A conscientização, suporte social e políticas públicas são essenciais para combater a violência.
Tendo em conta que estamos no mês de junho, mês de combate e conscientização sobre violência e maus-tratos contra pessoas idosas, penso que vale a pena refletir um pouco sobre esta realidade perversa.
A crescente participação de pessoas idosas na população do país, entre outras coisas, tem repercutido de modo geral, em dificuldades de convivência e aceitação social para com os idosos, o que, entre outras causas, desemboca no aumento dos índices de violência e de maus-tratos contra os mesmos.
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Os dados a nível nacional (Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos) têm registrado um aumento contínuo e significativo de denúncias de violência contra pessoas idosas. A título ilustrativo, verifica-se que, ao longo do ano de 2022 foram registradas cerca de 19.764 denúncias e neste ano de 2024, somente nos três primeiros meses, já foram registradas 42.995 denúncias de violações de direitos dos idosos no Brasil. Como se nota há um acelerado crescimento de denúncias e o que tem sido feito para combater e enfrentar essa realidade, não tem contribuído para redução desse tipo violência, ao menos pelo que apontam o crescente número de denúncias.
Além do crescente número de idosos na população e do fato de que mais pessoas se apresentam para denunciar, a situação de vulnerabilidade da população idosa derivada das próprias condições em que o envelhecimento costuma ocorrer no Brasil, se coloca como fator importante para entender o crescimento desse tipo de violência. Também se associa a essa situação, a forte presença do idadismo no contexto social, que se intensificou na pandemia, mas que segue como um problema não devidamente combatido em nosso país.
A gerofobia ou idadismo contra pessoas idosas se caracteriza por um conjunto de atitudes, em geral negativas que se expressam de diferentes maneiras, no que diz respeito ao envelhecimento, ainda que nem sempre de modo intencional. Tais atitudes traduzem consequências prejudiciais e depreciativas para com os idosos, a exemplo da discriminação pela idade ou da imposição da perda de protagonismo que se observa, a partir de uma lógica marginalizadora, respaldada socialmente na “ditadura” da idade. Isso faz com que o status social das pessoas idosas, consciente ou inconscientemente, acabe sendo desvalorizado, o que também contribui para o aumento da violência contra as mesmas.
Apesar desse contexto preocupante, se observa que a realidade da violência é ainda insuficientemente diagnosticada no país (faltam diagnósticos mais precisos, inclusive do ponto de vista estatístico), comprometendo ações públicas mais eficientes. Persistem alguns obstáculos em se obter dados sistematizados mais detalhados sobre essa situação (em que pese os avanços proporcionados a partir da promulgação do Estatuto da Pessoa Idosa). Isso contribui para dificultar campanhas de prevenção e de combate e reforça a necessidade de maior eficiência e priorização, por parte da sociedade e do poder público brasileiro, no combate a esse tipo de violência.
Entre as dificuldades mais comuns que invisibilizam esta realidade, está muitas vezes o desconhecimento das especificidades e amplitude sobre o que é a violência contra a pessoa idosa (a exemplo dos casos de violência psicológica e da negligência). Nesses casos, por sinal, em geral o idoso não reconhece que existe uma violência sendo cometida contra ele e isso contribui para “normalização” de diferentes situações de violência, quando os idosos se habituam a conviver com elas. Ocorre que, quando depois de um tempo se percebe que ainda está vivo e que está tudo bem, não precisa mais reagir tanto quanto antes e se naturaliza os maus-tratos ou a violência. Acrescenta-se a estas dificuldades os obstáculos em relação à capacidade que a sociedade apresenta em incluir, ampliar e universalizar os direitos e os deveres de cidadania, o que depende de estratégias acertadas e de tempo para sua concretização.
