Quando ela esteve aqui na primeira vez, morena como a maioria, cabelos longos ondeando ao vento, nas pontas as luzes recém–feitas, nós nos encantamos. O encanto era susto também. Pois com ela viriam muitas pessoas, muitas. Tão glamourosas quanto. Mas, a risada cristalina, as intenções proclamadas, tudo nos seduziu. Os mais assustados ainda perguntavam aos quatro ventos: ‘Vamos dar conta?’
Mauisa Annunziata *
Demos. Ela invadiu a praça, as pousadas, os restaurantes, as lojas. A praça era só dela. Nossos comerciantes não tiveram vez, nem nossos artistas e autores. À noite a população adorou assistir o canto de artistas famosos num palco enorme, próximo a um coreto desenxabido. Durante o dia os escritores se sucediam entre palestras e autógrafos.
Nós demos conta de receber o evento maior, vindo de fora. De acolher as pessoas que vieram prestigiar o evento.
Tanto que no ano seguinte, um mês antes, as estradas e a cidade já recebiam maquiagem e melhoramentos para recebê-la. Ela estava de volta. Os postes de luz apontaram o céu manicurados de vermelho. As faixas de trânsito brilhavam amarelas entre mãos e contramãos antes desnecessárias. Para ela. Ah! Como o glamour pode contagiar!
Assim por cinco anos. Um caso de amor correspondido, com as rusgas necessárias a qualquer relacionamento saudável.
No entanto, alguma coisa de fantástico ia acontecendo nesse pequeno reino, tão longe da Dinamarca. A fantasia tem sempre o rabo preso na realidade, não somos ingênuos. De verdade, muita gente trabalhou para a mudança sutil que ocorria. Mas, essa gente atuante é assunto pra outro tipo de prosa. Uma homenagem.
Aí veio a 6ª. Por que a 6ª se é um festival? Porque na praça se ouve também ‘Festa Literária’, ‘Feira Literária’. Por isso ela. A sedução é feminina e masculina. Não existe ainda um pronome apropriado.
A 6ª. Festiva Feira mostrou o amadurecimento em processo. O coreto orgulhoso apresentou ao pé de si espetáculos de rua que todos os brasileirinhos deveriam assistir, embora o público em sua maioria fosse de adultos saudosos de si mesmos.
No alto do coreto acompanhamos o brio de violeiros, um moço flautista, um cantador daqui-de-longa-data. Uma serenata serpenteou pelas ruas. Um verdadeiro Trem Caipira de que Villa Lobos pode ter-se orgulhado por entre lua e nuvens.
Nas tendas, autores consagrados no Brasil e outros que o Vale do Paraíba consagra ensinaram, partilharam, comoveram, divertiram. Aqui e acolá houve iniciativas particulares de reuniões, de saraus.
Cresceu em atrativos o pavilhão de apresentação de São Francisco Xavier. Em quantidade e qualidade, cresceu para as mensagens ambientalistas, para os produtores e artesãos locais. Não só em termos de plantas, de méis, de bolos e doces, de artesanato. Cresceu para os cultivadores da informação, da tradição e da cultura locais de forma a incluir e atrair as crianças e quem mais visitava o pavilhão.
As crianças, estas encantaram com seu trabalho de formigas técnicas caminhando entre tudo e todos. As oficinas, sempre tão importantes no festival, nesta 6ª. edição afetou as crianças e os jovens do lugar. Elas atuaram e apareceram como deve ser, não só como plateia. Porque o Brasil não há de ser só futebol.
Bem, assim é. Depois de seis anos, madura ainda jovem (há muito por fazer) esta grande festa vive um relacionamento criativo com a cidade. Pois é preciso tempo e aprendizado. É preciso valorizar o que se conseguiu. Manter o diálogo aberto sem perder de vista a história.
Que venha sempre esta feira festiva chamada Festival da Mantiqueira – diálogos (abertos) com a Mantiqueira.
A sedução de hoje é fruto de trabalho mútuo, conquistado. É intransferível. Está no DNA de São Francisco Xavier, paulista da Mantiqueira.
* Mauisa Annunziata: pedagoga, especializada em Criatividade, com formação em Fenomenologia na Coordenação de Grupos. Poeta e cronista [email protected]