A Fundação Calouste Gulbenkian criou um projeto que concilia voluntariado e envelhecimento ativo. É o Mais Valia, dirigido a profissionais acima dos 55 anos, que participam como voluntários em projetos já em curso nos países africanos de língua oficial portuguesa, sobretudo nas áreas da Educação, Saúde, Engenharia e Agronomia. O efeito dos avós é muito interessante, porque chegam às duas gerações abaixo, a dos filhos e a dos netos. Pessoas que estiveram muito centradas na sua vida profissional chegam a esta fase e descobrem um novo sentido, o de ajudar a que o outro mundo tenha as mesmas oportunidades, e falam com os filhos e os netos sobre isto.
e-NCONTROS *
Maria Hermínia Cabral, diretora do programa Parcerias para o Desenvolvimento da Fundação Calouste Gulbenkian, fala sobre este projeto que já enviou quatro voluntários para apoiar o trabalho da FEC na Guiné-Bissau e em Angola.
Para a diretora do Programa Parcerias para o Desenvolvimento, este é um projeto que «pega na Educação para o Desenvolvimento ao contrário. A Educação para o Desenvolvimento é uma área fundamental para a cidadania global, porque só conseguimos estar bem neste mundo se tudo o resto também estiver, mas costumamos associá-la aos jovens e às escolas. Nós vamos pegar nos avós, e o efeito a montante dos avós é muito interessante, porque chegam às duas gerações abaixo, a dos filhos e a dos netos. Pessoas que estiveram muito centradas na sua vida profissional chegam a esta fase e descobrem um novo sentido, o de ajudar a que o outro mundo tenha as mesmas oportunidades, e falam com os filhos e os netos sobre isto.»
Sobre a mais-valia que esta experiência tem para os voluntários, Maria Hermínia Cabral destaca «a consciência de que há imensas possibilidades de exprimir a cultura, todas elas muito válidas, e de que há inúmeras formas de os países se desenvolverem, comandados por si próprios e não pelo exterior».
Maria Hermínia Cabral acredita que a passagem desta mensagem pelos voluntários tem um enorme impacto naqueles que os rodeiam, que ajude os mais novos a equacionar experiências semelhantes e que desmistifique uma linguagem hermética que por vezes se associa aos temas do Desenvolvimento. «O nosso próprio existir é estar no desenvolvimento», conclui Maria Hermínia Cabral. «As pessoas acham que as questões do desenvolvimento são muito longínquas, mas todos os dias estamos em projetos de desenvolvimento, o nosso projeto de vida é um projeto de desenvolvimento.»
Na base do lançamento do projeto Mais Valia pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2012, esteve a «constatação de que havia um extrato etário da população portuguesa, acima dos 55 anos, com elevadas competências técnicas e de enquadramento no mundo, com outra capacidade de olhar para os problemas que se colocam nos países em desenvolvimento», explica-nos Maria Hermínia Cabral. «Por outro lado, algumas organizações no terreno confrontavam-se com problemas financeiros, que não lhes permitiam integrar voluntários qualificados nos seus projetos. As organizações da sociedade civil têm, muitas vezes, grandes insuficiências de recursos humanos, com os seus recursos muito ocupados para fazerem o enquadramento de voluntários.»
Estas pessoas fazem toda a diferença num projeto, porque «têm muita experiência, viram muita coisa». Mas a responsável pelo projeto explica que evitou «canibalizar o mercado, isto é, ter missões de longa duração que pudesse substituir os recursos humanos locais que devem ser responsáveis por desenvolver os seus países». Por isso, as missões são curtas, «cirúrgicas». Por exemplo, para ajudar a concluir um Plano Diretor Municipal ou apoiar a formação de professores ao nível das necessidades especiais.
Esta foi precisamente a missão de Teresa Santos, professora no Instituto Politécnico de Beja, que colaborou com a FEC na Guiné-Bissau em setembro e outubro de 2015. O seu trabalho passou pela visita a 14 instituições dedicadas à educação e proteção de crianças em risco, tendo em vista a inclusão escolar e social das crianças e jovens com deficiência e necessidades educativas especiais, uma das linhas de ação da FEC na Guiné-Bissau. «A maioria das entidades que visitei são organizações não-governamentais que nasceram de ideias, sonhos de pessoas e comunidades da sociedade civil, e que têm tentado dar resposta a necessidades na área da saúde, educação e proteção das crianças em risco, complementando a ação do Estado», recorda. A professora também realizou um curso de formação e cinco workshops sobre educação inclusiva, que envolveram 148 colaboradores da FEC e dos seus parceiros. Assegura que não foi surpreendida pela realidade que encontrou, porque a FEC lhe tinha dado muita informação, «em particular o estudo sobre as crianças irã». Embora houvesse temas em que os participantes se mostrassem «incomodados por o seu país ainda estar numa fase inicial nos cuidados a crianças com deficiência», que só recentemente começaram a ser integradas em turmas do ensino regular, Teresa Santos destaca o interesse dos formandos, «ávidos de informação», como sinal de esperança para o setor onde interveio na Guiné-Bissau.
