“Visages, Villages”, um imenso retrato do envelhecer

“Visages, Villages”, um imenso retrato do envelhecer

Um “personagem” do documentário resume: “A arte é para incomodar”. Se é assim, “Visages, Villages” cumpre sua parte ao imprimir imagens gigantes do envelhecer no desespero de devolvê-lo à natureza humana e quebrar sua invisibilidade.

 

Quais as reais possibilidades de um envelhecimento mais humanista, se é o próprio Humano o obstáculo no capitalismo contemporâneo? Tudo o que é humano tende a desaparecer das paisagens. A crise ambiental é desumana. A 4ª revolução industrial é provocada mais pela produtividade do que pelo bem-estar de todos. A produção ignora o humano, suas manifestações mais intrínsecas, sensíveis, sua diversidade e, portanto, seu envelhecer.

As cidades, assim, vão sendo transformadas em espaços ocos de vida. Grandes espaços cinzentos, sem nada, revelam a ausência do ser e o apagar da memória. Quadro cruel para quem envelhece sem poder se ver e sem poder lembrar. Toda esta poesia é uma tentativa, talvez sofrível, de captar a motivação de “Visages, Villages”, documentário indicado ao Oscar, e retrato sublime e inspirado do envelhecimento humano.

Aos 89 anos, a cineasta Agnès Varda aceita o desafio de fazer um filme com o jovem artista JR, 35 anos. Abraça a ideia de espalhar o humano pelas cidades pequenas da França em todos os lugares onde a nossa existência havia sucumbido, desaparecido, é ignorada ou sofre ameaça. Ao devolverem sentido ao espaço e ao tempo, os dois artistas resgatam reflexões perdidas sobre o envelhecimento.

O filme valeu a Varda sua primeira indicação ao Oscar, embora ela tenha recebido o Oscar honorário em 2017. Prêmios, no entanto, perdem a importância diante da obra. Nada ali foi feito pensando em prêmios ou sob o deslumbramento hollywoodiano. É um filme de quem apenas quer dizer.

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A ideia de JR é colocar seu “image truck” na estrada. Um caminhão lambe-lambe, de onde saem fotos de pessoas comuns em impressões gigantescas. As cópias, então, cobrem espaços cinza sem sentido, como galões de combustíveis transportados por caminhões, paredes mortas, cidades vazias ou pedaços inúteis de concreto perdidos nas ruelas de pequenas cidades a agredir a visão cotidiana, mas nunca pensados como galerias de arte.

Ao resgatarem espaços envelhecidos e esquecidos, unirem pessoas pelas fotos ou preservarem a história, Agnès e JR constroem uma metáfora nada sutil do envelhecer e alertam sobre o que nós todos estamos fazendo com ele. É um grito para novas possibilidades.

Cada rosto é uma história. Aquele tempo guarda uma história. Tudo tem sentido. Nada está ali por acaso. Se existiu uma vida, existe algo a ser preservado. As imagens gigantes de JR, marca de sua arte de rua, reestabelecem o corpo. O corpo esquecido na pressa de viver. De repente, descobre-se que Agnès tem pés bonitos ou crianças descobrem os pés da própria mãe. Ou o que estava “no buraco da memória” revive em preto e branco.

Tudo é capturado antes que tudo se esvaneça. Nós envelhecemos, mas mesmo agredidos para mudarmos até mesmo nossos corpos – como cabras que perdem o chifre em nome da tal produtividade -, permanecemos humanos. “As rugas são parte do jogo”. Muitas vezes deixamos de ver a vida porque usamos óculos escuros, como JR, ou porque a velhice degenera as nossas retinas, como as de Agnès.

Um “personagem” do documentário resume: “A arte é para incomodar”. Se é assim, “Visages, Villages” cumpre sua parte ao imprimir imagens gigantes do envelhecimento no desespero de devolvê-lo à natureza humana e quebrar sua invisibilidade.

Visage Village
Direção: Agnes Varda e JR
Cinema do Museu Lasar Segall
Rua Berta, 111 – Vila Mariana, São Paulo – SP, 04120-040
Telefone: (11) 2159-0400
Trailer legendado

Jorge Félix

Jornalista especializado em envelhecimento populacional, pesquisador (CNPq), mestre em Economia e doutor em Ciências Sociais (PUC-SP). Autor do livro "Viver Muito". É Professor de Epidemiologia do Envelhecimento no curso de Gerontologia da USP/Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Escreve sobre Economia da Longevidade. Email: [email protected] Twitter/@jorgemarfelix - www.economiadalongevidade.com.br. Facebook Viver Muito

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Jorge Félix

Jornalista especializado em envelhecimento populacional, pesquisador (CNPq), mestre em Economia e doutor em Ciências Sociais (PUC-SP). Autor do livro "Viver Muito". É Professor de Epidemiologia do Envelhecimento no curso de Gerontologia da USP/Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Escreve sobre Economia da Longevidade. Email: [email protected] Twitter/@jorgemarfelix - www.economiadalongevidade.com.br. Facebook Viver Muito

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