nº 5.109/2004. Destarte, estabelecemos um diálogo, de maneira didática, entre o Decreto nº 11.483/2023 e o nº Decreto 5.109, 2004, bem como com os demais decretos que tratam sobre o órgão colegiado em tela, onde desvelamos os aspectos constantes no Decreto nº 11.483/2023 que retrocederam em relação à essência de um conselho de direitos, de caráter deliberativo, e da não subordinação ao poder público e aos interesses privados.

Com relação à qualificação: o preâmbulo e o art. 1º do Decreto nº 11.483/2023, ao alterar a sigla do Conselho Nacional de CNDI para CNDPI — desconhecendo o contexto da sua permanência, mesmo após a mudança do nome do Conselho, no ano de 2017 —, tal decreto contrariou a deliberação da Gestão 2016-2018 do CNDI, que deliberou em sua 89ª Reunião Ordinária, no dia 04 de agosto de 2017, pela manutenção da sigla “CNDI”, considerada marca sedimentada no âmbito nacional, já parte do imaginário nacional. Pela discordância com o descumprimento dessa deliberação, ao longo desta reflexão continuamos denominando-o CNDI.

No Parágrafo único do Art.1º do novo Decreto nº 11.483/2023, constatamos ainda retrocessos na qualificação do CNDI em relação à PNI e, em relação ao decreto nº. 9893/2019, no que se refere à perda da sua qualidade de órgão permanente e paritário, visto que não consta no decreto em análise. Ainda neste Parágrafo único do Art.1º, detectamos outro retrocesso, de mesma gravidade, que consiste na integração do conselho à estrutura organizacional da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Tal alteração nos causou estranheza, uma vez que todos os colegiados nacionais de direitos, na estrutura organizacional do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), estão administrativamente vinculados (integram a estrutura organizacional) sem subordinação ao MDHC, dentre os quais o CNDI, que por ser um órgão colegiado, e não uma unidade da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI) — não poderia integrar sua estrutura organizacional.

Com relação à finalidade, consideramos que a ausência da obrigatoriedade, no Decreto nº 11.483/2023, do CNDI em observar também as linhas de atuação do Estatuto da Pessoa Idosa compromete o cumprimento da finalidade do Conselho.

Com relação às competências, com a alteração de verbos — que estavam presentes nas competências do CNDI no Decreto nº 5.109/2004 — nas competências elencadas no Decreto nº 11.483/2023, que consideramos essenciais para o pleno funcionamento do CNDI, mudando seu significado, que definiam a força do conselho, ficam evidentes o esvaziamento de seu caráter deliberativo e, em consequência, a perda de sua autonomia e a robustez conferida ao seu caráter consultivo. Tais mudanças estão presentes nos respectivos Art. 2º dos decretos mencionados.

Com relação ao funcionamento, o Decreto 11.483/2023, ao colocar como regra, no § 6º do art. 4º, a realização das reuniões ordinárias e extraordinárias no formato híbrido e remoto, o Decreto abre grave precedente que acena na direção de um conselho de fachada ― semelhante ao existente até o dia 06 do corrente mês ―, que, entre outras coisas nefastas, criou uma anomalia: um conselho de direitos não paritário de forma presencial; dito de outra forma, entende-se que o rigor paritário não se concretiza devido ao fato de que a sociedade civil, no referido formato, nunca estará lá presencialmente.

Desse modo, apoiamos a realização de reuniões no formato híbrido e remoto somente em caso de excepcionalidade, como em pandemias e/ou catástrofes. Ademais, corremos o risco de que tal fato deixe de ser uma possibilidade e torne-se uma constante realidade, considerando que neste decreto, ao contrário do Decreto nº 5.109/2004, não estão previstos recursos orçamentários e financeiros consignados no orçamento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) para o cumprimento das funções do CNDI; mais especificamente, também não estão previstas dotações orçamentárias para as despesas com o deslocamento dos Conselheiros. Também evidente é o fato de que o CNDI — por ser um órgão colegiado, e não uma unidade da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI) — não poderia integrar sua estrutura organizacional.

