Nesta edição vamos conhecer um pouco das ideias e ideais da arquiteta Lilian A. Lubochinski. Lilian gosta de trabalhar pensando em promoção de saúde para os idosos. Um dos caminhos que ela propõe é por meio de diagnósticos e consultorias, a fim de evitar alguns acidentes comuns dentro dos lares. Preocupada com a prevenção da institucionalização do idoso, independentemente do seu nível social, estuda caso a caso com a mesma dedicação e profissionalismo, buscando o custo ideal para adequar cada ação a cada lugar com eficiência e resultados. A ex-professora da UAM-PUCSP experimenta um novo momento em sua vida, no qual, com maturidade, está convicta de que pode ajudar muitos a manter sua independência dentro do seu lar, preservando a sua autonomia.
Célia Gennari *
Jornal Maturidades – Quando você lecionou na UAM-PUCSP?
Arquiteta Lilian A. Lubochinski – Fui professora durante 3 semestres. Conheci em 1988 o Prof. Jordão, quando comecei a divulgar a arquitetura para a terceira idade no Brasil. Estudei Arquitetura em Israel e voltei para o Brasil em 1986. O tema do meu projeto de graduação em 1974 era focado em Gerontologia.
JM – Por que a escolha do tema?
Lilian – Porque sou uma “arquiteta social”, como dizem colegas de trabalho. Entendo que o espaço é determinante de condições e estruturas sociais. Ele pode ser mais humanizador, acolhedor e universalizador nos acessos. É um assunto que me apaixona. Gosto da arquitetura enquanto uma expressão da arte de construir e tento sempre trabalhar me desvinculando daquilo que o mercado estabelece como “flutuações de moda” e das “decorações da vida”.
JM – Com o que você se preocupa?
Lilian – Sou preocupada com o belo, com a funcionalidade e com o conforto. Acho que o saber do arquiteto pode estar a serviço de promoção de saúde, por exemplo. Tem uma série de condições físicas numa arquitetura que promovem bem-estar e conforto. Todas essas variáveis são variáveis que me preocupam. A minha trajetória como arquiteta passa por caminhos bastante surpreendentes se comparadas aos outros colegas de profissão.
JM – No período em que esteve lecionando na UAM, qual era a sua disciplina?
Lilian – Fiz um título muito comprido da minha matéria: “A importância dos saberes ancestrais para a sustentabilidade do planeta”. Seguindo o eixo da minha prática profissional, eu falava tanto de edificações quanto de territorialização, equivalente ao urbanismo, só que o urbanismo se limita à cidade. Falei sobre a mudança de paradigma, a nova era que se apresenta e como ela está se manifestando, particularmente na arquitetura e no modo em que ocupamos os territórios deste nosso planeta.
JM – Não falava sobre seu projeto de arquitetura para a terceira idade???Lilian – Não.??JM – Qual foi sua trajetória com a terceira idade?
Lilian – Em 1988 fui a primeira pessoa que falou sobre arquitetura para a terceira idade. Virei referência bibliográfica durante alguns anos. Estranhavam a minha presença em congressos de Gerontologia, tão inovador que era o tema. As pessoas que mais se ligaram ao assunto, na ocasião, foram jornalistas que entenderam que ali tinha um assunto interessante e uma novidade digna de ser relatada. Mas, apesar de ter participado de vários programas de televisão e ter dado diversas entrevistas, não rendeu trabalho.
JM – Qual a razão?
Lilian – Entre outras coisas, o tema estava antes do seu tempo. A Liga das Senhoras Católicas era a única instituição que tinha alguns projetos com aquela mentalidade aberta em São Paulo. Na verdade havia um único empreendimento, que era um Flat na Alameda Jaú, que ainda deve existir.
JM – Quais eram seus pensamentos?
Lilian – Toda abordagem e tudo que eu acreditava ia mais além da adequação do espaço físico das instituições de longa permanência. Sempre levantei a bandeira de que o espaço físico, desenhado adequadamente, pode ser mais um ator da promoção da autonomia por mais tempo na vida do idoso, ou seja, fora das instituições. Estas são soluções adequadas somente quando perdemos nossa capacidade de cuidar de nós mesmos no dia a dia.
JM – Como você vê todas essas questões hoje, na terceira idade?
Lilian – Hoje, com 64 anos, posso falar para a minha própria geração. Em 1988 falava com outra geração. Velho, velhice, não é igual em todas as gerações. A minha foi feminista, contestou muita coisa e agora estamos contestando os conceitos tradicionais de envelhecimento.
JM – Curioso seu projeto não ter rendido trabalho antes, já que o número de óbitos de idosos por queda é grande e sempre foi?
Lilian – É gigante. É impressionante. Recentemente levei um tombo, quando estava saindo de casa. O chão estava molhado na saída do elevador. Estava carregando umas sacolas e quando escorreguei cuidei mais das sacolas do que de mim. Por sorte não tenho osteoporose e não quebrei nada. Ou seja, os tombos acontecem inesperadamente.
JM – Qual é o momento mais frágil para possíveis quedas?
Lilian – À noite, quando a pessoa levanta para urinar. Para todos, mas para o idoso um pouco mais. É claro que se exercitar, ter a musculatura em forma, uma boa alimentação, tudo isso contribui para evitar a queda. Mas eu digo que são vários fatores que confluem para minimizar esse risco e um deles são pequenas intervenções no espaço físico.
JM – Como o idoso encara essa situação?
Lilian – Os próprios idosos têm resistido a isso. Estou tentando achar maneiras de fazer chegar essa informação para as pessoas, não só para os idosos, mas também e especialmente para as pessoas que têm os seus idosos queridos. Muitas vezes uma consultoria pode resolver questões importantes e evitar muitos acidentes.
