Diante da emergência sanitária nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), no Uruguai, o Centro Interdisciplinario de Envejecimiento faz algumas recomendações.
Centro Interdisciplinario de Envejecimiento (*)
Situação atual
O mundo está passando por uma pandemia há pelo menos 16 meses que causou a morte de milhões de pessoas. Pessoas mais velhas foram um dos grupos mais afetados em termos de mortalidade, para os quais a Organização Mundial da Saúde (2021) tem chamado a atenção para a desigualdade e a falta de proteção desta população, apontando o aumento da discriminação, com base na idade, em diferentes países.
Nas últimas semanas, o Uruguai se tornou um dos países com maior número de óbitos diários por Covid-19 em relação à sua população. Apesar de medidas definidas de proteção à saúde, muitas dessas mortes ocorreram em ILPIs, conhecidas no país por Estabelecimentos de longa permanência para idosos (ELEPEM), e várias delas em circunstâncias ainda não esclarecidas publicamente, que em alguns casos estão sendo investigadas.
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Em nosso país, aproximadamente 15.000 idosos vivem nestes estabelecimentos. Se os trabalhadores responsáveis pelo atendimento e cuidado forem levados em consideração, estima-se que haveria 25.000 pessoas em 1.177 ILPIs (MSP, 2021). As ILPIs são serviços que prestam assistência às atividades básicas e instrumentais da vida diária, incluindo acompanhamento afetivo e emocional, recreação, integração social e estimulação cognitiva. Portanto, elas fornecem várias atividades de suporte para a vida das pessoas idosas, mas elas claramente não são provedoras de saúde, conforme definido no marco jurídico.
Marco normatico
A maioria dos idosos que vivem nessas instituições está em situação de alta vulnerabilidade devido ao seu estado de saúde, econômico, emocional ou de perda de autonomia. Um ano após a declaração da emergência sanitária, observa-se as consequências na saúde global dos residentes e, especialmente, em sua saúde mental, de uma política de isolamento prolongado de seus familiares que se instalou como medida de proteção à saúde, mas sem o seu consentimento ou participação. Isso vem violando o princípio da igualdade e a proteção de seus direitos humanos.
No Uruguai, três leis e um decreto específico fornecem um marco jurídico para a proteção de residentes em uma ILPI: Lei nº 18.418 (20/11/2008) aprova a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A lei N ° 19.430 (18/12/2016) ratifica a Convenção Interamericana para a Proteção de Direitos Humanos das Pessoas Idosas, onde o Estado se compromete com a garantia dos direitos à vida e à dignidade na velhice, o acesso não discriminatório à atenção integral com base na idade, evitando ações que levem ao isolamento; o direito à independência e à tomada de decisão das pessoas idosas sobre suas próprias vidas, entre outros (art. 5 a 16). Também a Lei nº 19.529 sobre Saúde Mental, desde 24/08/2017 assinala que o Estado deve se comprometer com a promoção de um conjunto de princípios norteadores em Saúde Mental, assim como garantir os direitos derivados deles, como a não discriminação no cuidado, participando de decisões que dizem respeito aos mesmos, etc. Por sua vez, as ILPIs, desde 2016, têm sido regulamentadas pelo Decreto nº 356/2016, que define uma série de aspectos regulatórios e organizacionais, atribuindo poderes de fiscalização ao MSP e ao MIDES.
Recomendações
Diante dos eventos de notoriedade pública ocorridos e que ainda ocorrem nas ILPIs vinculados aos óbitos, as medidas tomadas para a gestão da emergência sanitária, bem como aos níveis evidentes de sofrimento que se instalaram em muitos residentes, familiares e trabalhadores, o Centro Interdisciplinario de Enveljecimiento (CIEn) da Universidad de la República destaca que essa situação se qualifica como uma crise de ajuda humanitária, e por isso é essencial tomar medidas extremas para proteger a integridade dessas pessoas e garantir seus direitos. Certamente quando essa crise humanitária acabar, avaliaremos mais claramente as medidas definidas para a proteção sanitária. Independentemente disso, e levando em consideração a situação atual instalada, fazemos as seguintes recomendações proposicionais, como apoio ao trabalho das autoridades sanitárias, equipes profissionais, equipes assistenciais, gestores de ILPIs e famílias:
1 – A idade das pessoas não pode ser condição de discriminação que afeta o direito a tratamento e condições adequadas de saúde e sociais. Embora isso tenha sido levantado pelas autoridades de saúde, que levaram em consideração fatos o corridos em outros países em relação a lógicas e práticas discriminatórias por idade devido à escassez de recursos de saúde, deve-se ter cuidado para garantir o cumprimento das disposições das leis nacionais de referência à não discriminação.
2 – Atualmente a vacinação aparece como uma das medidas mais eficazes para deter as situações de gravidade e mortalidade provocadas por esta doença. Deve-se tomar todas as ações necessárias para que os residentes, bem como seus cuidadores, tenham todas as informações sobre vacinas e possam acessar voluntariamente às mesmas.
3 – Outra medida eficaz para evitar ou diminuir o índice de contágio é a questão do distanciamento físico e dos usos dos espaços, situação muito difícil de lidar quando há propostas de muitas pessoas morando juntas em espaços pequenos e confinados, como o que acontece em muitas ILPIs. Nestes casos, para mitigar os efeitos perniciosos da falta de espaço, recomendamos a consulta do guia de assessoria espacial para contenção e organização da ILPI e seus cartazes de apoio, ambos elaborados por professores da Faculdade de Arquitetura, Desenho e Urbanismo da Udelar (disponível em: https://bit.ly/3upJV9v).
4 – Em situações de crise humanitária como a gerada pela morte de várias pessoas na ILPI, várias delas em situações pouco claras, é comum que uma situação de anomia ocorra no entorno. Portanto, é necessário tomar todas as medidas necessárias para manter os residentes, cuidadores e familiares claramente informados sobre a situação e as ações que estão sendo realizadas. Ocultar informações ou apresentar versões distorcidas para a família, residentes e / ou cuidadores, é uma prática considerada prejudicial e que viola os códigos de ética profissional e direitos das pessoas idosas, além de ameaçar sua saúde mental.
5 – Conforme definido pelas leis de referência, o idoso e seus familiares devem participar de todas as decisões que lhes digam respeito, especialmente as relacionadas com a sua vida e saúde. Para potencializar isso nas pessoas com alto grau de vulnerabilidade, é necessário gerar ações públicas claras a fim de facilitar o empoderamento e a participação da sociedade civil organizada, como forma de apoiar familiares, residentes e cuidadores, bem como o cumprimento das garantias de direitos. Para isso é necessário contar com a participação de atores governamentais, apoiando as ações de grupos de idosos com essa finalidade (Rede de Idosos, Movimento Familiar e Residentes de ILPIs, entre outros).
6 – Os danos causados por situações de crise na saúde mental das pessoas (depressão, ansiedade, pós-estresse traumático, entre outros) estão amplamente documentados. No caso dos residentes de ILPIs, acrescenta-se o fato que estão em situação de confinamento há mais de um ano e, em muitos casos, de falta de contato com seus familiares ou entes queridos. Nestes casos, é necessário enfrentar de forma decisiva o problema de saúde mental por meio de intervenções especializadas, com abordagens terapêuticas combinadas – individual, em grupo, comunitária e / ou institucional – que permite aos residentes e familiares gerar técnicas de compreensão e simbolização dos eventos, permitindo a realização de processos de luto. Prestadores de saúde públicos e privados por meio de suas equipes de atenção primária, bem como equipes de docentes e alunos da Udelar devem ser acionadas para responder a este problema de uma perspectiva psicogerontológica.
7 – Da mesma forma, deve ser abordada a situação de saúde mental dos trabalhadores responsáveis pelos cuidados na ILPI. É um setor com pouca visibilidade em suas contribuições, não muito valorizados socialmente e com baixo salário pelo seu trabalho, que já vem há mais de um ano mantendo o cuidado em condições muito estressantes. Neste caso é necessário incluí-los no trabalho indicado no tem anterior.
8 – Nas pessoas idosas que já tiveram Covid-19, e principalmente aquelas que foram internadas em cuidados intermediários ou em UTI, deve-se gerar instâncias de reabilitação das sequelas que a doença poderia ter produzido no plano cognitivo e emocional. Embora as informações científicas ainda não sejam conclusivas, começam a surgir evidências sobre as sequelas neurocognitivas que a doença pode deixar e a necessidade de abordá-las com com programas de reabilitação.
9 – Finalmente, quando eventos como a ocorrência de uma grande mortalidade de idosos em ILPIs, é necessário que o Ministério Público esteja atento e analise a situação, para resguardar os direitos das pessoas idosas e esclarecer que esta situação não seja consequência de más decisões e / ou cuidados inadequados em saúde. Fazemos essas recomendações a fim de contribuir com ações destinadas a mitigar danos causados pela situação pandêmica em pessoas vinculadas à ILPIs. Implementá-los pode exigir mais do que grandes recursos econômicos novos, uma reorientação dos recursos humanos existentes e treinamento específico dos mesmos. O Centro Interdisciplinario de Envejecimiento coloca à disposição da sociedade seus recursos técnicos, assistenciais e de treinamento para apoiar a implementação dessas propostas.
Montevidéu, 14 de abril de 2021.
(*) Centro Interdisciplinario de Envejecimiento – Espacio Interdisciplinario – Universidad de la República, Montevideo, Uruguay. E-mail: cien@ei.udelar.edu.uy Site: http://www.cien.ei.udelar.edu.uy/. Tradução livre de Beltrina Côrte.
Foto destaque: divulgação, Ministerio de Salud – República Oriental del Uruguay