O que seriam as tais “velhices possíveis”? É tudo aquilo ou toda experiência que cabe no corpo e na mente de cada um, por mais bizarra ou absurda que seja. Que a idade nos impõem limites é uma verdade, mas não precisa ser nenhuma tragédia: significa estagnação e privação de sonhos e desejos. Frágeis, todos nós somos, e em qualquer momento da vida. Atenção, porque não falei “fase da vida” e sim momentos que podem ser construídos num simples estalar de dedos e com muito poucos recursos.
Dona Eliza Bertucho Carrara vive momentos com autonomia e prazer, uma senhora que completa em setembro 104 anos.
Uma mulher de negócios
“Baliza, só com a Eliza” era o verso que os alunos dedicaram a ela, a motorista mais idosa do Estado de São Paulo, moradora da zona norte da capital paulista. Ela foi perueira e professora de autoescola. E o mais incrível é que só tirou a primeira carteira de habilitação aos 53 anos, depois de ficar viúva.
Para quem acha que na vida dessa senhora existe medo, que nada: ela não teme pegar até rodovia para ir ao supermercado ou à casa de sua filha: “Andar na rodovia Anhanguera é a mesma coisa que andar nas ruas perto de casa. Eu vou sozinha e tranquila, porque sei o que estou fazendo”, diz ela.
Segundo as leis de trânsito do país, não há limite de idade para dirigir um carro. A única diferença é que pessoas com mais de 70 anos têm de renovar a carteira de habilitação a cada três anos, ao contrário dos cinco anos dos outros motoristas, passando pelos mesmos testes médicos, práticos e teóricos.
Eliza trabalhava como costureira de uniformes do Exército, mas depois da morte do marido deu uma guinada na vida. “Meu marido teimava para eu tirar a carta, e eu não tirei. Quando ele morreu, comecei a dirigir até para distrair a cabeça”.
Ela se orgulha da sua longevidade: “Eu nasci no mesmo ano que a Carmem Miranda”. Mãe de dois filhos quando estourou a Revolução de 1930, ela lembra com clareza a violência e a fome durante o conflito armado na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.
Na década de 1960, ela entrou junto com o filho como sócia de uma autoescola no bairro da Lapa. Depois se aventurou no ramo de transporte escolar. “Levei muita criança com essa Variant. Depois comprei uma Kombi velha e uma nova. Fiz muito sucesso e tinha empregados, mas sempre fui muito precavida. Se chovia, parava e espera o aguaceiro parar”.
Sua vida ao volante também incluiu o aluguel de carros. “Já trabalhei em enterro, casamento, levei para o Rio time de futebol e cansei de ir para Aparecida do Norte em peregrinação”, lembra.
Dona Eliza conta que sabe de mecânica, já trocou muito pneu na vida, nunca bateu nem foi multada. Ela pretende dirigir até quando puder, sem ligar para quem xinga os idosos no trânsito. “Os apressadinhos sempre gritam coisas, mas eles sabem o que os esperam pela frente”, diz a motorista, que devagar foi longe.
Do outro lado do mundo temos outro senhor, Bob Edwards, 105 anos, o motorista mais idoso da Nova Zelândia que dirige quase todos os dias para comprar jornal, comida ou levar sua mulher, de 91 anos, para uma voltinha.
“Na verdade, não acho que sou velho. Não mesmo”, afirmou.
Motorista exemplo
Quando Bob Edwards nasceu o Ford Modelo T, veículo que popularizou de vez os carros, ainda não tinha sido lançado. Quando aprendeu a dirigir, o automóvel ainda não tinha volante e era guiado por uma alavanca.
Em 88 anos como motorista, Edwards apenas se envolveu em um acidente e recebeu uma única multa por excesso de velocidade.
A primeira carteira de motorista de Edwards foi emitida em 1925, quando ele tinha 17 anos e vivia na Inglaterra, sua terra natal. Dois anos depois, se mudou para a Nova Zelândia por causa de um anúncio do Exército da Salvação que procurava jovens para trabalho no campo.
De lá para cá, trabalhou como motorista, se aposentou, mas não desiste de dar uma acelerada por aí: “Dirigir é parte de mim. Eu trabalhei como motorista e podia dirigir qualquer coisa”, afirmou.
Edwards ainda não é o mais velho de todos os tempos. De acordo com o Livro Guinness dos Recordes, a marca é do americano Fred Hale que dirigiu até 1998, quando morreu aos 108 anos.
