Que conhecimentos posso e devo desaprender para bem viver o tempo que me aguarda?
Neste mês de fevereiro completo mais um ano de vida (71 em 2024). Significa que já entrei naquele período em que muitas mudanças, fortes e indesejáveis mudanças, estão acontecendo comigo. Mudanças cinestésicas, auditivas, oculares, metabólicas, mnemônicas e outras.
É muita mudança em pouco tempo e num sujeito só: eu.
A principal pergunta é: o que devo ainda aprender e desaprender para viver todas essas mudanças da melhor maneira possível?
CONFIRA TAMBÉM:
Pronto. Cheguei à palavra mágica: aprender. Passamos a vida aprendendo coisas úteis e algumas que consideramos inúteis.
Nunca as usamos em lugar nenhum de nossa existência, mas aprendemos assim mesmo.
E uma vez aprendida, a coisa nos incorpora. Ou somos nós que a incorporamos?
Aprender com minhas metamorfoses
é assunto pessoal.
Não me questionem.
Trabalhei mais de quadro décadas como educador e pesquisador em Comunicação das Ciências e Técnicas. Li uma variedade de teóricos da aprendizagem: de John Dewey a Paulo Freire, passando por Vygotsky (meu preferido), Piaget, Maturana, Ausubel, Saviani e outros. Todos têm em comum a ideia de que ninguém aprende do zero, há sempre um senso comum, uma consciência coletiva, que é uma espécie de ponto de partida.
Depois de muito ler e pesquisar, dentro de um quadro teórico que incluía a Teoria das Redes Sociotécnicas e a Teoria da Atividade, cheguei à conclusão que, aprender mesmo, acontece quando a gente constrói as próprias narrativas acerca do tema estudado e, quando isso acontece, a gente muda de comportamentos, assume nova identidade. Logo, se aprender é mudar de comportamentos, não preciso me preocupar tanto com as mudanças: as transformações que vivemos já são adaptações às nossas aprendizagens na vida. Mas, se não aprendeu (nunca é o suficiente), ainda há tempo.
Silêncios plásticos e eloquência dos vazios,
vocação para o deserto e a solidão:
aprendizagens com o envelhecer.
Em duas décadas de minha trajetória lecionei sobre como desenvolver projetos de artefatos e produtos tecnológicos para estudantes de Engenharia. A disciplina era uma prática de laboratório em que eu utilizava uma metodologia de projetos. Foi então que esbarrei no polêmico (na época) conceito de “aprender a aprender”. Sua popularização se deu com a publicação do relatório “Educação: um Tesouro a Descobrir”, da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI da UNESCO, em 1996. Eu o rotulei de “polêmico”, em frase acima, porque foi incialmente contestado pelos pedagogos seguidores de alguns dos teóricos da aprendizagem citados.
É importante mencionar que a expressão “aprender a aprender” não se refere a um método ou técnica específica de ensino. Trata-se de um conceito amplo que abrange diversas habilidades e competências que permitem ao indivíduo aprender de forma autônoma e eficaz ao longo da vida. E o conceito se encaixou como uma luva nas ideias colocadas em prática pelos técnicos do MEC, e suas justificativas, quando instauraram no Brasil os exames de avaliação sistêmica, já neste século.
“Os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender” (Alvin Toffler).
A questão que se coloca no momento em que ultrapasso as sete décadas de existência, considerando que ainda viverei mais três se seguir os passos de minha mãe, é: já é hora de aprender a desaprender? E o que seria isso? Que conhecimentos posso e devo desaprender para bem viver o tempo que me aguarda? Desaprender alguns conhecimentos e privilegiar outros faz parte da sabedoria do envelhecimento? Se aprender a aprender é desenvolver habilidades e competências para melhor executar seus objetivos e propósitos, seria possível escolher quais delas você pode desaprender, considerando que isso é inevitável? Sendo inevitável, quais delas seria importante e necessário reaprender?
Viver de verdade é estar disposto a se perder.
E perder-se é aprender a confiar.
Se no conceito de “aprender a aprender” está implícita a ideia de gerenciamento do próprio processo de aprendizagem, podemos parodiar o relatório da Unesco e pensar no gerenciamento do processo de “aprender a desaprender”. E quem, ou que organização, estará apto a realizar as avaliações sistêmicas do desaprender coletivo (já que os números de pessoas idosas disparam) e propor medidas de otimização do processo?
Foto de Mostafa Meraji/pexels.
