A exposição Paisagens férteis, do artista Santídio Pereira, foi feita para Salma, Sérgio, Júlio…
Quando o menino Santídio chegou a São Paulo, tudo era tão diferente que foi preciso aprender a brincar nas lembranças que o acompanhavam enquanto praticava a arte de expressar o que havia ficado para trás.
Nascido no interior do Piauí, no povoado de Curral Comprido, suas memórias encontraram espaço de existência no dia a dia da criança que trazia consigo o cheiro da chuva forte, as brincadeiras com os pés descalços, as árvores carregadas de frutas e os bichos presentes por todo lado.
Assim que chegou à cidade, sua mãe o colocou no Instituto Acaia, lugar que ensinou o menino a lidar com as saudades que sentia.
Foi nas aulas de marcenaria, através da ajuda do professor Alex, que Santídio pode ter o Piauí perto de si novamente.
Queria ter perto o cavalo que havia ficado lá longe e Alex o ensinava a materializá-lo na madeira. Desta forma, o cavalo feito no Acaia era tão verdadeiro quanto o deixado pelo menino no Piauí.
Seu interesse pela arte era evidente e foi assim que o menino cresceu sem nunca perder suas origens e sem nunca se separar da sua terra.
Hoje em dia Santídio Pereira é um importante nome da arte brasileira.

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Quando Salma abriu a janela, o dia estava bonito, mas quente demais para seu gosto. Mesmo sem vontade, forçou-se a escolher um vestido e um alegre colar que certamente a ajudariam a enganar a tristeza que sentia.
Tudo estava diferente. Sua casa parecia vazia e muito maior do que pensava ser.
No cabide, o casaco que Jorge usara na noite em que se sentiu mal continuava pendurado como se ele tivesse acabado de chegar em casa e os porta-retratos exibiam a cumplicidade adquirida pelo casal nesses quarenta anos de um casamento feliz.
Agora estava só, incompleta. Salma sentia-se oca e, por onde fosse, parecia levar o vazio com ela.
Quando Sérgio se aposentou foi difícil achar algum sentido na vida.
Não achava o que fazer justamento quando podia fazer tudo.
Seu dia era cheio de nada e nada o preenchia. Era um nada fazer misturado com um nada sentir.
—Sou mesmo um inútil.
Sua esposa o incentivava a sair para ver gente.
—Sergio, é preciso viver!
Quando o dia amanheceu na periferia da cidade, os pontos de ônibus já estavam lotados por trabalhadores impedidos de respirar livremente por uma rotina maçante que engole desejos enquanto tenta silenciar o grito engasgado na garganta.
Com o fone de ouvido, Júlio ouve o canto que rompe o silêncio das vozes caladas por este sistema que oprime e anula jovens negros que como ele, sonham com um viver liberto.
A periferia tem voz e não irá se calar, pensava Júlio enquanto entoava versos dos Racionais:
“Recebe o mérito a farda que pratica o mal
Me ver pobre, preso ou morto já é cultural.”
Entre um pensamento e outro, Júlio enfrenta mais um dia de dificuldades por ser preto, pobre e favelado.
Quando o menino Santídio teve aulas de desenho, ficou enlouquecido com as tantas possibilidades que existem na ponta de um lápis. Eram muitos os desenhos de observação que fazia até que chegou um momento em que percebeu que não queria mais desenhar aquilo que tinha a sua frente.
Queria colocar no mundo o que tinha ausência. A ele interessava a falta.
E foi assim que o menino cresceu e se tornou o artista cujo trabalho pode ser conferido no Museu de Arte Moderna de São Paulo até 01 de setembro.
O canteiro com capim-do-pendão rosa plantado foi construído pelo artista no espaço expositivo para nos contar da sua terra e das suas lembranças.
Santídio imprime suas gravuras gigantes sem ajuda de prensa.
Debruça sobre cada trabalho usando ferramentas, como colheres, para que a tinta se fixe no papel. Em tudo há uma entrega e grande sensibilidade, sua principal matéria.
Vive a ausência com o corpo e o coração, e essa é a maneira encontrada por ele de estar pleno com tudo que o constitui.
A exposição Santídio Pereira, Paisagens férteis, com curadoria de Cauê Alves, foi feita para Salma, para Sérgio, para Júlio e para todos que desejam viver momentos de encantamento através das gravuras, das madeiras recortadas, das flores e montanhas do artista que nos ensina a importância de suprir a ausência para seguir em frente em outras realidades.
Serviço
Exposição Santídio Pereira, Paisagens férteis
Curadoria: Cauê Alves
Paríodo: 2 de abril a 01 de setembro de 2024
Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo (sala Paulo Figueiredo)
Endereço: Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3), São Paulo.
Horário: terça a domingo, das 10h às 18h (com a última entrada às 17h30)
Ingresso: R$30,00 inteira e R$15,00 meia-entrada. Aos domingos, a entrada é gratuita e o visitante pode contribuir com o valor que quiser.
