Não fui. Plantei árvores. Muitas. No começo, foi como castigo. Depois de uma briga, de uma troca de sopapos, lá vinha o padre encarregado do recreio e já decretava a sentença: os dois, plantar cedrinhos ou eucaliptos!
Waldir Bíscaro *
Durante duas ou mais semanas, em vez de recreio, lá ia eu e meu adversário com o enxadão e as caixas de mudas cumprir a sentença. Na marra, fazia as pazes com o antagonista e acabava gostando do trabalho.
Foi assim que peguei gosto por árvores. Por mim só plantaria as frutíferas. É que adoro ver os passarinhos, especialmente os sabiás, empoleirados nas pitangueiras e mandando ver nas frutinhas.
Outro dia, a caminho da feira, passou por mim carregando o carrinho de feira, antigo colega de empresa. Ele costuma ir mais cedo pra fazer as compras e sempre passa por minha casa. Nesse dia, ele brincou como sempre faz e falou: ô Waldir você mandou colocar tapete vermelho na sua calçada? Que árvore é aquela? Ele se referia ao jambo vermelho que plantei há uns vinte anos atrás, na calçada. Na época da floração, e durante vários dias, o chão fica colorido, de um vermelho maravilha, que atrai os olhares de quem por lá passa.
Foi em uma feira do verde que encontrei aquela arvorezinha simpática e que nunca antes tinha visto. Ela iria substituir uma pitangueira que morrera por maus tratos de passantes sem consciência ecológica. A pequena teria uma proteção mais reforçada. Tenho a impressão de que esse jambo vermelho deve ser o único plantado em calçada, aqui em São Paulo. Todo nordestino que por lá passa fica meio extasiado, talvez se lembrando de sua terra, onde o jambeiro é presença constante.
A ideia de plantar árvore frutífera na calçada foi inspirada em uma reportagem de muitos anos atrás sobre a Av. Odila, localizada entre o Planalto Paulista e Mirandópolis, meu bairro. Nessa avenida, os moradores resolveram que, em vez de árvores decorativas, plantariam frutíferas e foi assim que veio a fama daquela rua. Aos domingos, quando não vou ao Ibirapuera, caminho por ela e constato que nem todos os moradores cuidam como deviam das frutíferas. Lá você encontra limoeiros, pitangueiras, mexeriqueiras e até uma parreira.
Em minha casa não há muito espaço disponível para plantio de árvores, mas sempre encontro uma solução. No jardim de frente, plantei jasmim-manga que toma muito espaço, mas, assim mesmo, dei um jeito e plantei um pé de lichia, depois de me informar com um agrônomo. Queria plantar frutífera não muito grande em frente à janela, hoje ela cobre quase toda a frente.
No cultivo de uma árvore a gente exercita a paciência e é preciso ter alma de camponês para aguardar a primeira floração que quase sempre resulta em nada. Vem uma segunda e com ela a esperança de alguma frutinha e, de novo, nada. Passa-se mais um ano, nova floração e nova frustração. Aí vem a quarta florada e o resultado, como ocorreu com minha lichia, você colhe apenas uma frutinha que conseguiu sobreviver e madurar. Entre desapontado e feliz, você percebe que aquela árvore é mesmo um pé de lichia e é doce.
É que certa vez plantei uma muda achando que seria frutífera. A pequena cresceu, deu flores e ficou nisso. O engraçado é que cada amigo que aparecia lá em casa dava um palpite a respeito da identidade daquele arbusto, atribuindo nomes exóticos aos prováveis futuros frutos que nunca deram as caras.
No quintal dos fundos já plantei diversas frutíferas, mas algumas não se adaptaram e morreram. Lá estão, no canteiro da esquerda a grumixama e o mamoeiro papaia e, à direita, o araçá, a uvaia e a pitangueira. O araçá e a pitangueira disputam espaço a tapas, mas está tudo bem com eles. Pena que os passarinhos rejeitam a uvaia, uma fruta agridoce, bem mais agri do que doce. É que eles não aprenderam a fazer geleia.
O mamoeiro nasceu lá por conta própria, eu só o transplantei mais para o centro do canteiro. É muito divertido ver os sabiás, os sanhaços e as saíras atacarem os mamões maduros que, eles sabem, estão lá só para eles. Os bichinhos agarram-se nas beiradas do mamão maduro e metem a cabeça na polpa, numa verdadeira exibição de malabarismo.
Como já falei em algum lugar, não há como negar minhas raízes de roceiro. Não nasci debaixo de um pé de café, como falava meu pai, mas o sangue fala mais alto.
*Filósofo e psicólogo e ex-professor de Psicologia do Trabalho na PUC/SP.
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