Lei mais dura contra agressores de mulheres. Na última segunda-feira, dia 7, o presidente Lula sancionou a Lei de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, que traz mudanças significativas quanto à garantia de proteção à mulher vítima de agressão e quanto à punição do agressor.
A partir de agora, ‘homem que bate em mulher’ pode perder o porte de arma e ser preso em flagrante, o que não ocorria antes. Para a delegada Especial de Atendimento à Mulher em Sergipe, Daniela Ramos Lima, a lei traz avanços no atendimento da autoridade policial e traz algumas providências do ponto de vista processual que representam mais versatilidade para a punição dos delitos relacionados à violência doméstica praticada contra a mulher.
Segundo ela, a lei representa anos de luta, não só das DEAMs (Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher) de todo o Brasil, mas de todas as entidades que trabalham com a defesa dos direitos fundamentais de mulheres. “Não é uma lei que vem tratar de uma violência contra a mulher por si só, mas que reconhece que ela é, dentro dos grupos vulneráveis, aquela que possui muitas violações e que tem muitos direitos fundamentais desrespeitados, mesmo sendo, dentre as populações vulneráveis com as quais trabalhamos, aquela que primeiramente começou a lutar pelos seus direitos”, salientou.
Daniela Lima revela que a nova lei traz muitas mudanças. Do ponto de vista do atendimento da Delegacia da Mulher, a legislação procedimentalizou algumas práticas que a maioria das DEAMs já vinham trazendo, o que significa que o padrão de atendimento daquelas delegacias agora é obrigatório por lei. Todas as delegacias – isso inclui as não especializadas e que estão espalhadas nos municípios – estão obrigadas a verificar a questão da necessidade do abrigamento da mulher vítima de violência; o encaminhamento imediato ao IML, no caso das perícias médicas; e o encaminhamento ao serviço de saúde para profilaxia de DSTs, nos casos de violência doméstica e sexual contra as mulheres.
“Tudo isso já vinha sendo feito pelas DEAMs, mas isso hoje deve ser seguido obrigatoriamente pelo profissional de segurança pública no atendimento à mulher agredida”, disse a delegada. Mesmo num município em que não haja o delegado da mulher, no caso de chegar para a autoridade policial um caso de violência contra a mesma, ele vai ter que adotar todas aquelas medidas para o atendimento, tal qual ocorre numa DEAM. Em 48 horas, inclusive, a autoridade policial tem a obrigação de encaminhar ao juiz, em apartado do procedimento, um expediente solicitando as medidas protetivas, a exemplo do afastamento do agressor do lar.
Lima explica que este procedimento vale para o caso de uma mulher que precisa de uma medida protetiva e que estas mudanças são importantes, até mesmo porque todos os casos agora serão apurados por inquérito policial (um procedimento mais complexo). Segundo ela, do ponto de vista do procedimento, a violência doméstica que vinha definida no parágrafo 9º do artigo 129, do Código Penal, foi exaustivamente redefinida na lei. Antes, a única forma de violência que se tinha na lei, do ponto de vista penal, era a definição da lesão corporal, que era praticada no âmbito doméstico por companheiro ou por cônjuge, por ascendente e descendente prevalescentes da relação de co-habitação. Esta era a única definição que existia.
“Agora a lei define a violência doméstica, inclusive nas suas modalidades, ou seja, do ponto de vista físico, psicológico, moral e patrimonial. Até mesmo a injúria e a difamação, que são crimes muito comuns de serem praticados contra a mulher, talvez até o primeiro deles, antes mesmo da escalada da violência física, a desqualificação moral é sempre o primeiro passo, até mesmo esses tipos de agressão estão inseridos no conceito de violência doméstica”, disse, ao lembrar que a pena foi aumentada, no caso da lesão corporal, de um para, no máximo, três anos de prisão.
Tais crimes, de acordo com a delegada, não podem mais ser tratados como procedimento da Lei 9.099/95 (que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais), que é um procedimento mais simplificado e tem o objetivo de ser mais rápido e com menos coleta de provas. “A maior modificação é a criação de uma nova hipótese de prisão preventiva no caso da violência doméstica. Antes, nós trabalhávamos com termo circunstanciado, um procedimento da Lei 9.099. Acontecia de a gente reiterar estes termos circunstanciados de mulheres que eram espancadas e violentadas três ou quatro vezes e nós não podíamos impor ao autor das agressões a prisão em flagrante, por mais violento que ele fosse”, apontou.
Hoje isso não acontece. Existindo os requisitos, a autoridade policial possui o instrumento da prisão preventiva e de outras medidas cautelares que sejam necessárias, como uma investigação por meio de escuta telefônica, o afastamento do agressor do lar – que já existia, mas está mais detalhada. “Vale ressaltar que o delegado tem ainda a obrigatoriedade de encaminhar as providências cautelares para o juiz em, no máximo, 48h. Ele tem 30 dias para concluir a investigação, mas, em 48h, o que for de urgência para garantir a vida ou a integridade da vítima, ele tem que comunicar ao juiz de direito para que este se manifeste”, disse.
Mais celeridade e punição
Daniela Lima considera que a nova lei deu mais celeridade e mais efetividade para os casos. Para se ter uma idéia, o juiz pode até decidir pelas informações documentais que chegarem a ele. Mas afirma que ainda há o que se melhorar. “Depois de tantos anos de luta, ainda hoje, muitas violações permanecem acontecendo, seja dentro de casa, no trabalho etc, então, a lei tenta fazer uma proteção integral das mulheres, inclusive dizendo que, no que for compatível, serão utilizados o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Estatuto do Idoso. Isso significa reconhecer a necessidade de proteção da mulher. A lei tenta traçar uma proteção completa dessa figura, não só do ponto de vista penal, mas do ponto de vista das providências civis também”, observou.
