“Seu Chiquinho”, 91 anos”

Sr. Francisco Vilano, 91 anos, mais conhecido como “Seu Chiquinho”, o barbeiro mais tradicional do Bairro da Vila Mariana (SP), nasceu no dia 08 de janeiro de 1917 em São Paulo. É filho do Sr. Affonso Vilano, italiano de Nápole e Dona Philomena Trotta Vilano, brasileira, nascida na Rua 7 de abril, no centro de São Paulo.

Marisa Feriancic

 

Famoso por ser o mais antigo barbeiro do bairro, “Seu Chiquinho” não abre mão do trabalho e atende a todo o cliente bem humorado e sempre elegantemente trajado: camisa social e avental branco. Trabalha o dia todo, ao som da música clássica, que sai de um rádio sintonizado na cultura FM. As fotos dispostas nas paredes atestam os anos de profissão.

“Seu Chiquinho” está sempre ocupado, mas mesmo assim concordou em conversar comigo na barbearia, durante um intervalo de atendimento. E assim, ele me conta um pouco da sua história.

A origem

Meus pais eram dos tempos dos lampiões à gás e bondes puxados a cavalos.

Minha mãe faleceu com 96 anos. Ela viu cinco gerações se passarem. Mãe, filha, neta e tataraneta. Ela sempre teve saúde boa. Só no final da velhice ela teve um problema de saúde, ela poderia ter vivido mais. Meu pai também um homem muito trabalhador. Ele faleceu com 76 anos. Nós éramos sete irmãos, ainda tenho seis irmãos vivos. Minha irmã mais velha vai completar este ano 93 anos. Ela já é tataravó.

“Seu Chiquinho” se recorda da revolução de 1924.

Tivemos que deixar a Vila Mariana. Nenhum estabelecimento comercial ficou aberto, Fomos nos refugiar na Barra Funda, num armazém de secos e molhados. Lá não havia conflitos. Ao terminar a revolução voltamos para a Vila Mariana a pé, porque não tinha transportes circulando.

Nasci na Vila Mariana na Rua Humberto I, antiga Rua dos Italianos e nunca mais saí daqui. Tenho duas filhas, um filho, oito netos e dois bisnetos; tem mais um bisneto a caminho.

Estou viúvo há 23 anos. Minha vida foi minha mulher. Ela era uma pessoa maravilhosa, uma mulher exemplar. Cuidou dos filhos, da casa e de toda família. Eu não quis mais ter ninguém. Não é que eu não gostaria de ter alguém, até gostaria, mas às vezes não dá certo, então é melhor ficar sozinho. Se um dia eu precisar mesmo, aí quem sabe vou pensar

Sou barbeiro há 80 anos. O gosto pela profissão nasceu muito cedo. Eu tinha um tio que era barbeiro, também na Vila Mariana. No período em que eu não estava na escola, eu ia ajudar meu tio na barbearia. Eu lavava os pincéis, varria o chão, limpava os espelhos. Com 10 anos eu comecei aprender minha profissão com o tio Adolfo. Com 11 anos comecei a fazer a barba nos clientes, com 12 anos comecei a cortar cabelos. Com isso, ganhava um dinheirinho para ajudar a minha família. E assim segui minha vida de barbeiro e cabeleireiro até hoje.
“Seu Chiquinho”, à direita, em 1935 inaugura seu primeiro salão, na Vila Mariana

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Antigamente eu tinha uma barbearia na Rua Rio Grande, trabalhei lá mais de 40 anos, era um espaço alugado. Nesta barbearia aqui na Rua França Pinto, estou há quase 11 anos. Meus filhos compraram para mim. E aqui eu pretendo ficar até quando Deus quiser.

Eu abro a barbearia às 07h30min da manhã e fico até as 20h30min. Durante minha vida toda, já cortei uns 700 mil cabelos, dá para lotar sete estádios do Maracanã. Corto uma média de 15 cabelos por dia. Hoje é pouco, teve épocas que cortava o dobro disso diariamente. Tem sábados que chego a cortar 40 cabelos, mas não me sinto cansado. Eu fico cansado quando fico sentado sem fazer nada.

Agora somos chamados de cabeleireiros, o nome não importa. Faço barba e cabelo. Antigamente se cortava mais barba do que cabelo. Não tinha as facilidades dos barbeadores atuais, era na navalha. Hoje a maioria faz barba em casa.
“Sr. Chiquinho” , em 1961, em seu salão na Rua Rio Grande

Mudaram os gostos, os modelos de cortes de cabelo, mas minha clientela é constante. São pessoas amigas, educadas, respeitosas. Tenho cliente que já faz parte da sexta geração da família. Todos cortaram cabelo comigo.

Tenho quatro funcionários que me ajudam. Já tive mais. Tenho um funcionário que já está comigo há 31 anos.

A saúde e o envelhecer

Quando tinha um ano de idade, tive gripe espanhola. O médico disse à minha mãe que procurasse um padre, pois eu poderia morrer e disse também que se eu sobrevivesse teria que ser batizado novamente. Com sete anos de idade fui batizado de novo. Acho que vivo muito porque tenho duas vidas.
“Seu Chiquinho”, em 2008, no seu salão na Rua França Pinto

Na verdade, o segredo é alimentar-se bem, sem exageros, não ter vícios, deitar cedo e levantar cedo. Outro segredinho é uma alimentação regular, acompanhada de um copo de vinho no almoço e outro no jantar.

O trabalho dá força para gente viver muito mais, o homem que pára, começa a morrer cedo. O trabalho dá mais vida. Eu comecei muito jovem e foi bom. É importante não ter vícios; a vida pode ser mais longa.

Uma família boa também ajuda. Tenho bons filhos, bons netos, todos formados. Minha família é uma alegria muito grande. Não me falta nada. A família é a alegria da vida. Hoje, meus netos são exemplos para mim. Eu não sou mais exemplos para eles. Eles são maravilhosos.

O homem, geralmente, vive menos que a mulher. Eles se arriscam mais no trabalho, os homens jovens fumam mais, exageram mais na bebida, cuidam menos da saúde. As mulheres são mais fortes, muito mais fortes que os homens. A mulher é mais responsável também. Ela tem um espírito mais forte, ela é mais forte no amor e resiste mais às doenças. O amor da mulher pelos filhos também é maior do que do pai, porque ela é mãe.

Moro sozinho, tenho uma empregada duas vezes por semana que cuida da casa e faz comida para mim. Tenho boas amizades, não me falta companhia. Tenho muitos amigos. Nunca estou sozinho. Hoje saio pouco, mas ainda gosto de ir à pizzaria. Gostava muito de teatro. Era amante da música lírica, freqüentei muito o teatro Municipal onde ouvia as óperas, os concertos musicais, os bailados. Sempre gostei muito de arte.

Não me falta nada. Minha família é maravilhosa. Tenho amparo, tenho trabalho, tenho amigos, tenho tudo. Isso me dá força para trabalhar.

Gostaria muito de prolongar minha conversa com “Seu Chiquinho”, mas tinha um cliente esperando.

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