Com relação ao processo eleitoral, a forma dada à redação ao art.11 do Decreto nº 11.483/2023 gera uma nova intervenção do Poder Executivo — representado pelo MDHC/SNDPI — em um órgão colegiado de direitos, ou seja, demonstra afronta à autonomia de um conselho de direitos. Do mesmo modo, a chamada para um novo processo eleitoral contradiz o estado de direito, tendo em conta que há uma composição do CNDI legitimamente eleita, com Conselheiros com mandatos em curso — abruptamente interrompidos pelo Decreto fascista nº 9893/2019 do governo anterior —, e que continua aguardando a recondução. Portanto, bastaria a esse governo de natureza democrática, por meio do Decreto nº 11.483/2023, restabelecer a ordem democrática, reconduzindo o colegiado destituído pelo mencionado decreto antidemocrático.

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Ao desconsiderar este fato, e que o CNDI é um órgão de caráter permanente (Art. 6º, da PNI), criou-se, desnecessariamente, uma excepcionalidade para usurpar a competência exclusiva do CNDI de convocar eleição para composição da sociedade civil desse Conselho. Diante do quadro apresentado, não podemos concordar com a reportagem publicada no site do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) em 07 de abril de 2023 — que contou com a participação do Secretário da SNDPI —, quando afirma que haverá: “[…] menos hegemonia nas decisões por parte do governo federal, [mas, é fato que] o colegiado será o responsável por propor as diretrizes, objetivos e prioridades da Política Nacional da Pessoa Idosa” (grifo nosso). Reconhecemos a intervenção do MDHC/SNDPI no CNDI como um retrocesso no diálogo entre Estado e sociedade civil, manifesto com a ausência de recondução do colegiado destituído, legitimamente eleito.

Consideramos que as alterações procedidas, que resultaram na continuação do enfraquecimento do CNDI e, por consequência, dos conselhos estaduais, distrital e municipais, sejam consequências da não restituição do mandato dos Conselheiros destituídos pelo Decreto nº 9.893/2019. Portanto, reiteramos a urgência da recondução do Colegiado destituído para o cumprimento de todo o mandato, a fim de devolver ao CNDI o papel de órgão de controle social, restabelecer a ordem democrática e servir de exemplo para os gestores públicos das demais instâncias político-administrativas.

Diante da conjuntura apresentada, afirmamos que, com o Decreto nº 11.483/2023, o desmonte do CNDI continuará porque, como no governo anterior, a SNDPI não respeita este Colegiado como um órgão de controle social, deliberativo e autônomo, tratando-o como uma das suas unidades. Assim, cabem os seguintes questionamentos: por que e a quem interessou o não restabelecimento da ordem democrática, com a recondução legítima do Colegiado do CNDI, destituído pelo decreto antidemocrático? Como e por que o relatório interno do GT dos Direitos Humanos Segmento da Pessoa Idosa não integrou o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental, entregue ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva em 22 de dezembro de 2022?

Com a palavra, o Senhor Ministro Sílvio de Almeida e o Senhor Secretário da SNDPI, Alexandre Silva.

Maceió, 25 de abril de 2023

* Esta reflexão é um extrato de pesquisa em andamento, da pesquisadora Tereza Rosa Lins Vieira, componente do grupo de pesquisa Políticas Públicas e Processo Organizativos da Sociedade (GRUPPPOS), da Faculdade de Serviço Social (FSSO) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Leia abaixo a Carta Aberta na sua íntegra:

(*) Profa. Dra. Tereza Rosa Lins Vieira – Doutora e Mestrado em Educação de Pessoas Adultas – Universidade de Salamanca (USAL) (2009-2004); Mestrado Profissional em Gerontologia Social – Universidade de Barcelona (UB) 2001; Pós-doutorado em Educação – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 2015; pesquisadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Processos Organizativos da Sociedade – GRUPPPOS/FSSO/UFAL. Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa – CNDI (2014 a 2018) Conselheira (2017 a 2021) e Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa – CMDPI-Maceió (2019-2021); Conselheira do Conselho Estadual do Idoso – CEI/AL (2019).

Atualizado em 5/5 às 16 horas


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