Em entrevista, Zé Geraldo fala do seu caminhar sem perder a poesia da vida.
“Hei, você que tem de 8 a 80 anos
Não fique aí perdido como ave sem destino
Pouco importa a ousadia dos seus planos
Eles podem vir da vivência de um ancião
Ou da inocência de um menino…”
(Como diria Dylan – Zé Geraldo)
Como fã sempre atenta às letras de Zé Geraldo, percebi que seus versos e poesia estão repletos de sinais dos elementos que compõem o ciclo da vida. Tudo aquilo que é natural, simples e belo é bem retratado em seu trabalho, o que em fatos revela sua essência, um verdadeiro “catadô de bromélias”.
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Próximo de completar 80 anos e já gravando seu 22º álbum, o poeta do bem – como intitulado pelo cantor João Carreiro – usou de sua generosidade ao aceitar, muito gentilmente, prosear comigo sobre esse processo tão natural que é o envelhecer.
Com seu jeito cortês, Zé já iniciou nossa conversa me contando como encara essa questão do envelhecimento:
“Hoje mesmo fui almoçar com o Zeca Baleiro e falei para ele sobre essa conversa contigo. Não tenho problemas em falar dos 80 anos, que completarei em dezembro desse ano, pois acho que o fato de conviver com todas as idades, me relacionar bem com todos e ter vindo de uma família longeva da roça, me faz chegar leve nessa idade.”
Entrevista
Silmara: Sobre a longevidade, o que você faz aos 80 anos que não fazia na juventude?
Zé Geraldo: Não fumo mais e nem bebo como antes. A vida é feita de vitórias e derrotas, em uma dessas lutas o alcoolismo quase me derrubou. Quando fiz 40 anos tive um clique desses vícios e de como estava indo a minha vida. Foi primordial parar. O cigarro e o whisky andavam juntos com a minha insegurança e timidez. Mesmo quando entrei no mundo artístico, me sentia isolado, pois a minha música não era rock, não era MPB e nem sertanejo. Foi um período difícil! Não acho que os vícios eram só por isso, mas tinham relação. Eu quase parei minha carreira, mas naquele momento me toquei e fiz uma mudança radical, dizendo não a esses vícios e reconstruindo a minha história. Ao partir para a estrada, descobri que tinha um público fiel de minha música e assim fui com eles resgatando a minha vida.
A gente vê símbolos de resistência e de crítica política em suas letras, desde décadas atrás com “Milho aos pombos”, até hoje onde compõe sobre o caso Floyd. Como esse cidadão se transforma dentro de você com o passar da idade mantendo um compromisso social?
O meu papel de cidadão também vem por meio da música, observando tudo que está acontecendo ao meu redor na sociedade e lutando por um mundo melhor. Eu só sei fazer isso. Quem me conhece sabe que sou transparente. Um dia me perguntaram o porquê de não gravar outro estilo. Respondi: Porque isso tem a ver comigo!
Nas suas criações e interpretações você vê mudanças significativas do Zé na fase da juventude para a fase da velhice?
O tempo ensina, hoje sou mais esperto, “malandro”. Escrevo as músicas e já seleciono com quais letras vou trabalhar. Na pandemia eu fiquei muito mal, pois batia um medo que acho que foi comum a todos. No meu caso eu estava enquadrado no grupo de risco por ter problemas pulmonares. Nessa fase minha esposa começou um curso de música on-line e, quando menos eu esperava, já estávamos cantando juntos, o que aliviou a tensão. Retornei à infância e adolescência, o que me levou a mais uma produção, o álbum “O lugar onde eu nasci”. Não achei que seria um lançamento, mas os amigos e minha família ouviram as canções e me motivaram a lançar.
O que te levou à essas lembranças?
A incerteza do que seria de nós. Comecei a repensar a minha vida, aspectos pessoais que nunca tinham aparecido e que acabei transformando em música. Tem muito da minha história nesse trabalho. Dessa forma, tive de volta a vontade de cantar e de gravar.
Além do papel de músico, quais outros você considera que mais desempenha?
