A arte de envelhecer com prazer

A arte de envelhecer com prazer

O filósofo Cícero desenvolve a tese de que a arte de envelhecer é encontrar o prazer que todas as idades proporcionam.


Cícero, o filósofo romano nascido no ano 106 a.C., nos deixou obras importantes sobre as quais devemos nos reportar em vários assuntos, sendo uma delas sobre o envelhecimento. Chegou em minhas mãos, por aqueles acasos fortuitos não negligenciáveis, seu livro Saber Envelhecer, publicado em 2007 pela editora L&PM. Nesse livro Cícero desenvolve a tese de que a arte de envelhecer é encontrar o prazer que todas as idades proporcionam.

Gostaria de revisitar a obra do filósofo trazendo, para hoje, algumas hipóteses feitas por ele e, principalmente, trazendo para minha vida vários de seus ensinamentos. Um deles é um conjunto de respostas a um questionamento daquela época e, incrível, ainda muito comum atualmente:

Por que muitas pessoas pensam que a velhice é detestável?

1 – A velhice nos afastaria da vida ativa

“Não são nem a força, nem a agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são outras qualidades, como a sabedoria, a clarividência, o discernimento” (Cícero). Temos grandes exemplos de pessoas idosas ativas, que nunca desistiram de seu trabalho, de deixar de lado a sua competência adquirida durante a vida. Cícero cita generais romanos que viveram ativos por muitos anos, ou políticos, os senadores e cônsules romanos. Sabemos bem, no entanto, que a vida média do cidadão romano era em torno de 40 anos. A vida mais longa era privilégio de quem vivia na riqueza e tinha escravos para o serviço pesado. As guerras eram constantes e as tubulações de água eram feitas de chumbo, metal pesado que adoecia a maioria das pessoas.

Hoje temos vários exemplos de pessoas longevas, passando dos 90 anos e chegando aos 100 com vida ativa. Faltam-lhes a força, a memória os engana, mas ainda conseguem muitos feitos. Sobretudo se amados pelas pessoas que os cercam.

O que é preciso para ter uma vida ativa? Difícil dizer, mas Niemeyer desenvolveu alguns projetos arquitetônicos com quase 100 anos. Tenho uma vizinha com 96 anos que está bem, lúcida e ainda comanda sua casa. O corpo humano é um mistério, a vida é um mistério. Não há regras, mas muitos conseguem, hoje, ter uma mais vida longa e mais ativa que antes.

2 – A velhice enfraqueceria nossos corpos

Cícero escreveu sobre a velhice com 59/60 anos (no calendário atual) e já se considerava um velho. Ele mesmo afirma isso em seu livro Saber Envelhecer. Vale lembrar que teve morte trágica, sendo decapitado aos 61 anos, a mando de Marco Antônio, cuja tirania ele combatia ferozmente com seus discursos. É considerado um dos mais influentes escritores e oradores romanos, deixando um enorme legado para o latim e todas as línguas europeias surgidas posteriormente.

É evidente que ficamos mais fracos com o tempo. Sinto isso na pele. Do futebolista amador que fui até os 50 anos, treinando durante a semana e jogando aos domingos, fui sendo obrigado a mudar de esporte, passando a praticar outros com menos exigência de vigor físico. Passei ao remo, depois às corridas de rua, hoje contento-me com caminhadas e pedaladas e exercícios de solo. Mas como disse Cícero “se tu lamentas a perda dos bíceps, não são eles o problema, mas tu mesmo”.

“É preciso servir-se daquilo que se tem e, não importa o que se faça, fazê-lo em função de seus meios” (Cícero)

Já ouvi uma frase parecida durante uma palestra em um ginásio para uma plateia de aproximadamente mil pessoas.

“Para fazer tudo que quero fazer, primeiro procuro os meios e recursos que tenho à minha volta e os adapto às minhas necessidades” (Marcos Rossi)

Só que Marcos Rossi não tem braços nem pernas. E se ele consegue fazer o que quer, por que eu não conseguiria só porque sou pessoa idosa? Sem desculpas, meu velho. Olhe em volta e siga em frente.

Cícero já nos dizia, há 2070 anos, que “o exercício físico e a temperança permitem conservar, até a velhice, um pouco da resistência de outrora”, acrescentando ainda: “mas não basta estar atento ao corpo; é preciso ainda mais ocupar-se do espírito e da alma”.

Ele também nos brinda com uma receita infalível, segundo ele, para exercitar a memória. “Aplico o método caro aos pitagóricos: toda noite, procuro me lembrar de tudo o que fiz, disse e ouvi na jornada”.