Segundo ela, antes, a impressão que ficava, no tratamento da violência doméstica, era a da impunidade, no que se refere ao agressor. Uma frase que marca até hoje os profissionais da Delegacia da Mulher foi a de um homem que disse: “Ah, os tapas que eu dei naquela cachorra valem quantas cestas básicas me mandarem pagar”. “Tudo por conta da certeza das penas alternativas e, por isso mesmo, a garantia da impunidade”, salientou Lima, ao acrescentar que a aplicação da lei deve trazer uma sensação de mais segurança e de mais efetividade na denúncia da mulher. “É o que a gente espera, e esta é a vontade da lei”, finalizou.
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Fonte: Correio de Sergipe.com, 13/08/2006. Disponível Aqui
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NÃO EXISTE LEI ESPECÍFICA SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER | TIPIFICA E DEFINE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER |
NÃO ESTABELECE AS FORMAS DESTA VIOLÊNCIA | ESTABELECE AS FORMAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER COMO SENDO FÍSICA, PSICOLÓGICA, SEXUAL, PATRIMONIAL E MORAL. |
NÃO TRATA DAS RELAÇÕES DE PESSOAS DO MESMO SEXO. | DETERMINA QUE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER INDEPENDE DE ORIENTAÇÃO SEXUAL. |
APLICA A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI 9.099/95) PARA OS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ESTES JUIZADOS JULGAM OS CRIMES COM PENA DE ATÉ DOIS ANOS (MENOR POTENCIAL OFENSIVO). | RETIRA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI 9.099/95) A COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. |
PERMITE A APLICAÇÃO DE PENAS PECUNIÁRIAS COMO AS DE CESTAS BÁSICAS E MULTA. | PROÍBE A APLICAÇÃO DESTAS PENAS. |
OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS TRATAM SOMENTE DO CRIME, MAS PARA A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA RESOLVER AS QUESTÕES DE FAMÍLIA (SEPARAÇÃO, PENSÃO, GUARDA DE FILHOS) TEM QUE INGRESSAR COM OUTRO PROCESSO NA VARA DE FAMÍLIA. | SERÃO CRIADOS JUIZADOS ESPECIAIS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER COM COMPETÊNCIA CÍVEL E CRIMINAL PARA ABRANGER TODAS AS QUESTÕES. |
A AUTORIDADE POLICIAL EFETUA UM RESUMO DOS FATOS ATRAVÉS DO TCO (TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA). | PREVÊ UM CAPÍTULO ESPECÍFICO PARA O ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL PARA OS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. |
A MULHER PODE DESISTIR DA DENÚNCIA NA DELEGACIA. | A MULHER SOMENTE PODERÁ RENUNCIAR PERANTE O JUIZ. |
É A MULHER QUE MUITAS VEZES ENTREGA A INTIMAÇÃO PARA O AGRESSOR COMPARECER EM AUDIÊNCIA. | É VEDADA A ENTREGA DA INTIMAÇÃO PELA MULHER AO AGRESSOR. |
A LEI ATUAL NÃO UTILIZA A PRISÃO EM FLAGRANTE DO AGRESSOR. | POSSIBIBILITA A PRISÃO EM FLAGRANTE. |
NÃO PREVÊ A PRISÃO PREVENTIVA PARA OS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. | ALTERA O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PARA POSSIBILITAR AO JUIZ A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA QUANDO HOUVER RISCOS À INTEGRIDADE FÍSICA OU PSICOLÓGICA DA MULHER. |
A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA GERALMENTE NÃO É INFORMADA QUANTO AO ANDAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS. | A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SERÁ NOTIFICADA DOS ATOS PROCESSUAIS, ESPECIALMENTE QUANTO AO INGRESSO E SAÍDA DA PRISÃO DO AGRESSOR. |
A MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, EM GERAL, VAI DESACOMPANHADA DE ADVOGADO OU DEFENSOR PÚBLICO NAS AUDIÊNCIAS. | A MULHER DEVERÁ ESTAR ACOMPANHADA DE ADVOGADO OU DEFENSOR EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS. |
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NÃO É CONSIDERADA AGRAVANTE DE PENA. | ALTERA O ARTIGO 61 DO CÓDIGO PENAL PARA CONSIDERAR ESTE TIPO DE VIOLÊNCIA COMO AGRAVANTE DA PENA. |
HOJE A PENA PARA O CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É DE 6 MESES A 1 ANOS | A PENA DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PASSARÁ A SER DE 3 MESES A 3 ANOS. |
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER PORTADORA DE DEFICIÊNCIA NÃO AUMENTA A PENA. | SE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA FOR COMETIDA CONTRA MULHER PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, A PENA SERÁ AUMENTADA EM 1/3. |
NÃO PREVÊ O COMPARECIMENTO DO AGRESSOR A PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO E REEDUCAÇÃO. | ALTERA A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS PARA PERMITIR QUE O JUIZ DETERMINE O COMPARECIMENTO OBRIGATÓRIO DO AGRESSOR A PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO E REEDUCAÇÃO. |
Maria da Penha
A nova lei já é conhecida como Lei Maria da Penha entre os movimentos de defesa da mulher, em homenagem a Maria da Penha Maia, 60, vítima de violência doméstica em 1983. Ela se tornou líder desses grupos e estava ontem no Planalto. Aos 38 anos, Maria da Penha levou um tiro do marido, enquanto dormia. Mãe de três meninas, ficou quatro meses internada e hoje está numa cadeira de rodas. Quando voltou do hospital, enquanto esperava o processo judicial para que pudesse manter as filhas, ficou 15 dias presa em casa, submetida a choques no chuveiro. O ex-marido, professor universitário, ficou apenas dois anos preso e hoje cumpre pena em regime aberto.