Que passado eu quero ter daqui a 20 ou 30 anos? Esta é questão central destas reflexões que perpassam a questão do tempo, da felicidade, da solidão, do passado e do futuro.
Karla Alves Siqueira (*)
Um grande pensador britânico do século 19 chamado Benjamim Disraeli dizia que A vida é muito curta para ser pequena.
Você sabe que já basta que a vida seja curta, para que a gente consiga apequená-la ainda mais, de muitos modos, mesmo que dure 60, 70 ou 80 anos. Porque o que apequena uma vida é a diminuição da capacidade de plenitude com convivência mais afetiva, com a possibilidade de não ser discriminado, de ter uma amorosidade que seja recíproca, de não ser visto como desocupado, mesmo com uma idade já avançada e, ao mesmo tempo, todo tipo de recusa ou rejeição que uma parcela da sociedade dedica às pessoas com mais idade.
Com certeza no dia do seu aniversário, alguém desejou a você uma vida longa, desejo que, segundo o IBGE, tem se tornado realidade, especialmente porque nas ultimas três décadas a expectativa de vida do brasileiro aumentou em 11 anos, que hoje é das 73 ‘primaveras’. Um tempo de vida maior e que todos queremos viver com qualidade.
Mas envelhecer bem depende de nós?
Como encarar esta estrada sinuosa que nos faz vencer o tempo aos 60, 70 ou 80 anos? O que você vai fazer? Quais serão seus planos? Como é que você vai lidar com as perdas e aprender a fazer amizades? Brincar com os netos? E ter um olhar positivo sobre o que está ao seu redor?
Quem não envelhece morre jovem, mas, afinal, já que vivemos mais será que viveremos melhor? Este é o mote do livro Vivemos Mais! Vivemos bem? Um apanhado de pensamentos sobre a longevidade (Cortella e Rios, 2013).
Surge uma questão. Vale a pena viver como velho, ou velha? E me vem uma resposta simples hoje, pois ainda sou jovem, e acredito que irei envelhecer.
Qual é a vida que vale a pena ser vivida? Qualquer vida, mesmo que não tenha uma qualidade de convivência e de lucidez, que se prolonga, mas não pode ser desfrutada de uma maneira que seja intensa, e não apenas extensa? Será que podemos ter um corpo, o que nós o somos, do qual aceitamos a degradação?
Citei as ‘primaveras’ como contagem de anos vividos, e é até bonito porque nós nos lembramos do renascimento, as flores, os pássaros. O sol voltando a brilhar. Esta ideia de longevidade que nos permite sermos mais plenos, não é uma coisa fácil, pois a vida não tem só primaveras.
Há pouco mais de 100 anos a vida média no Brasil era de 43 anos, dividida em três blocos, 20, 40 e 60 anos. Até os 20 se formava, dos 20 aos 40 reproduzia e trabalhava em alta intensidade e dos 40 aos 60 se preparava para o fluir da existência de outro modo. O projeto de vida tinha que ser definido aos 20 anos.
Tinha que saber com quem ia casar, jurar que ia viver com a pessoa até que a morte os separasse, a profissão já tinha que ser escolhida, a empresa na qual queria se aposentar… Isso mudou muito! Hoje um rapaz na faixa nos 20 anos viveu um quinto de sua vida, uma pessoa com 60 anos não chegou ainda a completar talvez os dois terços possíveis de sua existência.
Muitas mudanças sociais aconteceram, as escolhas se multiplicaram para os mais jovens, tudo está em mudança constante. Mas, e os mais velhos que hoje vivem mais, vivem melhor? Como estas mudanças os afetam?
A questão, assim, não está apenas no mais tempo, mas na sua qualidade. Estamos cuidando bem do físico, e quem tem recursos cuida melhor, mas será que a questão espiritual está sendo atendida na mesma proporção? Esta é uma questão filosófica, pois no campo da medicina o corpo pode ser bem tratado visando a saúde física e mental. Mas, viver para quê? Qual o sentido da vida?
Nos países orientais o idoso sempre foi mais valorizado, Na China, por exemplo, se dizia que quando um idoso morria se queimava uma biblioteca. Na cultura ocidental cultiva-se ainda o valor da juventude. Mas, não podemos esquecer que estes parâmetros estão sendo questionados, pois no oriente já não se respeita tanto os idosos quanto antes e no ocidente o aumento do número de velhos faz com que, lentamente, o foco de atenção na juventude vá, necessariamente, mudando.
