Sobre “o tempo que passa”, Jean-Pierre Vernant (1914 – 2007), historiador e antropólogo francês, especializado na Grécia Antiga, particularmente na mitologia grega, afirma: “Há o tempo dos deuses, a eternidade em que nada acontece, tudo já está lá, nada desaparece.
Luciana H. Mussi
Há o tempo dos homens, que é linear, sempre no mesmo sentido, pois o homem nasce, cresce, é adulto, envelhece e morre. Todos os seres vivos se submetem a isso” (1999: 76).
Esta introdução é um tipo de lamento, uma dor pela morte aos 82 anos do grande ator Walmor Chagas. Como todos os jornais e revistas já divulgaram essa triste perda, me reservo apenas a comentar “de uma forma, confesso, emocional” minha indignação ao tempo chamado “linear”.
Por que não vivemos como os deuses? Por que chegamos a um fim? Por que os acontecimentos dessa estranha vida que vivemos nos obrigam a, algumas vezes, nos retirarmos de cena, antes da data final definida pelos deuses? Pior, e nós que ficamos, como viveremos sem aqueles que outrora amamos tanto?
Eu poderia enumerar diversas teorias sobre a finitude de todos nós, mas de nada adiantaria. A crueldade da notícia assusta: “De acordo com Antônio Luiz Marcelino, delegado-assistente da seccional de Guaratinguetá (Polícia Civil), que atendeu a ocorrência, o corpo de Walmor foi encontrado sentado em uma cadeira. Ele tinha um revólver calibre 38 no colo e estava com as duas mãos sobre ele”.
“Na arma havia quatro balas, além de uma deflagrada. A cápsula estava no chão. Chagas tinha uma perfuração na têmpora direita. O tiro atravessou a cabeça. Segundo o delegado, a suspeita é de suicídio, mas a confirmação depende dos laudos do Instituto de Criminalística e do IML”.
A matéria de Natália Guaratto “Delegado confirma suicídio do ator Walmor Chagas” de 21 de janeiro de 2013, conta que “para o empresário e amigo de Walmor, Antônio Carlos Cardoso, o ator tirou a própria vida porque estava muito doente e não queria dar trabalho para amigos e parentes”.
Em entrevista ao UOL, ele disse: “Acredito que seu suicídio foi resultado da sua teimosia, não queria ser um peso para ninguém. Ele na verdade quis escolher a hora de sua própria morte”.
Cláudia Colucci na matéria “Walmor Chagas e o suicídio entre idosos”, publicada na Folha de S.Paulo em 23 de janeiro de 2013, relata a alta taxa de idosos que dão fim à própria vida. Segundo a resportagem, “estima-se que cerca de 9.000 pessoas se suicidam por ano – o que dá uma média de 24 casos por dia”. A matéria apresenta ainda que entre os vários fatores associados estão a perda de parentes referenciais, sobretudo do cônjuge, solidão, existência de enfermidades degenerativas e dolorosas, sensação de estar dando muito trabalho à família e ser um peso morto, abandono, entre outros.
Outro suicídio que circulou pela mídia mundial, foi o de uma mulher de 78 anos que se matou bebendo pesticida na frente de uma prefeitura. A notícia intitulada “Cresce suicídio entre idosos na Coreia do Sul”, dizia que sua história chamou a atenção para um problema que até recentemente fora abafado: na Coreia do Sul, onde o respeito pelos mais velhos é um dos esteios da ordem social, idosos estão cometendo suicídio em um ritmo alarmante.
Assim como o suicídio do aposentado de 77 anos que se matou com um tiro em frente ao Parlamento, na capital Atenas, Grécia, no dia 5 de abril de 2012, deixando uma nota na qual dizia: “Não vejo outra solução além de um fim digno antes de começar a vasculhar a lata de lixo atrás de comida”, ela também deixou um bilhete dirigido ao governo municipal: “Como vocês podem fazer isso comigo?”.