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3 – A velhice nos privaria dos melhores prazeres

Este é um ponto polêmico porque, afinal de contas, o que é o prazer? Cícero considerava como prazerosa a boa conversação, à mesa, com os amigos, ao trabalho na agricultura, ao prestígio que ele mesmo possuía como orador, ao debate intelectual. Em suas considerações não incluía o amor e o sexo, e dizia que a paixão seria uma obsessão sem controle. Mas, ao mesmo tempo, “se a velhice não os aproveita da mesma maneira, ela não está totalmente privada deles”.

Ah, os prazeres! Como são cantados e contados pelo mundo afora! Como são bons! É bom ser aberto a sentir os prazeres da vida e não se envergonhar de senti-los! Quem tem prazer na vida, e pela vida, não sofre dos males ligados à tristeza. Depressão? Angústia? Ansiedades? São todos sintomas da falta de prazer.

O prazer é sempre simples e direto. Não tem meias-palavras, nem segue meias verdades. É preciso estar conectado com o presente, com a vida hoje, com as alegrias do cotidiano. No último Dia dos Pais tive o privilégio de ter, a meu lado, filhos e netos, que vieram de longe para estar comigo. Meu último grande prazer deste ano.

“Deuses gregos, romanos, africanos, brasileiros, budas, escambo mil vidas por esses momentos mágicos de convivência, amor e prazer”
(Paulo Cezar S. Ventura)

4 – A velhice nos aproximaria da morte

A morte, ela, é incontestável. “Mas como é lastimável o velho que, após ter vivido tanto tempo, não aprendeu a olhar a morte de cima!”. Com essa frase aforística, Cícero inicia seus comentários sobre a morte e eu, e qualquer um como eu, com muito mais passado que futuro, só posso concordar, depois de alguma reflexão. Na verdade, quem está seguro, mesmo sendo jovem, que não irá encontrá-la antes do anoitecer, na volta para casa com o trânsito maluco das cidades?

“Os frutos verdes devem ser arrancados à força da árvore que os carrega; quando estão maduros, ao contrário, eles caem naturalmente” (Cícero)

Contentemo-nos, então, com o tempo que nos for dado para viver, sem nos preocuparmos com o tempo passado. Perdido ou bem vivido, ele não tem retorno. Esse tempo que nos resta é sempre suficiente para vivê-lo com sabedoria, serenidade e honra. E se conseguimos assumir os encargos das funções que nos são ofertadas na vida, viveremos bem, sem nos preocuparmos com os pensamentos e ações alheias. A serenidade só é possível com uma grande preparação.

Lembro-me perfeitamente bem da serenidade alcançada por meu pai em seus últimos momentos, após meses de dor e sofrimento. Eu estava a seu lado, sabíamos, os dois, que era chegado o momento de ele partir, e sua última palavra foi meu nome, com um sorriso. Assim também quero morrer, com sorriso nos olhos, mesmo com dor.

Finalmente

Não há uma espécie de tratado sobre a arte de envelhecer, cada um desenha sua tela como lhe aprouver. Como toda arte, essa também requer estudo, pesquisa, solução de problemas, desenvolvimento, técnica e muito trabalho. O trabalho de uma vida inteira, que exige conhecimento e cada vez mais sabedoria. Rabugice, mau-humor, chatice, mau-caratismo existem em todas as idades, não são defeitos inerentes às pessoas idosas. As características antônimas a essas, também, precisam ser lapidadas. Portanto, a arte de envelhecer com prazer é uma sabedoria (uma técnica) desenvolvida desde a infância. Quem tem prazer na juventude tem mais chances de envelhecer com prazer. Ou algo muito forte e importante precisa acontecer em algum momento de sua vida para uma ruptura comportamental acontecer. O prazer é, portanto, uma busca com criatividade.

Pessoas criativas são aquelas que se desprenderam de preconceitos instituídos, em qualquer domínio: ciência, arte, cozinha, relacionamentos, envelhecimento!
(Paulo Cezar S. Ventura)

Foto destaque de Mehmet Turgut Kirkgoz/pexels.


Paulo Cezar S Ventura

Graduado (UFMG) e Mestre (USP) em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação, pela Université de Bougogne, em Dijon, França. Exerceu a profissão de professor, no CEFET-MG, onde dirigiu o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte. Hoje se dedica à literatura e se identifica como poeta, cronista, contista e editor da Rolimã Editora Ltda. Autor de diversos livros. Participa do Movimento Vidas Idosas Importam e é membro da Academia Novalimense de Letras. [email protected] - @paulocezarsventura

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Paulo Cezar S Ventura

Graduado (UFMG) e Mestre (USP) em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação, pela Université de Bougogne, em Dijon, França. Exerceu a profissão de professor, no CEFET-MG, onde dirigiu o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte. Hoje se dedica à literatura e se identifica como poeta, cronista, contista e editor da Rolimã Editora Ltda. Autor de diversos livros. Participa do Movimento Vidas Idosas Importam e é membro da Academia Novalimense de Letras. [email protected] - @paulocezarsventura

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