Em todos os momentos da vida, a saúde mental influencia e é influenciada pela saúde física. E na velhice não devemos menosprezá-la.
Gustavo Sugahara (*)
Os problemas relacionados com a saúde mental não devem ser aceites como parte natural da velhice. Mas é importante termos em conta que o envelhecimento da população traz novos desafios, que serão agravados pelo atual contexto de crescente precarização. A saúde mental na velhice é tão importante quanto em qualquer outro momento da vida. No entanto, diversas mudanças de cariz biológico e social, muitas vezes a ocorrer em simultâneo, implicam cuidados acrescidos, específicos, e individualizados. Vale lembrar que em todos os momentos da vida, a saúde mental influencia e é influenciada pela saúde física.
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Se por um lado há de facto uma tendência de declínio da capacidade funcional individual na velhice, também é preciso reconhecer que muitas vezes esta pode e deve ser remediada. As políticas públicas devem ter em conta intervenções simples, como por exemplo, garantir que as pessoas tenham acesso a um novo par de óculos, e mais complexas, estruturais, como a adaptação das jornadas de trabalho, a garantia de acesso à formação durante toda a vida, e a promoção de atitudes inclusivas e anti discriminatórias em toda a sociedade.
Um dos preconceitos ainda fortemente enraizados em relação ao envelhecimento foca exatamente a questão da saúde mental. Para além da ideia de que são problemas “normais” da velhice, o questionamento da saúde mental é frequentemente utilizado como ferramenta para descredibilizar, alienar, e reduzir as pessoas mais velhas. Em alguns casos, é mais fácil descredibilizar uma pessoa em função da sua idade, do que rebater as ideias que ela defende.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)1 mais de 20 por cento da população mundial com 60 e mais anos padece de algum tipo de doença mental ou neurológica, dentre as quais as mais comuns são a demência e a depressão, que afligem respetivamente 5 e 7 por cento deste mesmo grupo populacional. É importante lembrar que há um elevado número de casos não identificados, justamente devido ao estigma associado a estas doenças.
Para além dos novos desafios advindos da mudança no perfil demográfico, devemos também atentar pela preservação de importantes e recentes conquistas sociais durante toda a vida, como as alcançadas pelo movimento LGBTI+. Somados aos preconceitos existentes em relação aos mais velhos, e diante da virtual inexistência serviços que explicitamente reconhecem e acolhem pessoas mais velhas “não heterosexuais”, corremos o risco de ver muitos a voltar para o armário na velhice.
Precisamos ainda saber mais sobre as repercussões da saúde mental em diferentes fases da vida. Um tema ainda pouco explorado na literatura científica é o efeito cumulativo que as adversidades enfrentadas ao longo da vida têm na saúde mental durante a velhice.
Para se ter um exemplo, e segundo um estudo2 recente realizado na Inglaterra, pessoas que tiverem experiências adversas sequências ao longo da vida, adversidade durante a infância, ou perdas ligadas a relacionamentos afetivos, têm maior probabilidade de apresentar sintomas de depressão na velhice.
Vidas precárias resultam em uma saúde mental precária, e isto tende a agravar-se na velhice. Não devemos esperar para reforçar as prestações de cuidado ao longo da vida, e muito menos menosprezá-las durante a velhice.
Notas
(1) Fonte: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-of-older-adults#:~:text=Mental%20health%20and%20well%2Dbeing,suffer%20from%20a%20mental%20disorder(link is external)
(2) https://www.cambridge.org/core/product/identifier/S0144686X19000461/type/journal_article(link is external)
(*) Gustavo Sugahara – Economista, investigador do SERAF (Universidade de Oslo) e do DINÂMIA’CET-IUL. Colaborador do Portal do Envelhecimento. Artigo publicado em Esquerda, no dia 29 de Novembro, 2020, no Dossier Saúde Mental em Tempos de Pandemia.
Foto destaque de Karolina Grabowska no Pexels