É importante destacar que a violência contra a pessoa idosa pode ser analisada a partir de diferentes contextos, entre eles: o social, o familiar e o institucional. Do ponto de vista social, a violência contra o idoso é marcante, levando-se em consideração que o país está envelhecendo em um contexto de grande desigualdade socioeconômica e de persistência de regras sociais que contribuem para o idadismo. Nesse caso, a pobreza e o abandono são fatos que já fazem parte do cotidiano de grande parcela dos idosos e os mesmos acostumados às situações de exclusão, com frequência se sentem indefesos e veem com desconfiança as providências tomadas pela sociedade e pelo poder público.
A discriminação e o desrespeito contra a pessoa idosa estão presentes em diversas situações sociais, como no transporte público, no local de trabalho ou no atendimento em serviços de saúde. Entretanto, pouco ainda é feito para amenizar o descaso e o descumprimento da lei (Estatuto da Pessoa Idosa). Exemplos disso são filas que idosos são obrigados a enfrentar nos supermercados e bancos, as dificuldades de acessibilidades nos ônibus e nas escadarias em prédios públicos configurando um ambiente hostil para os mesmos, além de ambientes ou entornos de vida pouco amigáveis.
Do ponto de vista familiar, a violência contra pessoas idosas, ainda que seja um problema que publicamente não se conhece em profundidade, é o que é mais percebido. Sabe-se que cotidianamente centenas de idosos são vítimas de maus-tratos e de violência física, psíquica, sexual ou econômica, que de certa forma ainda permanece latente no seio das famílias. A desagregação familiar, o desemprego (principalmente dos jovens), a convivência com pessoas dependentes químicos (álcool e drogas) e a pouca valorização do idoso na sociedade, são apontados como as principais causas da violência intrafamiliar.
A particularidade deste tipo de violência contra idosos, dentro do próprio convívio familiar, acarreta graves problemas emocionais a quem é vítima dessa situação, como: perda de memória, depressão, alterações de humor e de comportamento (traduzidas em alguns casos em irritação, nervosismo e agressividade), a perda da autoestima, dependência de medicamentos, dependência alcoólica, o risco aumentado de acidentes e traumas e até mesmo à morte. Em consequência disso, os tratamentos médicos são onerados e os custos sociais também.
A peculiaridade deste tipo de acontecimento, faz com que muitos casos não cheguem a ser denunciados ou que o sejam apenas quando a situação já se revela trágica. Os idosos têm medo de denunciar o agressor, especialmente quando é da própria família, por vergonha, pois admitir os maus-tratos significa admitir a recusa por parte da família, além disso, geralmente o agressor é o próprio cuidador do idoso de quem ele depende.
Com relação à situação institucional dos idosos, está muito claro que há três aspectos da questão: um primeiro aspecto refere-se às leis, regras, políticas e práticas de instituições que restringem oportunidades que injusta e sistematicamente prejudicam as pessoas devido à sua idade. Um segundo aspecto, diz respeito a extrema carência de recursos financeiros e de pessoal treinado e especializado com que se pode contar na prevenção e combate a esse tipo violência e com que lidam as instituições de assistência aos idosos, em especial as de longa permanência. O vácuo na construção e aplicação de políticas públicas mais eficientes, que sejam baseadas em diagnósticos bem elaborados e indicadores de mensuração e monitoramento, também se insere nesse contexto de violência institucional.
Ademais há ainda dificuldades, no caso dos internos da maioria das instituições de acolhimento e de longa permanência, apesar do esforço das mesmas em prestar um serviço de qualidade. Nos “asilos”, os idosos vivem dias de espera, esquecidos pela sociedade, a espera da visita de um parente, a espera que lhes dêem de comer, a espera que lhes proporcionem os medicamentos e ainda submetidos aos horários marcados para dormir e acordar. Assim, a vida deles é marcada pela passividade e pela perda de autonomia e privacidade. Ao contrário do que se receita para uma velhice saudável, que é uma velhice ativa, com autonomia e possibilidade de participação social. O isolamento social vai produzindo um quadro de apatia e conformismo.
A conscientização, educação, suporte social e políticas públicas são essenciais para proteger essa população vulnerável e garantir que todos possam envelhecer com dignidade e segurança, na busca de uma sociedade para todas as idades.
Foto de Timur Weber/pexels.