Corria o ano de 1996. A cidade de São Paulo estava sob a administração do então prefeito Paulo Maluf, que, na ocasião, implantou um novo sistema de atendimento à saúde, o PAS. A iniciativa modificou todo o sistema vigente, provocando cisões e reviravoltas entre os funcionários municipais. A assistente social Marilia Anselmo Viana da Silva Berzins não se conformou com as mudanças impostas.
Maria Lígia Mathias Pagenotto
Funcionária de um hospital do município, resistiu até o último momento.
Sem vislumbrar possibilidade de alterar a nova realidade, foi transferida, compulsoriamente, para trabalhar no Centro de Controle de Zoonoses da cidade de São Paulo. Não foi um processo tranquilo, dá para imaginar. Mas, na nova missão, Marilia deparou-se com um enorme desafio: os problemas do Centro de Zoonoses não eram exatamente os animais, mas sim os idosos. Ela foi designada a atender pessoas que moravam sozinhas com diversos cães e gatos, em situação muitas vezes precária.
Os vizinhos os denunciavam, pois os animais exalavam cheiros que incomodava os moradores ao redor. Como resolver esse impasse? Marilia até então tinha pouca experiência no trato com idosos. A realidade das casas que visitava tocou-lhe profundamente, assim como a justificativa daquelas pessoas para manterem tão estreita relação com seus muitos animais de estimação.
Inexperiente em questões sobre velhice, foi pedir auxílio no Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento da PUC-SP, na época o embrião da atual pós-graduação em Gerontologia da universidade.
Atendeu-a a professora doutora Suzana Medeiros, idealizadora do programa de Gerontologia. Sua sugestão: tornar a relação entre pessoas e animais objeto de uma pesquisa a ser desenvolvida no mestrado. Marilia acatou a ideia, aprofundou-se no tema e tornou-se uma apaixonada pelos estudos do envelhecimento.
Foi uma das alunas da primeira turma do mestrado em Gerontologia da PUC-SP. Sua dissertação, intitulada “Velhos, cães e gatos: interpretação de uma relação”, foi defendida em maio de 2000, sob orientação da professora Elisabeth Frohlich Mercadante . Atualmente, Marilia trabalha como assistente da área técnica de saúde da pessoa idosa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. É ainda doutora em Saúde Pública pela USP e membro fundador do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento.
Conheça aqui sua interessante história!
Por que decidiu fazer mestrado em gerontologia?
A minha história com a gerontologia teve um percurso inusitado. Eu sempre digo que a gerontologia é que me escolheu. Gostaria de dar crédito à professora Suzana Medeiros que me acolheu na PUC, numa entrevista que fiz com ela para pedir ajuda. Ao final da entrevista, ela disse assim: estamos abrindo um Programa de Pós Graduação em Gerontologia. Por que você não transforma o seu problema em um objeto de pesquisa e se inscreve no processo seletivo para estudar conosco? Aceitei!! Tenho profunda admiração e respeito por ela, minha mestre que me apresentou a temática do envelhecimento.
Como definiu seu tema de pesquisa?
O tema da pesquisa foi o motivador da minha ida para o mestrado. Eu trabalhava com pessoas idosas que tinham nos seus animais a razão de viverem. Eu não entendia muito por que eles precisavam de tantos animais (cães e gatos) para viverem. A medida que comecei a estudar gerontologia, as coisas foram clareando e passei a entender os diversos significados dos bichos para aquele grupo de pessoas.
Quais os principais desafios que enfrentou durante o desenvolvimento do trabalho?
Um dos maiores desafios foi conciliar o meu trabalho profissional e a pesquisa. A minha pesquisa era o meu objeto de trabalho. Eu tive que ter sempre presente a preocupação de não confundir os sujeitos – a trabalhadora social e a pesquisadora. Outro desafio foi o ineditismo do tema. Não havia pesquisa sobre o tema escolhido. Não havia naquela época uma grande quantidade de referências bibliográficas sobre o tema.
Que desdobramentos esta pesquisa teve na prática?
Estudar gerontologia contribuiu imensamente na minha prática profissional na medida em que passei a compreender os sujeitos com os quais eu trabalhava sob a ótica da heterogeneidade da velhice. A qualidade da minha prática profissional ficou respalda no conteúdo teórico da gerontologia. Outra contribuição foi o fato de eu participar de diversos eventos e levar a experiência do meu trabalho a diversos públicos. Isso deu visibilidade a uma forma peculiar e particular de envelhecer, ou seja, velhos e animais de estimação.
Como avalia a repercussão de sua pesquisa na sociedade? De que forma acha que seu trabalho contribui para uma cultura da longevidade?
Contribuiu para incluir na discussão da sociedade uma forma particular de envelhecer. Contribuiu para ajudar na compreensão de que não há uma velhice e sim velhices. Elas são incontáveis e cada sujeito vive a sua própria velhice.
O que o mestrado e a pesquisa acrescentaram em sua vida pessoal e profissional?
O mestrado em gerontologia me deu a certeza de que o tema da velhice é apaixonante. Estou na temática desde 1996 e não pretendo me afastar mais desta área do conhecimento. Quanto mais estudo mais eu desejo aprender sobre a velhice. Tenho muito ainda para aprender. Na minha vida pessoal, a velhice tem me ensinado que, quando falo da velhice do outro, estou também falando da minha própria velhice. Do velho que quero ser e do que não quero. Ao estudar envelhecimento, me percebi como um sujeito que também envelhece no tempo cronológico e no tempo vivido.
Quais foram os passos seguintes ao mestrado em sua vida acadêmica? E na vida profissional?
Em 2001, fui convidada para trabalhar no Gabinete da Secretaria Municipal da Saúde, na Área Técnica de Saúde da Pessoa idosa, local onde desenvolvo a minha prática profissional. Estou trabalhando com políticas públicas de saúde para a população idosa paulistana. Lembro que em 2001 o SUS foi implantado na cidade de São Paulo e o PAS foi definitivamente sepultado. No ano de 2005 entrei no Doutorado da Faculdade de Saúde Pública da USP. A minha pesquisa foi sobre violência institucional contra a pessoa idosa. O doutorado me ajudou muito e alargou ainda mais a compreensão sobre velhice, envelhecimento e saúde pública.
O que diria para quem está começando a estudar na área?
O envelhecimento populacional foi uma das maiores conquistas da humanidade no último século. Precisamos formar cada vez mais profissionais qualificados para o atendimento das necessidades das pessoas idosas. O mestrado em gerontologia é uma excelente oportunidade para alcançar este objetivo. Não podemos desconsiderar ainda o fato de que, nos próximos anos, o mercado de trabalho para o envelhecimento será mais exigente. Acredito que estamos na janela de oportunidades para esse mercado.