Velhice e autonomia da vontade: Direitos humanos fundamentais

Velhice e autonomia da vontade: Direitos humanos fundamentais

A velhice é um direito humano fundamental, sendo que o grande desafio atual é garantir direito à vida com dignidade, preservando sua autonomia da vontade, liberdade e independência.

Iadya Gama Maio (*)

 

O envelhecimento pode ser caracterizado como sendo um processo dinâmico e progressivo com diversas e significativas modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas. Tais modificações podem acarretar uma perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando uma maior vulnerabilidade e uma incidência maior de processos patológicos que terminam por levá-lo à morte.

A velhice é um direito humano fundamental, sendo que o grande desafio atual não é apenas prolongar os anos de vida ou de mantê-la sem doenças, mas em garantir qualidade de vida e bem-estar às pessoas durante a sua velhice, ou seja, é ter direito à vida com dignidade, procurando-se preservar a sua autonomia individual, sua liberdade e a sua independência ao máximo.

Expectativa de vida saudável é uma expressão geralmente usada como sinônimo de “expectativa de vida sem incapacidades físicas ou mentais”. Enquanto a expectativa de vida ao nascer permanece uma medida importante do envelhecimento da população, o tempo de vida que as pessoas podem esperar viver sem precisar de cuidados especiais é extremamente importante para uma população em processo de envelhecimento.

À medida que um indivíduo envelhece, sua qualidade de vida é fortemente determinada por sua habilidade de manter autonomia e independência. Muitas tarefas do cotidiano, consideradas banais e, portanto, de fácil execução, vão paulatinamente e muitas vezes de forma imperceptível, tornando-se cada vez mais difíceis de serem realizadas, até que o indivíduo percebe que já depende de outra pessoa para se vestir, comer, tomar banho, por exemplo.

Na velhice, esse processo de dependência pode estar associado por conta do natural processo fisiológico do envelhecimento, e se manifesta, com maior intensidade e frequência, pela ocorrência de doenças (tais como patologias cardíacas, déficit visual ou auditivo, neoplasias, demências, etc.) e condições adversas, tais como pobreza, fome, maus tratos, abandono, existindo diversos graus de dependência (baixo, médio ou alto) dependendo do nível de necessidade diária de auxílio intensivo por parte de cuidadores (1).

O impacto da diminuição da capacidade funcional dos idosos na assistência à saúde levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a elaborar uma Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – denominada de CIF(2) – que procura verificar a relação doença/desordem nas funções do organismo e o impacto desta no desempenho das atividades dos indivíduos e participação na sociedade, numa abordagem biopsicossocial. A CIF adota o modelo multidirecional que inclui os fatores ambientais e pessoais como determinantes da funcionalidade, da incapacidade e da saúde. A partir dessa avaliação funcional, ou seja, das limitações apresentadas, fica evidente um grau de dependência segundo o qual o idoso é classificado como independente ou dependente, determinando os tipos de cuidados que se farão necessários.

Portanto, mais do que não ter doenças, para os idosos ter saúde relaciona-se diretamente à capacidade funcional e autonomia para as decisões que dizem respeito a eles próprios(3).  Independentemente das perdas que as pessoas idosas sofrem ao longo de sua vida, se faz necessário preservar, ao máximo, a sua autonomia da vontade, admitindo-se apenas restrições quando suas escolhas importarem em violação à sua dignidade ou total falta de discernimento de seus atos.

Mas pode ocorrer em um momento em que esta autonomia da vontade fique muito comprometida. A pessoa que não consegue expressar mais sua vontade, nem fazer escolhas, nem praticar atos da vida civil. E dependendo do grau, não como forma de lhe tolher o seu direito, mas como forma de proteção, surge a necessidade de se pensar no caminho do processo de curatela. Ou temos outras alternativas de apoio para tal finalidade?

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Notas

(1) Conforme Camarano (2010), não existe uma definição única para o significado de cuidados de longa duração, mas aponta como sendo o apoio material, instrumental e emocional, formal ou informal, oferecido por um longo período de tempo às pessoas que o necessitam, independentemente da idade. Portanto, em síntese, cuidados de longa duração significa a ajuda de um terceiro para que alguém possa realizar suas atividades diárias básicas, como tomar banho, se alimentar, usar o banheiro, etc.

(2)A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) é um instrumento para classificar a funcionalidade humana […]. A CIF propõe um modelo de incapacidade multidirecional, onde todos os domínios acima mencionados se relacionam. Esse modelo substitui o conceito anterior, que aceitava a incapacidade e a deficiência como resultados diretos de uma doença ou um acidente, sem considerar outros fatores, como, por exemplo, a acessibilidade, o apoio, a resiliência e outras condições pessoais. O modelo biopsicossocial proposto pela CIF, aceita graus diferentes de incapacidade e de deficiência, mesmo que originados da mesma condição clínica, e incorpora os fatores ambientais que colaboram para maior atividade ou participação do indivíduo […]. É útil para políticas sociais, como acessibilidade e inclusão social, benefícios por invalidez, para pesquisa, entre outros”. Disponível em: <http://www.conasems.org.br/index.php/comunicacao/noticias/1209-classificacao-internacional-de-funcionalidade-incapacidade-e-saude-cif-o-que-e>. Acesso em: 24 nov. 2013.

(3)A avaliação da capacidade funcional é relevante em Gerontologia como indicativo de qualidade de vida do idoso. O desempenho das atividades de vida diária é considerado um parâmetro aceito e legítimo para firmar essa avaliação, sendo utilizado pelos profissionais da área de saúde para avaliar graus de dependência de seus clientes. Pode-se entender avaliação funcional, dentro de uma função específica, como a avaliação da capacidade de autocuidado e de atendimento às necessidades básicas diárias, ou seja, do desempenho das atividades de vida diária, conforme Diogo (2003).

 

(*)Iadya Gama Maio – Procuradora de Justiça- MPRN. Doutora em Ciências-USP. Mestre em Gerontologia Social-UAM. Mestre em Direito Constitucional-UFCE. Associada e membro do Conselho Técnico-Científico da AMPID. Email: [email protected]

 

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A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID tem atuação em âmbito nacional desde o ano de 2004 e contribui para o diálogo social e a promoção dos interesses dos idosos e pessoas com deficiência. Site: http://www.ampid.org.br/

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