A importância da formação
A Fundação recebeu quase 500 candidaturas online, que foram reduzidas a uma bolsa de 60 voluntários, dos quais 30 já partiram em missões com uma duração média de dois meses. Neste momento, o projeto Mais Valia não está aberto a novas candidaturas. Os candidatos enviaram o seu Curriculum e uma carta de motivação, que dava uma ideia importante sobre as suas intenções, «para que não fosse uma mera revisitação do passado», ressalva Maria Hermínia Cabral.
A seleção passou depois por uma entrevista, onde se desmontaram as ideias feitas sobre os países, e uma formação de três dias, em regime de internato, onde se explicou o que é a Cooperação para o Desenvolvimento e se preparou a capacidade de reação ao improviso, que é sempre necessária nas missões. «Ninguém vai às escuras», garante Maria Hermínia Cabral, e algumas pessoas desistiram no final da formação.
Cada missão dá origem a um contrato tripartido, entre a Fundação Calouste Gulbenkian, o voluntário e a organização que o acolhe. A Fundação cobre os custos com a viagem, o visto, os seguros de saúde e acidentes pessoais, enquanto a instituição que acolhe proporciona o alojamento e a alimentação.
Uma colaboração que continua no regresso
O trabalho com as organizações que acolhem os voluntários começa uns meses antes da missão. «As pessoas sabem muito bem ao que vão, quais são as suas tarefas», explica Maria Hermínia Cabral. A Gulbenkian assegura que a instituição acolhedora tem as condições mínimas e que o voluntário «comunga dos mesmos valores da instituição, porque é um ato de liberdade ir para aquele projeto ou não».
Após o regresso, a Gulbenkian faz uma avaliação com os voluntários, que lhe permite recolher também «mais conhecimento do terreno, porque viver dois meses intensamente dentro da equipa é completamente diferente de fazer uma visita de acompanhamento de dois dias». Esta avaliação traz também «ideias de complementos dos projetos da Fundação», conta a coordenadora do Mais Valia.
Outro ponto forte desta iniciativa é a ligação que os voluntários mantêm com as organizações. «Sei que a FEC faz uma avaliação muito positiva», assegura Maria Hermínia Cabral. «O retorno mais importante é que as pessoas ficam ligadas à FEC, continuam a colaborar com os projetos no terreno de uma forma qualificada.»
Exemplo disto é Carmen Monteiro, enfermeira nascida na Alemanha, que colaborou com o projeto “Obrigado Mãe”, da FEC, no Centro Materno-Infantil Nossa Senhora da Graça, em Benguela (Angola), em novembro e dezembro de 2015. Com a experiência acumulada de mais de quatro décadas dedicadas à enfermagem, teve a seu cargo a definição do Manual de Procedimentos do Centro e a sua implementação, bem como a preparação de condições para o desenvolvimento dos estágios em serviço de enfermeiros, parteiras e gestores das unidades de saúde de três províncias angolanas. Elogia as condições físicas que encontrou no Centro de Nossa Senhora da Graça e o empenho da sua diretora, a Dra. Mafalda Corrêa, e só lamenta «o tempo ter sido muito curto» para perceber o impacto das formações que deu aos profissionais de saúde local. Por agora, está a terminar o relatório que os voluntários se comprometem a escrever no final da missão, e pensa continuar a colaborar com a FEC neste projeto, naquilo que lhe for possível.
Educação para o Desenvolvimento ao contrário
Para a diretora do Programa Parcerias para o Desenvolvimento, este é um projeto que «pega na Educação para o Desenvolvimento ao contrário. A Educação para o Desenvolvimento é uma área fundamental para a cidadania global, porque só conseguimos estar bem neste mundo se tudo o resto também estiver, mas costumamos associá-la aos jovens e às escolas. Nós vamos pegar nos avós, e o efeito a montante dos avós é muito interessante, porque chegam às duas gerações abaixo, a dos filhos e a dos netos. Pessoas que estiveram muito centradas na sua vida profissional chegam a esta fase e descobrem um novo sentido, o de ajudar a que o outro mundo tenha as mesmas oportunidades, e falam com os filhos e os netos sobre isto.»
Sobre a mais-valia que esta experiência tem para os voluntários, Maria Hermínia Cabral destaca «a consciência de que há imensas possibilidades de exprimir a cultura, todas elas muito válidas, e de que há inúmeras formas de os países se desenvolverem, comandados por si próprios e não pelo exterior».
Maria Hermínia Cabral acredita que a passagem desta mensagem pelos voluntários tem um enorme impacto naqueles que os rodeiam, que ajude os mais novos a equacionar experiências semelhantes e que desmistifique uma linguagem hermética que por vezes se associa aos temas do Desenvolvimento. «O nosso próprio existir é estar no desenvolvimento», conclui Maria Hermínia Cabral. «As pessoas acham que as questões do desenvolvimento são muito longínquas, mas todos os dias estamos em projetos de desenvolvimento, o nosso projeto de vida é um projeto de desenvolvimento.»
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