Quis saber a origem do “entrevero” de pinhão, e descobri que é um dos pratos mais tradicionais em Lages, na Serra de Santa Catarina. Tem origem na língua espanhola platina e significa confusão, mistura desordenada.
Estamos nos aproximando do inverno, tempo de comer pinhão! Ao menos foi o que aprendi com meu marido, nascido no oeste de Santa Catarina, Lindóia do Sul, onde o pinhão faz parte da cultura local. Ele tem boas lembranças com pinhão, seja tostado, na chapa, assado na fogueira, cozido na água e depois descascado e degustado, acompanhando o chimarrão. Ai que delícia! Além do mais, tem fibras, amido resistente, proteínas e minerais essenciais como ferro, potássio, cálcio, magnésio, zinco, vitamina C, baixo teor de gordura e sódio e quantidade considerável de ômega 6 e 9. Ou seja, o pinhão é uma boa fonte de nutrientes e de energia!
Um evento de família que o povo do Sul do Brasil gosta muito, é preparar sua árvore genealógica e festejar com os descendentes. Foi assim que a família Tomazoni reuniu-se mais uma vez, num mês de julho, com quase 100 pessoas, vindas de norte a sul do Brasil e de alguns países como Inglaterra, EUA e Austrália. Aliás, tenho um filho que mora na Austrália, assim como também três netos australianos e com uma organização de muitos meses, traçamos um lindo roteiro para conhecer um pouco algumas regiões de Santa Catarina, principalmente para as crianças e a sua mamãe australiana conhecerem.
Nesse último encontro (foi antes do início da pandemia) já não pudemos contar com a presença da madremaster Nona Dozolina, que Deus a levou, mesmo assim, a festa aconteceu e a homenageada representando todo o grupo, foi a filha mais velha viva Maria Rosa. Muitos dos mais jovens não se conheciam pessoalmente, foi um dia lindo e inesquecível.

Após o encontro e confraternização da família que foi altamente marcante, um grupo decidiu percorrer alguns locais consagrados próximos da região, entre eles a Serra do Rio do Rastro. Num dia gelado, depois de uma caminhada com as crianças pela mata natural da região, cheia de araucárias, orquídeas da mata, além de toda beleza e ar puro, local indescritível, cansados, voltamos para o almoço campeiro no restaurante do hotel, e foi outro momento especial. A mesa era farta e apetitosa, começamos a ler os nomes dos pratos e degustar um pouco de cada um, e assim comíamos e comentávamos sobre os sabores, mas o de maior sabor e que encantou a todos foi o “Entrevero de pinhão”.
Como chefe de cozinha e educadora quis saber mais sobre o seu preparo.
CONFIRA TAMBÉM:
O prato, totalmente rústico, principalmente quando preparado na região da cidade de Lages (SC), é um refogado com linguiça, bacon, lombo de porco, cubos de alcatra, cebola, alho, pimentões vermelhos e verdes, salsinha, cebolinha, ervas frescas e pimenta dedo de moça e muito pinhão previamente cozido na água. O tempero era perfeito, as carnes eram macias e o pinhão era tenro e saboroso, inesquecível.
Como o prato encantou a todos, quis saber a origem do “entrevero de pinhão. Trata-se de um dos pratos mais tradicionais em Lages, na Serra de Santa Catarina. O prato tem origem na língua espanhola platina e significa confusão, mistura desordenada, cuja palavra descreve bem o prato que leva uma quantidade enorme de ingredientes e proteínas cujas palavras descrevem bem o prato. Ele é feito a base de pinhão cozido e descascado e picado grosseiramente, mais diversos cortes de carnes suínas, bovinas e frango.
Originalmente é um prato preparado em fogão a lenha, discos de arado, tachos de cobre ou panelas de ferro; sendo parte integrante das festas típicas de Santa Catarina e do Paraná. Em Santa Catarina, por exemplo, no município de Lages, é realizada todos os anos a popular Festa Nacional do Pinhão que traz a culinária regional, e uma das atrações gastronômicas apresentadas é o entrevero de pinhão, denominado “Entrevero Lageano”.
Vale lembrar que a receita de entrevero muda de região para região, mas o pinhão está sempre presente, então quando visitar um desses estados procure experimentar esta deliciosa receita típica, que além de gostosa é carregada de histórias e tradições.
Após essa viagem, experimentei algumas outras versões, esse prato faz parte de nossas aulas de comidas regionais brasileiras. A receita do entrevero de pinhão, que apesar de significar confusão, é uma mistura bem equilibrada.