Além de uma doce lembrança prateada de Walmor [em referência a seus belíssimos cabelos brancos], ficará o vazio, a incompreensão do ato, a ausência de entendimento do que realmente o fez desistir, antecipar a data e comandar a cena final.
Em seu livro “Suicídio e alma”, o psicólogo James Hillman (2009:24) diz que: “O suicídio é o problema mais alarmante da vida. Como se pode estar preparado para ele? Como se pode entendê-lo? Por que é evitado? Ele parece irremediavelmente destrutivo, deixando atrás de si culpa e vergonha e uma desalentada estupefação”.
Perguntas cujas respostas invadem vários campos que convergem para uma única questão: uma vida arremessada ao nada pelo próprio indivíduo, uma vida entregue, de bom ou de mal grado, à morte. Segundo o psicólogo falamos de um ato insolúvel, porque não pertence às mazelas da vida, “mas de vida e morte trazendo consigo todos os imponderáveis da morte”.
Walmor e sua história…
Walmor nasceu em Alegrete (RS). Ele estreou no programa “Grande Teatro Tupi”, da TV Tupi, em 1953. Nos anos seguintes, tornou-se uma das principais figuras do teatro na capital paulista, atuando no TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia – referência de arte dramática no país nos anos 50 e 60, ao lado de Cacilda Becker, com quem se casou. Adotaram uma filha em 1964.
Desde criança, sempre ouvi de minha mãe que Walmor nunca se conformou com a morte de Cacilda. Um amor que parece ter permanecido pela vida.
Dizem que uma de suas interpretações mais marcantes foi “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, texto de Edward Albee encenado por Maurice Vaneau em 1965. Nos anos 1960, também trabalhou diversas vezes com o também falecido diretor Flávio Rangel, que o dirigiu em “Esperando Godot” (1969), de Samuel Beckett.
A estreia no cinema foi 1965, em “São Paulo S/A”, de Luís Sérgio Person. Na TV, teve papeis em novelas como “A Favorita” (2008), “Selva de Pedra” (1986) e “Vereda Tropical” (1984), na Globo.
Em 2011, em entrevista à série “Grandes Atores”, da GloboNews, o ator disse que passara a se sentir deslocado no circuito das artes: “É como um atleta: tem um período de auge, depois começa a decair”, afirmou.
A última peça de teatro estrelada e escrita por Walmor debatia o suicídio. Com o título “Um Homem Indignado”, entrou em cartaz em São Paulo em 2005, com direção de Djalma Limongi Batista.
Segundo Batista, nos últimos anos Walmor se isolara completamente na pousada de Guaratinguetá: “Era coisa dele mesmo, ele gostava. Se for pensar, a geração toda dele foi indo embora, é natural que a pessoa vá se isolando. Deve ser um sentimento horrível. Ele era muito sensível”.
De Walmor Chagas, fica, para mim, uma intensa lembrança, seu personagem forte e sofrido, o patriarca Dom Afonso da Maia da minissérie brasileira “Os Maias” exibida pela Rede Globo entre 9 de janeiro e 23 de março em 2001, adaptação do romance homônimo de Eça de Queiroz.
E lá se vai, mais um mortal. Walmor, enfim, se submeteu a um “tempo que passa”: “Viver para mim é vontade de morrer, já dizia Drummond. Morrer é fundamental. Estou esperando a morte a cada minuto, a cada momento. Sem problemas”.
Referências
COLUCCI, C. (2012). Walmor Chagas e o suicídio entre idosos. Disponível Aqui. Acesso em 23/01/2013.
GUARATTO, N. (2013). Delegado confirma suicídio do ator Walmor Chagas. Disponível Aqui. Acesso em 21/01/2013.
HILLMAN, J. 2009). Suicídio e alma. Rio de Janeiro: Vozes.
SANG-HUN, C. (2013). Cresce suicídio entre idosos na Coreia do Sul. Disponível Aqui. Acesso em 21/01/2013.
UOL (2013). Ator Walmor Chagas morre aos 82 em SP. Disponível Aqui. Acesso em 19/01/2013.
VERNANT, J.P. (1999). O Universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras.