Uso de medicamentos em idosos que procuram tratamento especializado em odontogeriatria: estudo piloto

Resumo: Considerando que os efeitos colaterais dos medicamentos na cavidade bucal compõem um dos fatores relacionados à má qualidade de vida nos idosos, o presente trabalho tem como objetivo descrever a utilização de fármacos por um grupo de idosos que buscou tratamento odontológico em São Paulo – SP. Participaram do estudo 61 pacientes idosos que procuraram tratamento especializado em Odontogeriatria em São Paulo – SP.

Castro, Aline M.1; Rios, Rosana R.1, Montenegro, Fernando L. B.2; Marchini, Leonardo *

Foi possível observar que os pacientes da amostra usam em média 3,5 medicamentos e o medicamento mais freqüentemente utilizado por esses pacientes foi um anti-hipertensivo. Verificou-se que a grande maioria dos pacientes fazem uso crônico de medicamentos. Portanto, ter uma visão do paciente como um todo, saber de suas patologias e dos medicamentos que estão fazendo uso e estar bem familiarizado com a farmacologia é muito importante para realizar um tratamento odontológico com sucesso em idosos.

Introdução

Conhecer o paciente geriátrico como um todo e não somente sua boca é de extrema importância para o cirurgião-dentista que se propõe a atender indivíduos desta faixa etária. Noções de fisiopatologia, das condições crônicas que acometem esses pacientes e da farmacologia das drogas utilizadas são úteis ao profissional do futuro (PINELLI et al., 2005), uma vez que o número de idosos vem crescendo em todo o mundo, acarretando um aumento na demanda odontológica dessa parcela da população (BERNSTEIN,1989; IBGE,2000).

As alterações na farmacocinética e farmacodinâmica das drogas em indivíduos idosos são um dos importantes determinantes do aumento da incidência de efeitos adversos e de interações medicamentosas nesses pacientes. Essas alterações decorrem de modificações ligadas ao processo de envelhecimento (RUMI, 2000).

Como a qualidade de vida atual desta parcela da população não é adequada por diversas causas, entre elas alimentação errada e insuficiente, sedentarismo, estresse do cotidiano e também doenças características da idade avançada, os indivíduos podem atingi-la com diversos problemas físicos e psíquicos. Por esse motivo, a quantidade de remédios ingeridos nessa faixa etária é bem maior que em outras, representando o grupo com o maior número de reações adversas às drogas (OKASAS, 1978; ROZENFELD, 1997; TOMASELLI, 1992). Os medicamentos freqüentemente mais consumidos pelos pacientes geriátricos são os agentes cardiovasculares, anti-hipertensivos,de controle da diabetes seguidos de analgésicos, sedativos e tranqüilizantes (GRYMONPRE et al.,1991; LAWLOR et al., 2003).

As alterações fisiológicas inerentes ao processo de envelhecimento, tais como: diminuição do número de células existentes no organismo, produção mais lenta de proteínas, queda da imunidade (o que favorece o aparecimento de infecções e tumores), tendência ao aumento ou à diminuição de determinados hormônios que podem provocar hipertensão arterial, diabetes, alterações do sono, artrite, doenças cardíacas, entre outras alterações (PEREIRA, 2002), afetam também a distribuição, biotransformação,excreção e seqüestros dos medicamentos (MELLO, 2005).

O cirurgião dentista deve ser prudente ao receitar drogas com alto poder de ligação protéica para pacientes com mais idade, por conta da diminuição numérica das proteínas do plasma nesses pacientes (MELLO, 2005). Dessa forma, estaremos prevenindo a competição pela ligação de tais medicamentos com outras drogas que o paciente possa estar fazendo uso, o que causaria o aumento do efeito destas (ANDRADE et al., 1998).

Os efeitos colaterais dos medicamentos na cavidade bucal são um dos mais sérios fatores relacionados a uma boa qualidade de vida nos idosos. Os efeitos colaterais mais comumente encontrados são: xerostomia, alteração do paladar, sialorréia, hiperplasia gengival, aumento no número de cáries, doenças periodontais, candidíase e estomatites. A xerostomia, por exemplo, influencia diretamente na formação do bolo alimentar e no seu umedecimento, como que criando uma obrigação aos idosos em mudar a qualidade/textura de sua dieta e nutrientes, o quê pode levar o idoso a estados anêmicos que irão comprometer a saúde geral destes indivíduos, envolvendo sua reserva funcional para suplantar doenças comuns do envelhecimento (FRARE et al., 2007; LAURIN, 2002).

Portanto, ter uma visão do paciente como um todo, saber de suas patologias e dos medicamentos que estão fazendo uso e estar bem familiarizado com a farmacologia é muito importante para realizar um tratamento odontológico com sucesso em idosos.

Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo descrever a utilização de fármacos por um grupo de idosos que buscou tratamento odontológico em São Paulo – SP.

Metodologia

Foram utilizados prontuários de 61 pacientes, sendo 42 mulheres e 19 homens, com dados obtidos de 2003 a 2007, cedidos pelo curso de pós-graduação em Odontogeriatria na ABENO – São Paulo-SP. Os dados obtidos pela análise dos prontuários foram tabulados e analisados estatisticamente em termos percentuais.

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da UNIVAP sob parecer número H189/CEP/2007.

Resultados

Participaram do estudo 61 pacientes geriátricos, sendo quarenta e duas (68,85%) mulheres e dezenove (31,15%) homens (Figura 1). A média da idade foi de 59,66 anos, variando de 53 a 83 anos. Sessenta e um (91,80%) dos pacientes fazem uso crônico de medicamentos, e apenas cinco (8,20%) dos pacientes avaliados não utilizam medicamento algum (Figura 2). Cada paciente faz uso em média de 3,54 medicamentos.

O medicamento mais freqüentemente utilizado por esses pacientes foi um anti-hipertensivo (11,47%), que atingiu trinta e cinco (57,38%) dos pacientes. Apenas três (4,90%) desses pacientes eram fumantes e onze (1,80%) sentiram que a quantidade de saliva diminuiu em sua cavidade bucal.

Discussão

O uso de múltiplos medicamentos em idosos é fenômeno bastante freqüente (BERNSTEIN et al.,1989; GRYMONPRE et al., 1991) e suas consequências para o tratamento odontológico variam desde a presença de efeitos colaterais bucais importantes como a xerostomia (PEREIRA, 2002), até interações medicamentosas graves com fármacos comumente utilizados em odontologia, como anti-inflamatórios não esteróidais (AINEs) e antibióticos (OKASAS, 1978).

No presente estudo, o número médio de medicamentos ingeridos pelos indivíduos da amostra analisada é bastante alto (3,5medicamentos por dia). Além disso, a maioria dos pacientes faz uso constante de medicamentos, para o controle de doenças crônicas, como a hipertensão. Os dados observados neste estudo são concordes com a literatura (BERNSTEIN et al., 1989; GRYMONPRE et al., 1991; TOMASELLI, 1992), demonstrando que na população idosa que busca tratamento odontológico especializado em Odontogeriatria o uso de múltiplos medicamentos é igualmente freqüente, enquanto a população que não utiliza medicamento algum é bastante pequena (8,20%).

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Deste modo, é importante que o cirurgião-dentista que vá se dedicar a esta área tenha bom conhecimento de farmacologia e terapêutica (para conhecer os possíveis efeitos adversos e interações medicamentosas), bem como esteja atento para avaliar de modo correto quais são os medicamentos que o paciente utiliza, para gerenciar adequadamente o tratamento, bem como discutir com os demais membros da equipe de saúde a possibilidade de administração de novos fármacos, quando necessária , e a modificação da atual terapia medicamentosa com o intuito de diminuir os efeitos colaterais bucais indesejáveis.

Uma continuação deste estudo piloto, aumentando ao número de pacientes avaliados, pode ainda trazer maiores esclarecimentos quanto ao uso de medicamentos pela população idosa que busca um tratamento especializado em Odontogeriatria.

Conclusões

A quantidade significativa de fármacos ingeridos por dia, num ambiente extra-hospitalar(3,5 medicamentos/dia) gera inúmeros efeitos colaterais bucais nestes pacientes,que podem trazer conseqüências em suas condições orais e em órgãos consecutivos à boca.

Um enfoque global do idoso,muito além de somente aspectos odontológicos, é mister nas atividades nesta faixa etária.

Referências

1- ANDRADE, E. D. D; RANALI, J; VOLPATO, M. C. Pacientes que requerem cuidados especiais. In: ANDRADE, E. D. Terapêutica medicamentosa em odontologia. São Paulo: ed. Artes Médicas, cap.9, 1998.

2- BERNSTEIN L. et al. Characterization of the use and misuse of medications by elderly ambulatory population. Med Care, v.27, p.654-63, 1989.

3- FRARE, S. M. et al. Terceira idade: quais os problemas bucais existentes? Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent., v.51, n.6, p.573-576, 1997.

4- GRYMONPRE, R.; GALAN, D. Challenges associated with drugs use in the elderly: impactions for dentistry. J. Can. Dent. Assoc., v.57, p.203-207, 1991

5- IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais, 1999, Rio de Janeiro, p. 186, 2000.

6- LAURIN, D. et al. Nutritional deficiencies and gastrointestinal disorders in edentulous elderly. Am. J. Clin. Nutr., v.58, n.9, p.738- 740, 1992.

7- LAWLOR, D. A. et al. Association between falls in elderly women and chronic diseases and drug use: cross sectional study. Brit. Med. J., v. 327, p.712-715, 2003.

8- LIEBER, N. S. R. et al. Revisão dos estudos de intervenção do farmacêutico no uso de medicamentos por pacientes idosos. Cad. Saúde Pública, v. 18, n. 6, p. 1499-1507, 2002.

9- MELLO, H.S.A. Odontogeriatria. São Paulo: ed. Santos, p.227, 2005.

10- OKSAS, R.M. A retrospective study of potential adverse drug reactions in dentistry. Oral Surg., v.45, n.7, p.707-713, 1978.

11- PEREIRA, C. M. M. S., MONTENEGRO, F.L.B. Efeitos bucais das drogas: cuidados na terceira idade. In: BRUNETTI, R.F. e MONTENEGRO, F.L.B. Odontogeriatria: Noções de interesse clínico. São Paulo: ed. Artes médicas, p. 133-150, 2002.

12- PINELLI, L. A. P.; MONTANDON, A. A. B.; BOSCHI, A.; FAIS, L. M. G. Prevalência de doenças crônicas em pacientes geriátricos. Rev. Odonto Ciênc., v.20, n.47, p.69-74, jan. – mar. 2005.

13- ROZENFELD S. Reações adversas aos medicamentos em idosos: as quedas em mulheres como iatrogenia farmacoterapêutica [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1997.

14- RUMI, D. Princípios da Psicofarmacologia geriátrica. In: FORLENZA, O.V.; CARAMELLI, P. Neuropsiquiatria Geriátrica. São Paulo: ed. Atheneu, p. 603-611, 2000.

15- TOMASELLI, C.E. Pharmacotherapy in geriatric population. Spec. Care Dent., v.12, n.3, p.107-11, 1992.

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