Entrevero de pinhão

Ingredientes:
1 colher de sopa de óleo (20ml)
100 g de bacon em cubinhos
1 linguiça portuguesa em rodelas finas (400 g)
400 g de carne bovina (alcatra) em tiras miúdas e finas
400 g de filé-mignon suíno em tiras miúdas
500 ml de caldo de carne caseiro ou água
2 cebolas grandes em cubos médios (360 g)
3 dentes de alho picadinho
1 pimentão vermelho em cubos médios (130 g)
1 pimentão verde em cubos médios (130 g)
4 tomates em cubos pequenos sem sementes (560 g)
2 xícaras (chá) de pinhão cozido e sem casca (400 g)
2 colheres (sopa) de salsinha bem picadinha (2 ramos)
4 colheres de ervas frescas picadas
Opcional:
1 amarrado de ervas
2 colheres (sopa) de manjericão picadinho (2 ramos)
Sal
Temperos desidratados que gostar: cominho, pimenta-do-reino, folhas de louro.
Opcional: em alguns locais colocam vegetais, vagem, cenoura, alho poró etc
Modo de Preparo
1- Aqueça um fio de óleo uma frigideira grande, junte o bacon e, mexendo de vez em quando, deixe dourar.
2- Passe o bacon pra um recipiente, mantendo a gordura na frigideira, junte a linguiça e deixe no fogo até que os pedaços estejam macios e começando a dourar.
3- Adicione a carne suína e a bovina. Depois de tudo bem frito, acrescente a cebola, alho, os pimentões, tomates. Refogue um pouco mais.
4- Junte os tomates, sal, pimenta e misture o pinhão.
5- Misture bem e acerte o sal, temperos e a pimenta, coloque o caldo ou a água o amarrado de ervas, tampe e deixe cozer e aromatizar todos os temperos e amaciarem as carnes, se necessário coloque mais caldo.
Obs: Se gostar, junte os vegetais picados e deixe cozer até ficarem macios. 9- Finalize com salsinha, cebolinha e um fio de azeite, sirva bem quente.
Algumas informações adicionais
O pinhão é a semente da árvore Araucária angustifólia, espécie nativa da Mata Atlântica conhecida popularmente na região por pinheiro ou araucária. Inserida no Bioma Mata Atlântica, a Mata de Araucária como é popularmente conhecida, recobre o território de Serra Catarinense. A araucária, árvore nativa e símbolo da região meridional do Brasil, sempre esteve na base do sistema alimentar dos habitantes desta área, tanto os humanos como os animais. Se trata de uma árvore secular que pode chegar a 40 metros de altura e vive em média 200 a 300 anos, podendo chegar até 500 anos de vida.
Uma forma tradicional herdada do saber fazer indígena é a sapecada. Os pinhões são dispostos sobre as grimpas secas (folhas do pinheiro) e ateado fogo. A queima é rápida e se escuta os estalos dos pinhões, anunciando que já está pronto. Após o término das labaredas, retiram-se os mesmos que apesar de estarem aparentemente queimados por fora (enegrecidos), o interior apresenta um pinhão macio e muito saboroso.
Usualmente, o pinhão é cozido em água para a utilização em inúmeras preparações, ou assados diretamente na chapa do fogão de lenha nas casas dos coletores. Apesar da sistemática destruição da Mata de Araucária na região, hoje com a proibição do corte da árvore e com a agregação de valor dos produtos do pinhão, pode-se considerar o importante trabalho de manutenção desse importante ecossistema com o trabalho realizado pelos extrativistas, porém, em termos legais se aponta a necessidade de avanços em relação a regulamentação do manejo desta espécie para que a floresta continue de pé e os extrativistas possam continuar tirando dela o seu sustento.
Pinhão na culinária
O pinhão geralmente é consumido cozido ou assado na brasa, mas pode ser adicionado a diversas receitas culinárias. Na forma de farinha substitui a de trigo e faz parte de preparações como pães, bolos e biscoitos. Para isso, basta triturar o alimento em um processador. É uma boa opção para pessoas com doença celíaca, já que não possui glúten.
Para inovar na cozinha o pinhão poderá ser colocado em receitas com arroz, batatas, carnes, camarões, massas, farofas e peixes. Vale experimentar em saladas, sopas, yakissobas e receitas doces como cheesecake, brownie, bombons, paçocas, pudins e pavês.
Riscos e contraindicações
Não é recomendado o consumo dessa semente crua, pois pode ser tóxica para o organismo. O ideal é cozinhar de 30 a 40 minutos em uma panela de pressão com um pouco de água e sal e depois retirar a casca para consumir.
Fontes:
www.slowfoodbrasil.com.br
Projeto Saberes e Fazeres do Pinhão.
Fortaleza do Pinhão da Serra Catarinense – Sul do Brasil
Tomazoni, Ana Maria – Educar com alimentos: Práticas, reflexões e receitas – Oficina do Livro SP, 2017
Pesquisadores: Cristiane Helm – Embrapa; Durval Ribas Filho, nutrólogo e presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia); Audie Nathaniel Momm, nutrólogo do Hospital do Servidor Público Estadual; e Amanda Mineiro, nutricionista do HCor (Hospital do Coração).