Mas como nem todos os casos são flores, agora trazemos uma certa trapalhada de uma sexagenária belga que confiou em seu GPS para conduzi-la de sua cidade até Bruxelas, em uma jornada de 61 quilômetros, mas acabou indo parar dois dias depois em Zagreb, capital da Croácia, a 1450 km de sua casa.
Confusões possíveis, mas com calma, graça e sorte
Sabine Moreau, de 67 anos, saiu no sábado, dia 5 de janeiro, do vilarejo de Solre-sur-Sambre para encontrar uma amiga na capital da Bélgica e colocou o endereço no aparelho de navegação por satélite.
Distraída, ela percebeu que o GPS a estava mandando seguir um caminho estranho, atravessando a Alemanha e outros países, mas, distraída, não ligou.
“Eu vi todo tipo de tráfego passar. Primeiro em francês, depois em alemão. Colônia, Aachen, Frankfurt… mas eu não fazia nenhuma pergunta, apenas acelerava”, disse ela, de acordo com o jornal belga Het Niewsblad.
Na longa viagem, Sabine Moreau reabasteceu o carro duas vezes, se envolveu em um pequeno acidente e chegou a dormir algumas horas no carro, parando ao lado da estrada.
Mas ela garante que não percebeu o que estava acontecendo até que chegou a Zagreb.
A polícia chegou a vasculhar a casa da senhora atrás de pistas sobre seu desaparecimento e já estavam prestes a ampliar a investigação quando ela ligou e disse onde estava.
Relaxada, como se nada diferente tivesse acontecido ela disse: “Estranho? Talvez, mas eu só estava distraída e preocupada”, disse Sabine.
Em seguida, segundo o jornal belga La Nouvelle Gazette, ela dirigiu de volta à Bélgica ainda usando o GPS para se orientar.
Mas se viver sobre quadro rodas se aventurando pelas “rodovias da vida” não é sua praia, sem problemas. Mire-se no exemplo de Dona Alzira Freitas Peixoto, 96: ela tricota mantas para doação.
Redes de solidariedade
No jardim, sentada numa cadeira de rodas devido à idade, ela faz crescer a manta colorida que enfeita seu colo. A quem se aproxima ela conta, com um sorriso orgulhoso, que os tricôs são para doação. “Dou para as crianças pobres. Elas sentem muito frio”.
A tarefa começa ali, nas manhãs em que o tempo ajuda, e continua em casa até a noite: “Lá trabalho mais, porque aqui toda hora é uma distração. Fico vendo as pombas, as pessoas que passam”.
A cuidadora Nilza Freitas, 53, é testemunha de sua dedicação e sua vaidade. “Quando esqueço de colocar os brincos, ela logo reclama”. Na sessão de fotos para a reportagem, distribuía tchauzinhos aos curiosos.
A costura final das peças é feita por sua filha, Alzira Cattony, 78, com quem mora. Também foi ela que lhe deu a ideia da boa ação, há três anos e meio. A mãe já estava cansada de fazer cachecóis, e era raro encontrar um conhecido que ainda não tivesse ganhado um exemplar. “Sugeri que a gente emendasse as tiras para fazer mantas e doá-las”, conta a filha.
O terceiro elemento dessa microrrede solidária é a professora de ioga Maria Lúcia Corrêa, 56, que leva peças para a Federação Espírita do Estado de São Paulo e à Igreja Nossa Senhora do Bom Parto. “É gratificante para quem recebe e uma terapia para ela”.
Apesar da boa memória na maior parte do tempo, dona Alzira não consegue se lembrar de quem a ensinou a fazer tricô. Durante muitos anos, foi professora de vitrinismo e empacotamento artístico do Senac, onde aposentou-se há cerca de três décadas.
Agora, quer aprender a fazer origami com a filha. Nilza, a cuidadora, diz não ter paciência para as dobraduras. A qualidade anda rara, ela admite, mas reconhece que dona Alzira ainda a tem de sobra.
Referências
BBC BRASIL (2013). Falha em GPS leva idosa para a Croácia em vez de Bruxelas. Disponível Aqui. Acesso em 27/07/2013.
BERTOLOTTO, R. (2013). Motorista de 103 anos encara rodovia Anhanguera e vai sozinha para supermercado. Disponível Aqui. Acesso em 27/07/2013.
MENDONÇA, T. (2013). Senhora de 96 anos passa os dias tricotando mantas para crianças de rua. Disponível Aqui. Acesso em 27/07/2013.
UOL (2013). Ex-motorista profissional continua dirigindo aos 105 anos. Disponível Aqui. Acesso em 27/07/2013.