Na busca por práticas orais, encontramos a Carta Mandinga que compreende as potencialidades dos saberes orais, a palavra griô. Os valores presentes na Carta, ainda que situados historicamente séculos antes dos tratados ocidentais, contemplam o que convencionou-se chamar de direitos humanos no Ocidente.
Leonardo Mendes Alves, Raphael Ribeiro de Camargo e Mariana Ferreira (*)
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Entre os povos do oeste da África, os griôs são aqueles que há séculos preservam e transmitem as histórias – principalmente as que se referem aos grandes líderes e à formação dos reinos, mas também às pessoas comuns. Daí a palavra griô, que tem origem na tradição oral africana, utilizada para designar mestres portadores de saberes e fazeres da cultura, esses transmitidos oralmente. Tradicionalmente, os griôs contavam a história de seu povo na forma de poemas ou canções. Com o passar do tempo e com as mudanças que se processaram nas sociedades africanas, as maneiras de contar as histórias e mesmo alguns de seus episódios foram sendo alterados, de maneira a adaptar as narrativas tradicionais ao mundo contemporâneo.
A palavra griô ao ser incorporada à cultura brasileira teve seu sentido ampliado, sendo agregadas ao ofício do griô outras ações, como cantoria, dramaturgia, danças, além da contação de histórias; mas sem perder a sua referência, quanto à valorização de transmissão de saberes por meio da tradição oral. Tal prática se mostra como um modelo de resistência quando falamos em modelo escolar de aprendizado. Além de resistir, ela carrega em si a ampliação dos conhecimentos, carrega em si a dialética do passado, presente e futuro.
Na busca por práticas orais, encontramos um estudo realizado por Victor Souza, historiador social, que buscou referências na África. Neste estudo a Carta Mandinga foi um documento de matriz oral, originalmente conhecido como Pacto de Kurukanfuga ou Manden Kalikan, que compreende as potencialidades dos saberes orais. Datada do início do século XIII, a Carta surgiu entre os povos malinké e bambara, no bojo do antigo Império do Mali, em 1235, espaço que abrangeria hoje os países Mali, Burkina-Fasso, Senegal, Gâmbia, Níger, Guiné, Costa do Marfim e Mauritânia. Interessante notar que os valores presentes na Carta, ainda que situados historicamente séculos antes dos tratados ocidentais sobre os chamados direitos naturais, contemplam o que no Ocidente convencionou-se chamar de direitos humanos.
Esta carta reúne, através de um levante da cultura local, das músicas, dos espetáculos e daquilo que as nações carregam consigo, artigos construídos em coletividade. Recomendações a respeito da propriedade, do direito à vida, do trato de mulheres e crianças se aproximam de tal maneira de diretrizes aceitas hoje pela ONU, demonstrando como a tradição oral pode ser uma potente ferreamente de conservação de ricos conteúdos da história humana, seus acordos e organizações. Para exemplificar as semelhanças, observemos dois artigos em destaque:
Artigo 4: A sociedade está dividida em “classes” de idade. Para representar cada uma delas será eleito um chefe. Fazem parte de cada classe de idade, pessoas (homens ou mulheres) nascidas no período de três anos consecutivos. Os kangbés (jovens e velhos estrangeiros) devem ser convidados a participar na tomada de grandes decisões a respeito da sociedade.
Artigo 5: Cada um tem direito à vida e à preservação de sua integridade física. Por consequência, todo atentado contra a vida de seu próximo será punido por pena de morte.
Vamos refletir sobre eles em 2020? No direito à vida e nas diferentes gerações participarem da tomada de grandes decisões que envolvem o futuro de todos.
Referências
SOUZA, M. Victor. Uma percepção africana dos direitos humanos: a Carta Mandinga.Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 4 | Nº. 1 | Ano 2018
(*) Estudantes do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Texto escrito na eletiva sobre Relações Intergeracionais mediadas pela Tecnologia durante o segundo semestre de 2019, ministrada pela profa. Beltrina Côrte: Leonardo Mendes Alves ([email protected]), Raphael Ribeiro de Camargo ([email protected]) e Mariana Ferreira ([email protected])