Muito se estuda e se comenta sobre o uso abusivo de medicamentos não só na velhice como também nas demais fases da visa. A princípio, a matéria “Consumo de ansiolíticos em maiores de 65 anos duplicou em 2012”, publicada no Jornal de Notícias de Portugal, causa certa apreensão, nos levando a pensar imediatamente nos males decorrentes do consumo exagerado de drogas vendidas – espera-se – apenas com receita médica.
Entretanto, o psiquiatra Pedro Afonso chama nossa atenção para os aspectos positivos que envolvem o uso dos medicamentos. Segundo a reportagem, “sem o consumo de antidepressivos e ansiolíticos em pessoas maiores de 65 anos, sem esta ferramenta terapêutica o número de suicídios seria maior nesta faixa etária”.
O especialista no Hospital Júlio de Matos, do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, falava à agência Lusa a propósito de dados que serão divulgados no encontro “Avanços e controvérsias em Psiquiatria”. Os dados, fornecidos pela consultora IMS Health indicam que em 2012 foram prescritos 7.753.193 ansiolíticos e 6.095.634 antidepressivos. Em relação a 2011, registou-se um aumento da venda de antidepressivos e estabilizadores de humor na ordem dos 7,7 por cento e de 1,2 por cento na venda de ansiolíticos.
O aumento foi exponencial na prescrição destes fármacos a maiores de 65 anos que subiu de 1.739.406 em 2011 para 3.577.838 em 2012, no caso dos ansiolíticos, e de 1.439.591 em 2011 para 2.297.880 em 2012, nos antidepressivos e estabilizadores de humor.
Para o médico, existem vários fatores que têm levado ao aumento do consumo destes fármacos, a começar pela redução dos rendimentos. Isto sem falar do abandono, das perdas ao longo do tempo e da constatação da própria finitude.
“São pessoas que, em muitos casos, já estão fragilizadas pela doença e que veem frustradas as suas expectativas em relação ao futuro”, disse o Pedro Afonso à Lusa. Ele completa: “Muitas vezes estes idosos têm de acolher os filhos em casa e até de sustentá-los, apesar de receberem menos dinheiro”.
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Pedro Afonso garante que estes casos são aos milhares em todo o país e refletem a pressão enorme a que este idosos estão sujeitos, a que acresce, em muitos casos, a solidão em que vivem.
Na verdade, esta triste situação afeta os idosos mundialmente e com o aumento da expectativa de vida este problema toma proporções gigantescas. Hoje combate-se a solidão com remédios, talvez até de forma indiscriminada. E quanto a isso o psiquiatra é enfático ao afirmar que “esta ferramenta terapêutica tem evitado um maior número de suicídios”.
“Não podemos resolver os problemas destas pessoas, mas apenas oferecer algum alívio ao seu sofrimento e às vezes conseguimos esse alívio através do tratamento”, concluiu.
Idosos alemães em solidão
Erna J., uma senhora de 93 anos que vive no distrito de Neukölln, em Berlim, mesmo no duro inverno alemão, coloca um punhado de amendoins em seu carpete florido para ver os pássaros azuis entrarem em sua sala e roubá-los. “Os passarinhos são meus sublocatários”, diz ela.
Essas palavras iniciais já anunciam o cenário de solidão na matéria “Isolamento e solidão ameaçam vida de milhões de idosos alemães”.
Além dos pássaros, quase ninguém visita a senhora. Erna J. tem cabelos brancos e aparelhos nas pernas e, como muitas pessoas de sua idade, sofre de extrema solidão. Ela nasceu pouco depois da Primeira Guerra Mundial e se mudou para este apartamento há 50 anos. Dez anos depois, seu marido morreu. Ela sobreviveu a todos seus irmãos e amigas. O marido dela não queria ter filhos.
“Eu devia ter insistido”, diz a ex-cozinheira, “então talvez eu não fosse tão solitária hoje”. O telefone dela quase nunca toca – e quando toca, em geral é alguém da empresa de seguro de saúde.
Quantas pessoas que, por forças de circunstâncias conhecidas e desconhecidas, não se fazem a mesma pergunta? Será que o “ter filhos” nos resguarda da solidão? Os casos que vemos circulando na mídia nos leva a crer que não: filhos não representam garantia de companhia, menos ainda de conversa e afeto e nem podem ser obrigados a algo que não querem ou não sentem.
Mesmo diante de certa fragilidade física, Erna “não está disposta a se mudar para um retiro de idosos. Seu apartamento lhe dá certa independência, e ela gosta de cozinhar e ainda toma banho sem ajuda. Além disso, em casa, pode decidir quando acordar e quando dormir”.
O que dizem os especialistas
“Mais de dois milhões de homens e mulheres na Alemanha com mais de 80 anos moram sozinhos. A maior parte deles ficou isolada quando seus cônjuges morreram. Os especialistas acreditam que esse número vai aumentar consideravelmente, graças à expectativa de vida crescente.
Um estudo do Allensbach Institute concluiu que os idosos na Alemanha estão mais saudáveis e em forma do que em qualquer outro momento da história. Ainda assim, também é verdade que as pessoas com mais de 70 anos passam uma média de 17 horas por dia sozinhas – mais do que qualquer outro grupo demográfico.
De acordo com o Centro Alemão de Gerontologia (DZA, na sigla em alemão), mais de 20% dos alemães com mais de 70 anos mantêm contato regular com apenas uma pessoa ou ninguém. Um em cada quatro recebe uma visita de amigos e conhecidos menos de uma vez por mês, e quase um em cada dez não é mais visitado por ninguém.
Muitos idosos não têm ninguém que ainda os chame pelo primeiro nome ou que pergunte como vão. Para muitos, os atores das novelas se tornam uma espécie de família substituta.
E mais, o fato de cada vez mais pessoas optarem por não ter filhos ameaça piorar o isolamento vivido pelos mais velhos. De fato, a falta de filhos aumenta significativamente o risco de solidão.
Por outro lado, como as pessoas se mudam mais e moram menos frequentemente perto de seus pais, a geração mais velha não pode mais contar que vai se manter uma parte integrante da vida dos filhos, e que estes cuidarão dela um dia.
Consequentemente, o risco de solidão entre os mais velhos possivelmente pode aumentar no futuro, diz o diretor do DZA, Clemens Tesch-Römer”.
A solidão seria a visita inesperada da desejada longevidade? A solidão seria a vingança dos avanços da ciência? Estaríamos infringindo as leis da existência finita? Até quando os fármacos nos ajudarão?
Referências
IONLINE (2013). Consumo de ansiolíticos em maiores de 65 anos duplicou em 2012. Disponível Aqui. Acesso em 21/02/2013.
UOL (2013). Isolamento e solidão ameaçam vida de milhões de idosos alemães. Disponível Aqui. Acesso em 11/01/2013.