As bonecas bebês são um recurso terapêutico eficaz, reduzindo episódios de agitação, ansiedade, agressividade…
Nada é tão eterno quanto as experiências que tivemos e que estão guardadas em nossa memória, com intensidade e afeto nunca se desfazem: permanecem, eternamente bordadas na memória, como um sopro suave que o tempo não apaga. (Simone Manzaro)
Houve um tempo em que fraldas, mamadeiras e bonecas enchiam a casa de vida e ternura. Havia também uma mãe e um pai, entregues com amor ao cuidado de um bebê que, com sua presença, pedia carinho, atenção e tempo. As experiências tecidas nesse cuidado e amor se ampliam à medida que a vida corre ligeira e se transforma com o passar do tempo. O que permanece em nós… o que a memória desfaz… o que ainda podemos reencontrar… só o tempo, silencioso, poderá nos mostrar.
Será que poderemos guardar e visitar essas memórias afetivas para sempre? E se um dia, esquecermos de tudo para sempre… o que resistirá ao tempo?
A Doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa e progressiva, que compromete o indivíduo na sua totalidade, levando embora suas capacidades cognitivas, sua funcionalidade, suas histórias, impactando profundamente sua qualidade de vida e de seus familiares. Ainda sem cura, as possibilidades de tratamento são voltadas para os sintomas cognitivos, comportamentais e funcionais, em uma tentativa de amenizar o avanço da doença, e trazer qualidade de vida neste processo.
CONFIRA TAMBÉM:
Diversas terapias não farmacológicas vêm sendo utilizadas para proporcionar conforto físico, emocional, reduzir quadros de ansiedade e agitação, e estimular interação social, tão fundamental neste contexto.
Uma abordagem sensível, eficaz, e muito polêmica, é a terapia da boneca, uma prática que utiliza bonecas para promover efeitos terapêuticos, especialmente entre pessoas em estágios mais avançados da doença.
Ainda, carregada de preconceito e de concepções errôneas, essa abordagem terapêutica possui um protocolo, e toda uma estrutura para sua oferta. Primeiramente, conversa-se com a família para orientar e desmistificar a infantilização, evidenciando essa prática como terapêutica. Posteriormente, devemos introduzir essa boneca aos poucos, observando se há curiosidade e interesse em segurar, cuidar, e se a presença da boneca traz alterações comportamentais como agressividade, evidenciando que a prática não serve para todos.
De preferência, que a boneca seja parecida ao máximo com um bebê humano, devendo apresentá-lo como tal, perguntando se a pessoa gostaria de segurar. A partir daí, é aguardar a reação e avaliar a aceitação ou recusa. O importante neste processo é que a oferta não seja infantilizada pelos familiares e profissionais.
Psicóloga: Oi Luzia*, você viu a minha bebê? Eu trouxe ela hoje para trabalhar comigo.
Luzia: Desde quando você tem filho?
Psicóloga: Lógico que tenho, eu já te falei, mostrei foto.
Luzia: Deixa eu ver se parece, pode segurar?
Psicóloga: Claro que pode, olha ela um pouco para mim por favor?
Luzia: Bonitinha ela, deixa ela dormir aqui hoje, eu dou mamadeira.
Psicóloga: Se você prometer que vai cuidar dela direitinho eu deixo.
Luzia era só sorrisos…
Uma boneca interessante a ser oferecida são os bebês reborn, bonecas realistas que imitam com detalhes as características de um bebê humano, e que surgem como uma evolução das bonecas tradicionais utilizadas.
Nos últimos anos, a popularização desses bebês tem despertado maior interesse de familiares e profissionais como um recurso terapêutico eficaz, reduzindo episódios de agitação, ansiedade, agressividade, promovendo estímulos para comunicação verbal e não verbal, melhorando humor, melhor capacidade de receber cuidados etc. Além disso, o ato de ‘cuidar’ de uma ‘boneca’, desperta emoções associadas à maternidade e paternidade, promovendo sensação de conforto, propósito, utilidade, segurança, resgatando memórias afetivas e experimentando acolhimento e responsabilidade.
Outra possibilidade de oferta são bichos de pelúcia, com uma função semelhante à da boneca, com benefícios potenciais nos sintomas comportamentais.
Na prática clínica, há relatos de que pessoas com Alzheimer demonstram mais atenção, calma e felicidade em interagir com um bebê, como se estivessem cuidando de um filho ou neto, revivendo experiências maternas/paternas de cuidado.
Destaca-se que, embora essa abordagem possa trazer benefícios em diversas situações, é essencial que seja conduzida com sensibilidade e respeito, valorizando sempre a autonomia e a dignidade da pessoa, e evitando qualquer forma de infantilização.
Orientações
Algumas dicas importantes para reflexão na introdução dessa abordagem devem ser consideradas:
– Observe o estado emocional antes de oferecer ou mostrar;
– Oferecer sem insistir. Se a pessoa não demonstrar interesse, deixe para outro momento. Se ela recusar ou se mostrar agressiva, não insista.
– Se não quiser entregar nas mãos da pessoa, deixe em um lugar onde ela possa ver e interagir espontaneamente;
– Ter uma boneca/bebê reserva para caso de algum incidente (quebre, perca, suje);
– Observe se a boneca/bebê possui olhos que mexem para aumentar a conexão, e para evitar que a pessoa pense que o ‘bebê está morto’;
– Adapte a boneca/bebê para o gosto da pessoa. Há quem prefira bonecos, ursos de pelúcia etc;
O uso da boneca deve ser cuidadosamente orientado e acompanhado por profissionais capacitados, que considerem o perfil e as características únicas de cada pessoa, assegurando que a experiência seja acolhedora, respeitosa e verdadeiramente benéfica, capaz de despertar afetos adormecidos na memória.
(*) Foi utilizado nome fictício com o objetivo de resguardar a identidade e a privacidade da pessoa atendida.
Imagem: Freepik, gerada por inteligência artificial