No mundo ocidental a atenção aos idosos está ligada ao fato de serem um grupo de muita força econômica, um ‘nicho de mercado’, consumidor de lazer, procedimentos estéticos, e empréstimos, entre outros, com uma infinidade de ofertas dirigidas a grande maioria de aposentados. Verifica-se uma mudança no olhar para o idoso visto, habitualmente, como aquele que não está mais ativo, inútil, um peso, ideia muitas vezes reforçada pelos próprios idosos. O processo de envelhecimento e a velhice ainda não tem aceitação social o que dificulta a ocupação de um espaço político e o respeito que merece. Ser apenas considerado importante como consumidor não recoloca o indivíduo no lugar social que lhe é próprio.
Sentir-se solitário, ou escolher ficar sozinho
Nesta fase surge um grande desafio: como conviver com a solidão? Ela pode ser encarada em perspectiva dupla e ambígua – positiva ou negativa – dependendo do modo que é encarada, pois há diferença entre sentir-se solitário, ou escolher ficar sozinho.
Muitas pessoas com mais idade vão, inevitavelmente, perdendo referências – coisas e pessoas vão desaparecendo – existem mudanças no entorno que lhes era familiar, e isso pode gerar a sensação de solidão e abandono. Por outro lado, vemos muitos idosos criando novas conexões e amizades, o que é possível frequentando diferentes instituições, como os centros dia, SESC, Núcleo de Convivência com idosos, entre muitas outras possibilidades de promoção de convívio, e para os que querem estudar, em cursos diversos, se destacam as Universidades Abertas à 3ª Idade ou Maturidade.
São ambientes que promovem, entre outras possibilidades, a preservação da memória, tanto as naturais ligadas ao processo de envelhecimento, como perdas mais severas, causadas pela doença de Alzheimer. Ivan Izquierdo (2010), neurobiólogo e importante pesquisador argentino, radicado há muitos anos Brasil, encara como natural o ‘esquecimento seletivo’, afirmando que se todos lembrassem o tempo todo, de tudo que se perdeu, do que tiveram, e não tem mais, o sofrimento seria ainda maior.
Como é tratado o afeto, o amor e o sexo com o passar dos anos? E a perda da beleza e juventude? O desenvolvimento da medicina trouxe muitas e novas possibilidades na manutenção de uma vida saudável e ativa, mas a busca por uma ‘juventude eterna’ não deve se tornar uma obsessão, tentando manter padrões que são impostas pela sociedade. Neste contexto podemos pensar que a felicidade existe na velhice?
Ela está como possibilidade, como indica o livro “Vivemos mais, Vivemos bem”, no qual se estabelece um diálogo em torno desta questão. Segundo os autores, a felicidade mora em nós, e é circunstancial, pois depende do que está à nossa volta, das nossas relações, das pessoas com as quais convivemos, e das sempre novas possibilidades.
A palavra feliz é derivada do termo latino felix – fértil, em duplo sentido, porque felicidade é sinônimo de fertilidade. A felicidade só existe em alguns momentos, não é um sentimento contínuo, não importa a idade que se tenha. E o que mais envelhece uma mente é a inutilidade.
Mafalda e a chave da felicidade
Oscar Niemeyer, grande arquiteto brasileiro, viveu 104 anos, e se manteve sempre ativo, com muitos projetos e amizades. Assim, vemos que é possível ser velho e ter momentos de felicidade.
A questão principal da vida é a própria vida, buscando que ela não seja pequena, banal, fútil ou inútil – uma vida desperdiçada. Dizia o ator francês Pierre Pac o seguinte: ‘O futuro é o passado em preparação’…
Encerro estas reflexões com os versos de Mario Quintana:
Um dia pronto, me acabo,
Seja o que tem de ser,
Morrer que me importa,
O diabo e deixar de viver
Referências
Cortella, M. S.; Rios, T.A. Vivemos Mais! Vivemos bem? São Paulo: Papirus, 2013.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016.
Izquierdo, I. A Arte de Esquecer: cérebro, memória e esquecimento. 2. ed. Vieira & Lent. 2010.
(*) Karla Alves Siqueira – Texto escrito durante o curso de curta duração intitulado Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ofertado pelo COGEAE-PUCSP, no primeiro semestre de 2017 E-mail: [email protected]