JM – Até onde o arquiteto pode chegar na sua atuação profissional com essa faixa etária?
Lilian – Hoje a expectativa de vida é muito grande. Se cuidar, pode-se ter uma vida boa com autonomia. Recentemente fui contratada por uma neta para dar uma consultoria em uma reforma na nova casa dos seus avós. Passei horas conversando com o casal para conhecê-los melhor. Acompanhei a escolha do mobiliário, como as poltronas e sofás, as suas camas, os armários, tanto de suas roupas como os da cozinha e do escritório. Todos os detalhes são importantes. Atenção e dedicação ao que se faz, nunca é demais.
JM – Qual a situação da maioria dos idosos?
Lilian – Ter uma consultoria em arquitetura é um privilégio que a maioria dos idosos não tem.. A maioria tem uma queda na sua renda e uma limitação. A maneira que eu quero poder fazer este cuidado acontecer é também respeitando a limitação do orçamento do idoso. Posso sugerir pequenas mudanças, que são determinantes para aumentar a segurança dos idosos na sua moradia, sem grandes custos.
JM – Você já pesquisou os lares para idosos para ver como eles estão?
Lilian – Visitei algumas instituições logo depois que eu voltei para o Brasil que me deixaram revoltada, talvez porque me apaixona e me mobiliza muito poder atuar para evitar a necessidade da institucionalização. Acredito que se tem uma coisa que apavora na velhice é a perda da autonomia e o ingresso no asilo.
JM – Qual seu olhar sobre a situação do idoso?
Lilian – O percentual de enfermidades que necessariamente acabam empurrando o idoso para uma instituição de longa permanência é pequena. Pelas estatísticas do hemisfério norte, que eu tenho conhecimento, apenas 5%. A maioria de nós, se tomarmos os devidos cuidados preventivos, se permanecermos ativos, se continuarmos olhando para a vida como uma aventura que vale a pena ser vivida com alegria e se cuidarmos do espaço onde vivemos, poderemos permanecer autônomos e com qualidade de vida por muito tempo. E é com esse olhar que eu atuo, porque eu sou uma idosa que faz tudo isso.
JM – Você foi estudar isso há tantos anos, se afastou do tema por motivos diversos e agora volta ao tema… Quais são seus novos projetos?
Lilian – Eu e mais três idosas, estamos ocupando o território da palavra velhice, seguindo o artigo “Me chamem de velha”, da Eliane Brum, publicado recentemente na Revista Época. Estamos trabalhando no projeto “Como é que a gente quer morar?”. Nele estamos inventando um prédio que a gente quer construir. A proposta é muito linda, porque tem o lado das unidades necessárias em termos de moradia e teremos vários espaços para atividades que vamos utilizar comunitariamente, ou seja, compartilhar. Hoje, moro num apartamento onde criei dois filhos que já foram viver suas vidas por conta própria.
JM – Como assim “compartilhar”?
Lilian – Esse conceito de compartilhar faz parte da nossa geração. Além disso, e principalmente, será um prédio de velhos e não para velhos. Vamos oferecer para a comunidade o nosso conhecimento e experiências acumuladas. Teremos conjuntos de escritórios e espaços para consultórios, atividades físicas, café ou restaurante… Estamos nos apropriando de algumas profissões onde a nossa maturidade joga a nosso favor. Uma de nós foi monja budista durante 15 anos e agora está estudando psicanálise, outra trabalha com mediação de conflitos, a terceira é jornalista e escreve sobre o feminino e eu sou arquiteta social. Vamos construir um prédio que seja totalmente certificado do ponto de vista ambiental. Queremos, inclusive, uma horta comunitária. Enfim, um projeto que cuidará do espaço físico como um ator que joga a favor da nossa qualidade de vida na maturidade. Está sendo bem divertido.
JM – Você poderia destacar alguma recomendação de normas para a adequação dos espaços para os idosos?
Lilian – Existe a norma de acessibilidade, a NBR 9050/04 que deve ser conhecida dos interessados no assunto. Vale lembrar, por exemplo, que um assunto pouco contemplado, de modo geral, aqui no Brasil, é a questão da artrose nas mãos. Ela acomete um número grande de pessoas e causa certas limitações, como a dificuldade de usar maçanetas redondas…
Para a Arquiteta Lilian se a gente acompanhar os pequenos gestos, podemos atuar e facilitar o dia a dia dos idosos. Para ela, um dos serviços que oferece, que acha necessário, é reposicionar as coisas armazenadas e ajudar a jogar fora o que não é mais usado. “Se a pessoa não tem condições de reformar podemos ajudá-la a reordenar as suas coisas”, disse.??Ela acredita ser um gesto de amor indicar uma pessoa para mudar o que é possível mudar dentro da casa das pessoas idosas que a gente ama. Por isso, o seu público primeiro são todos que têm seus velhos queridos e amados. Outro ponto importante para ela é tornar esse serviço acessível para a população. “Não quero realizar um trabalho somente acessível à elite”.??“Meu trabalho transforma a situação”, afirmou. Situação significa: ‘sito’ é lugar, ‘ação’ no lugar. “Quando a gente muda, faz uma intervenção na qual a situação muda e, assim, conseguimos mudar para mais qualidade de vida, ou seja, uma real transformação”.
(*) Célia Gennari é jornalista ([email protected]). Este texto foi elaborado com colaboração de Ignez Ribeiro?para o Jornal Maturidades – Universidade Aberta à Maturidade da PUC-SP. Foto: Arquivo Pessoal. Site: Acesse Aqui .Reprodução autorizada pela autora.