Logo no início da pandemia demos férias para nossa secretária do lar e minha esposa estava trabalhando, assim, fui assumindo novos papéis de cozinheiro e cuidando dos afazeres da casa. Depois de aspirar o chão, limpar tudo, o meu lugar era na cozinha separando os ingredientes para o almoço. Fui criando esse hábito. E tudo isso ao som de uma boa música. Fiquei orgulhoso de mim, pois acho que quando se tem noção dos temperos, é só buscar as receitas na internet e a gente consegue fazer um bom prato. Como sou um bom mineiro, meu prato “carro-chefe” passou a ser frango com quiabo.
O terceiro papel mais desempenhado foi o de jardineiro. Gosto do contato com a terra, mas os principais papéis que cultivo mesmo são os de pai, marido e de amigo, sou muito família.
Já no papel de avô do Gael (que tem hoje 14 anos), cada vez mais venho avançando nessa relação. Em primeira mão vou falar a você que ele terá uma participação no meu próximo disco, como contrabaixo na música “O menino, a bola e a canção”.
Na canção “Porra, mano”, você cita que acredita piamente em Deus e que não consegue mais acreditar no homem. O que isso tem a ver com você, digo, de forma pessoal?
Sou íntimo dos bichos, fico muito triste quando vejo o homem que matou seu próprio filho ou até mesmo com a polarização da sociedade em que vivemos, onde, falar ou pensar diferente do outro gera ataques. O ser humano precisa se encontrar. Na pandemia, achei que ia chegar o momento que isso iria mudar, mas agora vieram as guerras, isso é “careta”, bicho!
Podemos sentar e resolver as diferenças sem matar um ao outro. Precisamos aprender isso!
Outra letra sua que me chama atenção é na música “Reciclagem”. Quando ouvimos a frase “…com as cacetadas desses anos todos, eu fiquei mais velho que meu velho pai…”. Você considera que neste momento você já iniciou uma percepção sobre o envelhecer?
Quando escrevi esta letra eu era executivo, gerente de RH do grupo Sul Brasileiro. Acordei numa manhã correndo para fazer a barba e não me atrasar. Parei e olhei no espelho, então, veio um estalo: Estou mais velho que meu velho pai!
Ao longo do tempo, você conseguiu perceber algumas mudanças de suas respostas ou mesmo de posturas para com a vida?
Digo que só os tolos não mudam de ideia. Com o passar dos anos eu fui aprendendo. A vida e o tempo te proporcionam essa reciclagem. Sem ter medo do amanhã e de se adequar a ele. Assim, eu vim me preparando para chegar até aqui, aos meus 80 anos bem vividos e lúcido. Ter a certeza do que eu queria para minha vida me ajudou.
Os anos vão ensinando. Colocar a cabeça no travesseiro e projetar o futuro. Como todo bom mineiro, não tive pressa. Fui levando, levando… Até chegar aqui!
Quando falo que me preparei, é que o estilo de vida disciplinada que tenho me favorece. Sou adepto da caminhada ao ar livre em par com minha esposa, por exemplo. Além de melhorar o físico, vou olhando ao redor contemplando a natureza e compondo em meu pensamento as músicas. Gosto de praticar Pilates e da alimentação natural, composta com frutas e legumes. Esses, são cuidados que na somatória me ajudam a ficar em pé por mais de uma hora no palco e depois ainda nos bastidores dando autógrafos.
Para encerrarmos a entrevista, o que você diria sobre o envelhecer?
Para encerrar deixo aqui uma palavra a todos: Fazer exercícios físicos não nos deixa ser “mortos-vivos”. Essa é uma sugestão para a nossa faixa-etária. O não ficar parado lubrifica as juntas. Se alimentar bem e viver com os amigos, seja no futebol, no parque ou no show é viver. Todas as relações valem a pena!
“… Meu amigo, meu compadre, meu irmão
Escreva sua história pelas suas próprias mãos.”
(Zé Geraldo)
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Instagram: @zegeraldooficial
Foto: divulgação